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2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.3 Valor Justo: algumas reflexões a respeito da polêmica com a crise financeira

2.3.4 Aceitação do Valor Justo como base de valor na contabilidade

Muito se tem discutido a respeito do Valor Justo na contabilidade. Se, por um lado, os críticos são rigorosos em afirmar que a contabilidade a Valor Justo distorce a interpretação das informações contábeis, de outro, os defensores entendem que outras bases de mensuração são tão ou mais discutíveis, e uma parcela de defensores mais fervorosos acredita que o Valor Justo é a melhor base de mensuração disponível atualmente. Mas, o que determina se uma base

será ou não utilizada na contabilidade é mais a aceitação dos usuários, reguladores, preparadores e auditores do que a academia científica. E, nesse ponto, o Valor Justo parece estar em vantagem, não só no que diz respeito aos standard-setters, mas também aos demais atores desse processo. Cortese-Danile, Mautz e McCarthy (2010) afirmam que o Valor Justo foi e continua sendo muito credível para os defensores do Valor Justo, que acreditam que utilizar outra base de mensuração seria esconder ou adiar o reconhecimento do declínio do valor. Outros estudos seguem na mesma linha, inclusive lastreados por evidências empíricas.

Ighian (2011) elaborou um estudo no qual evidencia a opinião de 112 auditores financeiros da Romênia a respeito da contabilidade a Valor Justo. Os resultados contrariam as expectativas do autor, que imaginava haver resistência por parte dos auditores, tendo em vista que balanços mensurados a Valor Justo poderiam aumentar o risco de auditoria, em sua avaliação. Cerca de metade dos respondentes acreditam que não há problema no fato de que a maior parte das empresas divulga relatórios financeiros com base no custo histórico, mas a outra metade dos auditores considera que isso é inadequado, pois não reflete preços correntes à data da preparação das demonstrações contábeis. A maioria esmagadora dos respondentes acredita que a reavaliação de ativos (com base no Valor Justo) é altamente recomendada, mas que deve ser realizada por avaliador externo, para garantir independência na mensuração. Além disso, 41% dos auditores financeiros estenderiam a mensuração a Valor Justo para todos os elementos patrimoniais e outros 32% creem que isso não é aplicável, mas não por causa de uma inadequação do Valor Justo como base de valor e sim pelos desafios técnicos de mensuração.

O estudo de Muller, Riedl e Sellhorn (2011) evidencia, a partir de uma amostra de 178 firmas do setor imobiliário de diversos países, que a mensuração obrigatória de ativos do imobilizado ou mantidos para investimento a Valor Justo reduz a assimetria de informação, apesar de não eliminar totalmente (pelo menos no curto prazo, três anos após a adoção da IFRS). Além disso, as empresas que não haviam mensurado esses ativos a Valor Justo antes da norma apresentam maior assimetria de informação do que aquelas que já mensuravam a Valor Justo. Nesse sentido, a contabilidade a Valor Justo torna-se uma ferramenta valiosa para a Governança Corporativa, apesar de que existe ainda certa insegurança de uma parcela dos participantes do mercado, notadamente aqueles externos às companhias.

Uma possível solução para a insegurança de parte dos usuários, bem como da própria comunidade acadêmica, talvez seja manter dois registros simultâneos, um a custo histórico e outro a Valor Justo. De acordo com a pesquisa de Ighian (2011), a utilização do custo histórico para calcular o resultado a ser distribuído, sendo cauteloso, e o Valor Justo para calcular o resultado global é suportado pela grande maioria dos auditores da Romênia (62%), pois, fazendo isso, o resultado “virtual” criado através do registro dos ganhos latentes e perdas resultantes de uma avaliação do Valor Justo não serão distribuídos, evitando uma descapitalização da empresa. Percebe-se, a partir dos resultados dessa pesquisa, que os auditores se mostram entusiasmados com os benefícios do Valor Justo na contabilidade, mas ao mesmo tempo estão receosos de abrir mão da confiança na verificabilidade dos valores registrados ao custo histórico.

