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5.  Discussão 61 

5.3.  Abundância Relativa 73 

A maioria das espécies de mamíferos do Cerrado possui uma ampla distribuição geográfica e, ainda que no conjunto do bioma se possa considerar

que o número total de indivíduos de uma dada espécie seja relativamente alto, a maioria delas tende a ser localmente rara, com grande variação de abundância entre as áreas (Marinho-Filho et al. 1994).

Dentre as espécies registradas no Parque, as raposas C. thous e L. vetulus foram as mais abundantes, respectivamente. Entretanto, vale ressaltar que as espécies que possuem hábitos diurnos como D. nigriclunis e M. gouazoubira, as quais apresentaram respectivamente 27 e 42 registros, provavelmente tiveram sua abundância relativa subestimada, uma vez que o modo como os dados foram coletados pode influenciar nos resultados obtidos, pois nem todas as armadilhas utilizadas funcionaram durante as 24 horas do dia.

Os valores de abundância relativa das espécies pertencentes à família Dasypodidae no PARNA das Nascentes do Rio Parnaíba foram baixos, sendo T. tricinctus a espécie com maior índice de abundância relativa. Esses dados são similares aos obtidos por Astete (2008), em um estudo realizado no PARNA da Serra da Capivara. Esse autor também obteve baixos valores de abundância relativa para esse grupo, sendo a espécie T. tricinctus a mais abundante, com apenas quatro registros, não havendo registro da espécie D. novemcinctus. Essa diferença na quantidade de registros obtidos para essas espécies provavelmente está relacionada à biologia das mesmas. A espécie D. novemcinctus costuma deslocar-se preferencialmente em seus próprios “carreiros”, reduzindo sua detecção em estradas ou trilhas, as quais são mais utilizadas em estudos com armadilhas-fotográficas. Por outro lado, esse comportamento parece não ser tão rígido em T. tricinctus, detectado tanto em

“carreiros” como em trilhas e estradas. Entretanto, Wolff (2001) em um estudo também realizado no Parque Nacional da Serra da Capivara com armadilhas- fotográficas, obteve 56 registros da espécie D. novemcinctus e nenhum registro da espécie T. tricinctus. Esse fato, provavelmente, está relacinado a disposição das armadilhas-fotográficas por esse autor, as quais foram instaladas próximas de poços de água presentes na área de estudo.

A maioria das espécies registradas pelas armadilhas-fotográficas pertence à ordem Carnivora, a qual obteve 62,9% dos registros. Este resultado foi similar aos de outros estudos realizados com esse grupo de mamíferos (Marques et al., 2001; Santos-Filho & Silva, 2002; Silveira et al., 2003; Trolle, 2003a; Freitas, 2005; Srbek-Araújo & Chiarello, 2005; Lima, 2007a). Dentro deste grupo, os felinos e os canídeos foram registrados com maior freqüência, enquanto os procionídeos e mustelídeos foram pouco fotografados, estando de acordo com os resultados obtidos por Freitas (2005).

Nas Nascentes do Rio Parnaíba, a espécie de carnívoro mais abundante foi a raposa, C. thous, seguida por L. vetulus, C. semistriatus, L. tigrinus e C. brachyurus. Provavelmente, o elevado número de registros de C. thous está associado ao fato da mesma ser uma espécie característica de ambientes abertos, sendo beneficiada pela predominância de fitofisionomias mais abertas no Parque (Emmons & Feer, 1999; Oliveira et al., 2007). De modo geral, esse padrão de abundância de carnívoros na área de estudo é congruente com o padrão esperado para esse grupo de mamíferos, sendo semelhante ao encontrado em outros estudos realizados com esse grupo. Nos Parques Nacionais da Serra da Capivara e Serra das Confusões, os quais estão

localizados geograficamente próximos ao Parque das Nascentes do Rio Parnaíba, os carnívoros mais abundantes foram P. onca, C. thous, P. concolor e L. pardalis (Astete, 2008). Rodrigues et al. (2002), em estudo com a mastofauna no Parque Nacional das Emas (PNE), observaram que os carnívoros com maior número de registros foram C. brachyurus, C. semistriatus, L. vetulus e C. thous. Em paisagens fragmentadas no nordeste do Estado de São Paulo, os carnívoros mais abundantes foram P. concolor e C. brachyurus, seguidos por L. pardalis e C. thous (Lyra-Jorge et al., 2008).

Maffei et al. (2002), em um trabalho realizado em três áreas na Bolívia, sugeriram que a abundância de gatos de menor porte, como os do gênero Leopardus e a espécie P. yagouaroundi, podem ser mais baixas do que a de felinos predadores de topo de cadeia, como P. onca e P. concolor. Entretanto, no presente estudo, a espécie L. tigrinus apresentou a segunda maior abundância relativa, ficando atrás apenas de P. concolor. Já a espécie Panthera onca foi considerada extremamente rara, tendo apenas um registro em armadilha-fotográfica, e os relatos obtidos através de entrevistas foram enfáticos ao indicar que houve um forte declínio em sua população na última década, o que pode provocar o desaparecimento dessa espécie no interior do Parque. De fato, durante os trabalhos de campo, raramente foram encontrados vestígios de sua presença na área de estudo. Essa baixa abundância da onça- pintada pode estar fortemente associada com sua caça devido à criação de gado na área e o hábito dessa espécie de predar o rebanho bovino (Silveira, 2004).

