• Nenhum resultado encontrado

Abrindo espaço para a efetiva participação infantil nas pesquisas

No documento Dissertação de Lindalva Souza Ribeiro (páginas 89-92)

3 PRÁTICA DOCENTE PARTICIPATIVA: O QUE NARRAM E EXPRESSAM

3.2 Abrindo espaço para a efetiva participação infantil nas pesquisas

Escutar as experiências e os pontos de vista das crianças é um aspecto preponderante da participação infantil nas pesquisas, uma vez que essa participação ativa vem sendo objeto de interesse do campo das Ciências Humanas desde o final da década de 1980.

Como sendo separados e diferentes dos seus educadores adultos, interesse esse na linha do estabelecimento de um novo paradigma para o estudo da infância, que procura explorar as relações e culturas da infância das crianças como área de estudo de direito próprio. (O‟KANE, 2005, p. 143).

Para O‟Kane (2005), os investigadores encontram desafios quando se propõem a trabalhar com crianças, devido à disparidade de poder que há entre adulto e criança, por esse motivo, as vozes infantis foram muitas vezes marginalizadas. Desta forma, encontrar maneiras de quebrar essa desigualdade e, ao mesmo tempo, criar espaços que permitam às crianças terem voz e serem ouvidas são aspectos consideráveis e desafiadores no processo investigativo quando as crianças são consideradas participantes ativos.

A técnica investigativa que concerne espaço para o falar e o narrar, ou seja, que utiliza métodos participativos tem sido considerado pela academia com bons olhos quando se trata de adultos, mas quando se trata de abrir espaço para a fala das crianças, ainda existem resistências. Para Kramer (2009, p. 171), “[...] olhar o mundo a partir do ponto de vista da criança pode revelar contradições e dar novos contornos à realidade.”

Deixar de exercer um “autoritarismo” sobre a criança, destruir conceitos estabelecidos, não é algo fácil de fazer. A visão que anteriormente eu tinha das crianças como seres passivos e submissos à autoridade do adulto não era diferente da compartilhada por grande parte da sociedade.

Durante a graduação, não tive a disciplina Sociologia da Infância em minha grade curricular. O primeiro contato com esse campo do conhecimento me trouxe sentimentos confusos. Começaram a fluir em minha mente pensamentos como: “[...] criança não tem muito o que pensar e sentir, muito menos o que expressar ou dizer.” Com as leituras e estudos em Sociologia da Infância, porém, passei a pensar diferente; deixando de considerar a criança como um ser impotente, dependente de cuidados e proteção, um ser alheio ao mundo em que está inserido. Era como se grande parte de suas vidas estivesse em minhas mãos, sendo que eu como adulta e professora, precisava dar conta disso com toda maestria.

Tamanho foi o meu constrangimento como professora quando percebi que observava a criança dessa forma desumana. A surpresa foi ainda maior ao compreender a visão de mundo

que os pequenos têm, como produzem cultura, como se relacionam com a vida e se constituem nela.

Sem a interferência de conceitos e preconceitos compreendi, com Kramer (2009, p. 171), que “[...] atuar com as crianças com este olhar significa agir com a própria condição humana, com a história humana." Quando subvertemos a ordem aparentemente natural das coisas, as crianças não falam apenas de si de seu mundo infantil a partir de sua ótica, mas do seu contexto social e do mundo adulto (KRAMER, 2009).

A dinâmica de desconstruir ou ressignificar minha visão de criança também nos fez refletir sobre a prática e narrar sobre ela, projetando uma prática educativa coerente com as crianças. De acordo com Prado e Nogueira (2014), as narrativas de si

[...] possibilitam a compreensão da autoria dos sujeitos, podendo esta contribuição não indicar novas perspectivas de formação como também de investigação no âmbito do trabalho pedagógico dos profissionais da educação e das práticas de ensino e de aprendizagem junto às crianças [...]. (PRADO; NOGUEIRA, 2014, p. 99).

Ao narrarmos, colocamos para fora erros, debilidades, anseios, pontos fortes e fracos da nossa prática e, a partir deles, podemos entrar em um processo reflexivo que incidirá na contribuição de novos procedimentos da prática pedagógica. Assim na desconstrução de conceitos equivocados e na ressignificação, podemos relatar com mais propriedade sobre a abertura da participação infantil na pesquisa a que nos propusemos investigar.

