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Acausalidade e Imprevisibilidade (Incerteza)

2. AS MUDANÇAS DE PARADIGMA NAS CIÊNCIAS E NAS ARTES

2.3. Conceitos – chave

2.3.3. Acausalidade e Imprevisibilidade (Incerteza)

Outro conceito selecionado a partir dos excertos de Koellreutter foi a noção de imprevisibilidade (ou incerteza), que também está associada à acausalidade. O maestro alemão, a partir da observação e composição de propostas musicais que empregavam a aleatoriedade musical, a imprecisão das notações gráficas, improvisação e as inúmeras possibilidades de leitura de uma mesma partitura – como uma obra aberta –, se aproximava,

de uma forma análoga, a alguns princípios da Física, como por exemplo, o Princípio da Incerteza do físico teórico alemão Werner Heisenberg (1901-1976).

Este Princípio estabeleceu ser “impossível determinar a posição e o momentum (quantidade de movimento) de uma partícula elementar85 ao mesmo tempo, desde que o esforço para determinar um dos dois alteraria o outro de maneiras imprevisíveis” (HAVEN, 2008, p. 220). Esta descoberta atribuiu a Heisenberg o Prêmio Nobel de Física de 1932, causando um grande impacto na ciência, pois, a partir de sua teoria, o ato de medir e observar o mundo precisamente, ou mesmo completamente, havia sido reduzido. Os conceitos de causa e efeito também foram questionados como parte de uma estrutura científica incontestável e determinista, já que “a um nível elementar de partículas, toda causa tinha apenas uma probabilidade fixa de criar um efeito antecipado” (Idem, Ibidem).

O físico John Polkinghorne define o Princípio da Incerteza como

fato de que, na teoria quântica, os observáveis podem ser agrupados em pares (como posição e momentum, tempo e energia), de modo que dois membros do par não podem ser medidos simultaneamente com precisão exata. A escala do limite de exatidão simultânea é determinada pela constante de Planck86 (2012, p. 114).

Assim, “há uma negociação inescapável entre a crescente exatidão da mensuração de posição e a decrescente precisão de conhecimento sobre o momentum” (POLKINGHORNE, 2012, p. 47). Em outras palavras, mais coloquiais, o autor afirma que “pode-se saber onde o elétron está, mas não o que ele está fazendo; ou pode-se saber o que está fazendo sem saber onde ele está” (Idem, ibidem).

De acordo com Polkinghorne, este conhecimento parcial ou semiconhecimento é uma característica quântica, pois

Os observáveis vêm em pares que epistemologicamente se excluem. Um exemplo desse comportamento encontrado no cotidiano pode ser dado em termos musicais. Não é possível atribuir um instante preciso a quando uma nota foi tocada e saber

85 Ou seja, um elétron.

86 A constante de Planck recebe este nome por ser uma homenagem ao físico Max Planck, um dos precursores

daàMe i aàQu ti a,àeà à ep ese tadaàpelaàlet aà h ,àse doàu aàdasà o sta tesàfu da e taisàdaàfísi a,à ueà descreve o tamanho dos quanta (quantidade elementar).

precisamente qual foi seu tom. Isso ocorre porque a determinação do tom de uma nota requer a análise da frequência do som, e isso exige escutar uma nota por um período que dura diversas oscilações antes de ser possível fazer uma estimativa exata. É a natureza ondulatória do som que impõe esta restrição e, se as questões de mensuração da teoria quântica forem discutidas do ponto de vista da mecânica ondulatória, considerações exatamente semelhantes levam de volta ao princípio da incerteza (POLKINGHORNE, 2012, p. 47).

Mediante a aplicação deste princípio a características elementares sonoras, considerar a possibilidade de uma aproximação analógica em termos composicionais e estéticos torna-se ainda mais palpável. Desta forma, Koellreutter propôs que, diversas composições que envolviam características como a aleatoriedade, uma notação gráfica imprecisa e inúmeras possibilidades de leitura de uma partitura, seriam condizentes com este pensamento de Heisenberg.

O maestro cita diversos exemplos, em seus escritos, de composições que se enquadram nesta proposta, entre eles, a peça Styx (1968), para instrumentação variável, do compositor búlgaro Anestis Logothetis, que, de acordo com o regente, seria um exemplo de música aleatória (KOELLREUTTER, 1990, p. 13; 21).

Figura 11: Partitura de Styx (1968) – Anestis Logothetis

Koellreutter também destaca o desaparecimento de uma direcionalidade de grafia e leitura, isto é, nem o intérprete e nem mesmo o compositor estabelece uma direção ou forma de ler a peça. As partituras inseridas nesta visão musical propõem uma quebra neste sistema linear de início, meio e fim, fazendo uma referência aos questionamentos da física sobre a temporalidade e, consequentemente, sobre as noções de passado, presente e futuro. A proposta de quebra de uma linearidade está diretamente relacionada ao desenvolvimento musical, pois, se este fluxo sonoro é acausal, o desenvolvimento, consequentemente, será imprevisível ou incerto. O desaparecimento da direcionalidade também pode ser descrito ou encarado, a partir de outra reflexão, como a possibilidade de uma multidirecionalidade, pois, com a inexistência de um caminho previamente traçado a ser seguido, múltiplas direções

afloram. Desta forma, a percepção temporal da peça se torna mais livre e subjetiva, tanto para o performer quanto para o ouvinte, contrapondo o sistema de causa e efeito, ação e reação, ou, se preferirmos, pergunta e resposta, na música.

O teórico alemão ainda define o conceito de aleatoriedade como “dependente de fatores incertos, sujeitos ao acaso. Estruturação musical de caráter estatístico” (KOELLREUTTER, 1990, p. 13), ou seja, o que ocorre é a ausência de uma lógica causal que evita o previsível ou o pressentido. Como se pode notar, também o termo acausalidade é compartilhado em ambas as perspectivas, sendo parte integrante desta proposta de imprevisibilidade (ou incerteza).

Eufrásio Prates, também destaca alguns compositores do século XX que trabalharam com a imprevisibilidade, entre estes, Pierre Boulez, em suas obras serialistas da

década de cinquenta, baseadas em matrizes numéricas rigorosas, como Structures I (1951), as de Iannis Xenakis como Metastasis (1953-1954), desenvolvida sob os conceitos de estocástica, acaso e probabilidade (WEID, 1997: p. 273) e Music of Changes (1951) de John Cage, composta a partir de jogo aleatório do I-Ching (idem: p. 236) (PRATES, 2012, p. 29).