Na região do sul do Piauí, essa espécie ainda é relativamente abundante, tendo sido registradas populações nos PARNAs da Serra da Capivara e Serra das Confusões, além da E.E. Uruçuí-Una, todos menores do que o PARNA das Nascentes do Rio Parnaíba, onde seria esperada uma abundância de Panthera onca bem maior do que a observada. Astete (2008) identificou 13 indivíduos de onça-pintada no PARNA da Serra da Capivara, estimando que a população dessa espécie pode chegar a 35 indivíduos na área de estudo.

A espécie T. terrestris foi o quarto mamífero mais abundante no PARNA das Nascentes do Rio Parnaíba. Apesar de ser uma espécie de grande porte, sendo o maior mamífero terrestre neotropical (Reis et al., 2006), essa espécie apresenta uma elevada abundância em áreas conservadas. Provavelmente, esse fato está relacionado ao seu hábito generalista quanto ao uso do hábitat (ver discussão sobre uso do hábitat). Silveira (2004), trabalhando em quatro áreas dos Biomas Cerrado e Pantanal, afirmou que esta espécie foi a quarta mais abundante dentre os mamíferos de médio e grande porte registrados. Trolle (2003b), em um estudo realizado no Pantanal, afirmou que esta espécie foi freqüentemente registrada pelas armadilhas-fotográficas, sendo comum encontrar seus “carreiros” na área de estudo, a qual foi a quarta espécie mais abundante juntamente com D. novemcinctus.

Dentre os artiodáctilos, a espécie P. tajacu apresentou uma baixa abundância, tendo sido registrada somente quatro vezes pelas armadilhas- fotográficas durante o presente estudo. Entretanto, essa espécie parece ser mais abundante do que o registrado pelas armadilhas-fotográficas, sendo

comum encontrar seus rastros em vários ambientes da área de estudo, além de ser citada como uma espécie comum durante as entrevistas. Essa baixa abundância registrada pelas armadilhas-fotográficas provavelmente está relacionada com seu padrão de atividade, o qual apresenta picos no período diurno (Silveira, 2004; Kasper et al., 2007). Desse modo, esta espécie provavelmente teve sua abundância relativa subestimada, pois nem todas as armadilhas utilizadas funcionaram durante as 24 horas do dia.

Quanto aos cervídeos, a espécie M. gouazoubira, apesar de ter sido a terceira mais abundante no Parque, pode ter tido sua abundância relativa subestimada, pois assim como P. tajacu, possui picos de atividade durante o período diurno. Nos PARNAS da Serra da Capivara e Serra das Confusões, onde as armadilhas-fotográficas foram programadas para funcionar durante as 24 horas do dia, esta espécie foi a mais abundante (Astete, 2008). Já a espécie B. dichotomus apresentou apenas três registros durante o presente estudo, corroborando os dados observados por Rodrigues et al. (2002) no PARNA das Emas. Rodrigues et al. (2002) afirmaram que B. dichotomus é uma espécie raramente observada, sendo restrita a ambientes úmidos.

A espécie C. paca apresentou uma baixa abundância relativa. Resultados semelhantes foram obtidos em outros estudos realizados no Cerrado (Rodrigues et al., 2002; Freitas, 2005; Trolle et al., 2007b). Esse padrão pode estar relacionado à biologia da espécie, a qual possui forte dependência de ambientes com vegetação mais densa e presença de corpos d’água (ver discussão sobre uso do hábitat), sendo estes ambientes raros no

bioma Cerrado, onde ocorre predominância de áreas abertas (Ratter et al., 1996).

Era esperada uma diferença significativa na abundância das espécies de mamíferos de médio e grande porte entre os dois períodos de amostragem (seco e chuvoso), uma vez que a estação seca apresenta menos recursos alimentares, quando comparada com a estação chuvosa. Desse modo, no período seco os animais têm que usar áreas maiores para forragear, aumentando assim, as chances dos mesmos serem registrados pelas armadilhas-fotográficas (Silveira, 2005). Entretanto, no presente trabalho, esse padrão não foi confirmado, não tendo sido observada diferença significativa na abundância das espécies entre os dois períodos amostrados. Esse fato pode estar relacionado com a elevada disponibilidade de recursos hídricos no interior do Parque, os quais estão presentes (perenes) ao longo de todo o ano. Essa disponibilidade de água pode influenciar diretamente na taxa de deslocamento de mamíferos de médio e grande porte, diminuindo assim os possíveis efeitos da sazonalidade.

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