Já na primeira filmagem com as crianças aqui analisadas, percebi que eu repetia a prática pedagógica que vivenciei, a prática do "monólogo", prática essa "[...] muito encontrada em rodas de conversas com crianças pequenas é aquela onde a professora „conversa‟ com a classe como um todo, e na grande maioria das vezes faz perguntas que ela mesma responde.”( LEITE, 1995, p. 10). Dessa forma na roda de conversa com a turma, somente eu falava. As crianças tinham que ficar quietas, observando tudo o que eu tinha para lhes dizer. Tal postura de minha parte se encaixa nas seguintes observações de Smith, Bordini e Sperb (2009):

Entretanto, a disponibilidade dos educadores para conversar com as crianças pode diminuir, à medida que as atividades típicas da escolarização são introduzidas na rotina e priorizadas. Numa investigação sobre a interação verbal cotidiana de crianças entre 3 anos e meio e 4 anos e 2 meses com três diferentes educadoras, Dickinson (1991) observou que narrativas pessoais ou um discurso explicativo eram raramente oportunizados na rotina escolar. A maior parte das conversas abordava tópicos centrados no aqui agora [...]. A fala das educadoras focalizava principalmente as tarefas e o controle das crianças. Resultados semelhantes foram obtidos num estudo com uma turma

de crianças entre 4 e 5 anos [...] Constatou-se a precariedade da escuta e estimulação da expressão narrativa das crianças pelos educadores. Registrou- se também a priorização do contar (transmitir) histórias, do cumprimento de tarefas em detrimento do aproveitamento das interações para desenvolver a linguagem e a compreensão das situações, e do “ditar regras,” ao invés de permitir que a criança argumente e justifique seu comportamento. (SMITH; BORDINI; SPERB, 2009, p. 182).

O velho modelo vestido de roupagem nova estava entranhado na minha prática pedagógica de tal maneira que me vi cumprindo o que determina o Referencial Curricular para Educação Infantil, no capítulo "Linguagem oral e escrita", que tem como um dos tópicos a roda de conversa. Quem adentrasse na minha sala naquele momento me aplaudiria, por ver com que desenvoltura cumpria as regras estabelecidas para Educação Infantil, mas o monólogo que eu propunha às crianças era rotinizado e domesticador, como aponta Ryckebusch (2011):

Desconsiderar a posição da criança como sujeito da linguagem no fluxo das interações verbais em contexto de “Roda de Conversa” significa a monologização do discurso. Em outras palavras, implica uma imposição do sentido da professora na produção de significados no grupo. Ao não ser reconhecida como sujeito da linguagem, a criança acaba por silenciar-se, à medida que adere aos sentidos postos pela professora no curso das interações. Nesse contexto, a roda pode se tornar um mero dispositivo pedagógico rotinizado e com fim em si mesmo. Numa crítica mais contundente: promotora da educação domesticadora. (RYCKEBUSCH, 2011, p. 55).

Como as crianças poderiam ter participação ativa na pesquisa com um modelo como esse? Graças às perguntas e análises feitas durante o processo de orientação, mudei minha prática e tomei uma postura de ação exotópica.

Kramer (2009) nos lembra que

[...] o conhecimento do outro exige exotopia. Esta é a decorrência do meu inacabamento. Observo, interpreto, escrevo, sinto, fotografo, filmo ou falo sobre o outro a partir de um determinado lugar em que, como pesquisadora, posso ver e ouvir. O lugar de onde falo de onde vejo ou escuto determina aquilo que aprendo e compreendo do outro. (KRAMER, 2009, p. 173).

Do lugar de onde falo e do apreender do outro posso rever o processo investigativo com a participação das crianças. O percurso investigativo por sua vez não pode ser uma técnica ou método mecânico, precisa estar imbuído de diálogos, ação, análise e mudança, partilha de informação e reflexão, só assim a técnica participativa será bem sucedida (O‟KANE, 2005).

No documento Dissertação de Lindalva Souza Ribeiro (páginas 89-92)

Documentos relacionados