Isso indica que a aceitação do Valor Justo enfrenta também a resistência do “apego” ao custo histórico, o que seria de esperar, tendo em vista que essa base de mensuração foi amplamente aceita por longo período de tempo na contabilidade. De acordo com Iudícibus e Martins (2007), a introdução do Valor Justo representa, sem dúvida, significativo avanço nas práticas contábeis. Entretanto, a fim de não provocar reações exacerbadas, seria interessante tornar mais objetiva sua mensuração e introduzi-lo nas demonstrações contábeis em quadros suplementares, ou ainda em notas explicativas, pelo menos até que a prática se consolide. Aliás, talvez um bom modelo fosse esse: demonstrações com objetivos diferentes calcadas em avaliações diferentes. Essa formatação poderia permitir inclusive uma avaliação multicolunar: elementos de balanço e de resultado a valores originais (históricos), a valores de reposição e a valores de mercado (ajustados ou não pela inflação, conforme a relevância da influência da mutação do poder aquisitivo da moeda).

Poder-se-ia sugerir também outras alternativas, como tratar de lucro a distribuir em um quadro suplementar, no qual se fariam ajustes para evitar que a parcela do resultado relativo ao Valor Justo seja distribuído antes de efetivado, tal como ocorre com a contabilidade societária e a contabilidade fiscal, no Brasil. Claro que isso seria algo bastante trabalhoso, ainda mais se todos os elementos do patrimônio estiverem mensurados a Valor Justo. Preparar dois conjuntos de registros contabilísticos, um baseado no custo histórico e o outro com base no Valor Justo, é solução nem sempre adequada em termos do custo/benefício (IGHIAN, 2011). Mas, isso poderia ser uma medida transitória, aplicável até que o resultado obtido com base na aplicação

integral do Valor Justo se mostrasse, pela experiência, tão confiável que justificasse ser a única base de mensuração, como apontado por Iudícibus e Martins (2007).

No entanto, apesar da aparente resistência em abandonar o custo histórico, o Valor Justo tem ganhado cada vez mais aceitação. Market- based-values são, quase por definição, bases de referência de valor não gerenciáveis e isso é consistente com os padrões iniciais na hierarquia de qualidade das evidências de auditoria, que é dar prioridade a fontes de evidência independentes tanto do auditado quanto do auditor. Assim, um aspecto importante do conceito de “Valor Justo” é estabelecer distância da visão da entidade em relação a valor e buscar confiabilidade, na medida do possível, no julgamento coletivo do mercado (POWER, 2010).

Mensuração a partir do Mark-to-market pode ser considerado o melhor método em um mercado eficiente, pois os preços das ações correspondem bem a sua capacidade de gerar ganhos. Inversamente, em períodos de crise, o preço de mercado não consegue prover uma mensuração exata do valor porque o mercado está sujeito a mal funcionamento em algumas situações (AROURI et al., 2012). Nesses casos, não é o Valor Justo que deixa de ser uma base de mensuração confiável, mas a metodologia utilizada para avaliação do Valor Justo é que merece ser revista, ou seja, dever-se-ia criar regras relativas a instrumentos financeiros, por exemplo, em situação de mercado inativo ou instável (LAUX; LEUZ, 2009).

Então, não há motivos para não se avançar nos estudos acerca do Valor Justo, pois a despeito da desconfiança que se formou a partir dos efeitos da crise financeira 2007-2009, não há evidências sólidas que apontem o Valor Justo como catalisador da crise e alguns estudos empíricos evidenciam que o efeito do Valor Justo foi o contrário do que os críticos alegam. Portanto, apesar de não haver provas suficientes ainda de que o Valor Justo é a melhor base de mensuração, ou a mais adequada, existe um movimento de aceitação mútua, que está proporcionando relevância e confiabilidade ao Valor Justo como base de mensuração na contabilidade.