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Embora seja um tanto paradoxal, frente a irrepetibilidade das soluções aqui analisadas em contextos diversos, mas talvez justamente por isso, dedico-me um instante a extrair os aspectos e características mais abstratos e comuns às experiências de transdução holofractal

para desenhar um diagrama (Figura 28) cuja pretensão é sintetizar pontos-chave do processo e, quem sabe, inspirar desdobramentos metacríticos desse trabalho.

Figura 28: Diagrama do processo semiótico-poético holofractal.

O círculo mais amplo do diagrama, das noções holonômicas, representa o pano de fundo paradigmático, que deve permear tanto os processos de mediação sêmio-lógicos como as definições estéticas holofractais. Interdependentes, inter-relacionados e interativos, tais conceitos atraem uns aos outros em constructos neoparadigmáticos. Assim é que a noção de acausalidade, que preconiza a não linearidade da relação entre causa e efeito, faz crescer a imprevisibilidade do processo em que esteja presente, relativiza o posicionamento dos fenômenos causais e cria paradoxos, com a inversão de sua temporalidade, cuja abertura interpretativa evoca a omnijetividade, ao tornar observadores passivos em sujeitos ativos.

O círculo intermediário, das técnicas semióticas, traz procedimentos e ferramentas que permitem a materialização das criações holofractais. Dessa forma, fontes inspiradoras do processo ganham realidade ao passar por alguns passos estruturantes, tais como a seleção e análise faneroscópica dos signos originários – sejam eles extraídos de um mito, de uma obra artística ou de um conceito – e a identificação de suas características mais profundas, pré- simbólicas, no âmbito da primeiridade e segundidade semióticas. Nesse âmbito são realizadas pré-análises dos potenciais holonômicos dessas fontes e o mapeamento do que poderá vir a

ser transduzido a partir dos níveis profundos de funcionamento semiósico, isto é, das esferas cognitivas menos evidentes.

O círculo menor, das considerações estéticas do processo, inclui as opções pelos meios expressivos mais adequados para a realização do processo criativo holofractal. Nas situações em que o processo criativo é gerado a partir de uma demanda específica, como no caso de encomendas, é possível que parte dos meios já esteja definida. Ainda assim, cabe aqui uma avaliação das limitações colocadas e sua integração a alternativas criativas, como por exemplo a conversão de um instalação em performance, ou a inclusão de uma determinada técnica ou tecnologia que permita aproximar a demanda dos princípios holonômicos do círculo maior por meio da criação de processos semiósicos. Definidos tais processos, geralmente em planos e roteiros não convencionais, que podem sustentar-se em meios e linguagens artísticos os mais diversos, é importante experimentar como soam e aparecem as combinações planejadas. Alguns artistas preferem não saber, antes do momento da apresentação, quais serão os elementos presentes na obra, de modo a garantir o mais alto grau de surpresa e naturalidade reativa, como costumavam fazer Cage e Cunningham. No entanto, mesmo isso não elimina sua participação no debate sobre como os eventos componenciais do processo vão se organizar, pois a poética aqui proposta prefere não confiar na pura gratuidade do acaso. Ao contrário, um planejamento da integração dos signos reconstruídos a partir do círculo anterior, das semiotécnicas, e sua eventual vetorização, são fundamentais para buscar maior clareza e potencializar a percepção do universo paradigmático que fazem emergir. Uma avaliação desse potencial pode ser feita de diversas maneiras, desde a pura reflexão sobre o experimento até entrevistas com os participantes, algum tempo depois da vivência, quando o impacto imediato já se tiver diluído.

Sumário e reducionista, como todo modelo deve ser, este diagrama pretende ter facilitado a compreensão do processo poético holofractal. Como toda metáfora, entretanto, ele não pode ser confundido com aquilo que representa. Entender como funcionam as engrenagens de um relógio pouco nos aproxima de uma melhor compreensão do tempo.

É importante notar que os tópicos contidos nas três esferas não são lineares, mas intercambiáveis, conforme o ponto abordado esteja em contato com os demais planos, e iterativos. A constatação de um problema durante a vetorização, por exemplo, remete a um estudo dos traços holonômicos em um signo tomado como inspiração do trabalho poético.

Sobretudo, o modelo permite notar com maior clareza que uma das principais diferenças entre as poéticas tradicionais e a holofractal é sua ênfase nas transduções semióticas, pois essas, ao enfatizar as dimensões de primeiridade e segundidade na tradução entre linguagens diversas, deixam a tradução simbólica sob responsabilidade direta da audiência, que se vê obrigada, a partir de sua experiência de vida única e irrepetível, a reconstruir ativamente as conexões entre os processos vividos na experiência poética holofractal e sua própria realidade.

Tomando em sua radicalidade a lição de John Cage sobre o silêncio, ainda tão incompreendida, o método poético aqui apresentado procura trabalhar acuradamente sobre as instâncias fenomenológicas que precedem a formação simbólica para sobre esta calar-se, para dar-lhe espaço e liberdade formativos. Pois, como sugere a visão tautegórica mitopoética de Eudoro de Sousa:

Uma das portas de acesso ao mundo mítico é a reflexão sobre o simbólico. Se há uma realidade simbólica – aquela cuja expressão mais adequada é o mito – é ela constituída por entes fluidos e translúcidos; de tal maneira fluidos, que indistinto se torna o limite entre o ser humano e o ser divino, entre o ser divino e o ser natural, entre o ser natural e o ser humano; de tal maneira translúcidos, que através do ser homem transparece o ser animal ou o ser planta, o ser rio, mar ou montanha; ou através do ser deus transparece o ser humano ou natural. Perca o simbólico a sua fluidez e a sua transparência, que sucederá? Tudo se cousifica! (SOUSA, apud Bastos, 1991: p. 48).