• Nenhum resultado encontrado

5.3 OS PRINCIPAIS EMBATES NO LEGISLATIVO

5.3.2 Acesso aos recursos genéticos: indefinições

A Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), segundo explica Araújo, “[...] é o resultado do reconhecimento mundial de que os recursos biológicos do planeta são fundamentais para as gerações presentes e futuras [...]” (2002, p. 89). A convenção assegura aos países detentores de recursos genéticos soberania sobre o seu patrimônio, e identifica o conhecimento tradicional como elemento essencial nas estratégias para a conservação da biodiversidade.

Logo depois da entrada da CDB em vigor no país, a então Senadora Marina Silva apresenta projeto de lei pretendendo tratar em nível de legislação interna os temas regulados pela convenção. De forma consoante com a convenção, a proposta aborda aspectos novos e complexos do acesso aos recursos genéticos e ao conhecimento tradicional associado, bem como das diferentes formas de repartição de benefícios associadas a esse acesso. A complexidade associada a esse tema fica clara quando se verifica a pauta das várias reuniões das conferências das partes da convenção que ocorreram desde a Rio-92, a última delas no Brasil.

Em agosto de 1998, o Poder Executivo encaminha ao Congresso Nacional duas proposições sobre o assunto: um projeto de lei com a mesma finalidade da iniciativa que tramitava no Senado, ou seja, regulando a questão de uma forma abrangente, e uma proposta de emenda à Constituição definindo o patrimônio genético como um bem da União. A própria mensagem que acompanha o projeto de lei reconhece que o seu conteúdo é baseado no texto em trâmite de autoria da Senadora Marina Silva. Sobre a alteração no texto de nossa Carta Política, expressou-se assim o Poder Executivo:

O Governo entende que a melhor opção para o Brasil é declarar o Patrimônio Genético como bem da União, porque somente este tratamento permitirá adequado controle sobre o acesso aos recursos genéticos e sobre a repartição dos benefícios oriundos de sua utilização, [...].

A aprovação dessa emenda constitucional dará ao Estado brasileiro o necessário amparo para tratar, de forma ampla e uniforme, de todos os recursos genéticos existentes no território nacional e nas demais áreas sob sua jurisdição [...] (BRASIL, 1998).

O projeto do Poder Executivo é retirado de tramitação por solicitação do autor em agosto de 2000, quando já estava em vigor a MP nº 2.052. Essa medida provisória foi adotada sob críticas dos grupos que vinham acompanhando o processo em trâmite no Legislativo, sobretudo as organizações não-governamentais socioambientalistas, a exemplo dos comentários de Araújo já apresentados no item 3.3 (2002, p. 91).

A justificativa oficial para o ato apresentada pelo Poder Executivo foi a de que a falta de normas legais que regulamentassem a bioprospecção impedia a incorporação plena no país dos preceitos da CDB. Na prática, a urgência da medida configurava reação a acordo firmado entre a organização social brasileira Biomazônia e empresa suiça Novartis Pharma AG, sem intermediação dos órgãos da administração direta do Governo federal. Mary Allegretti, então secretária da Coordenação da Amazônia do MMA, classificou o polêmico acordo, que acabou sendo suspenso, como uma biopirataria legalizada (2000, apud SATO, 2000, p. A21).

No final de 1998, a proposta Marina Silva havia sido votada pelo Senado Federal e remetida à Câmara dos Deputados, onde, juntamente com seus apensos, permanecia sem perspectiva de votação à época da primeira edição da medida provisória, situação que se mantém até dezembro de 2007. A matéria é atualmente regulada pela MP nº 2.186-16, de 2001.

Desde o início da gestão Marina Silva no MMA, vem-se trabalhando em anteprojeto de lei para substituição dessa medida provisória. Em reunião da CPI da Biopirataria da Câmara dos Deputados (CPIBIOPI) realizada em 9 de março de 2005, o representante do MMA comunicou que o texto estava pronto e já sob análise da Casa Civil, para envio ao Congresso Nacional (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2005a, p. 10). Até agora, o envio não foi efetivado.

Permanece sem votação no Legislativo a proposta de emenda à Constituição que pretende inserir o patrimônio genético entre os bens da União. Não se vislumbram motivos consistentes para o Poder Executivo não ter retirado de tramitação também essa proposta de emenda à Constituição, principalmente no atual governo. Os representantes de organizações socioambientalistas, fortemente ligados à atual Ministra, posicionaram-se claramente contra essa alteração de nossa Carta Magna nas reuniões ocorridas na Câmara para debate da proposição legislativa, todas submetidas ao processo de codificação nesta pesquisa. A proposta, inclusive, apresenta certo grau de conflito com o regime sui generis assegurado pela CDB, ao tratar as informações associadas aos recursos genéticos como um bem patrimonial da União. Esse regime especial não parece se coadunar com a divisão convencional entre bens públicos e privados.

Nos processos relacionados a esse assunto, evidenciam-se dois tipos de postura: de um lado, os atores não-governamentais e governamentais que priorizam os direitos dos detentores do conhecimento tradicional associado e, de outro, os atores governamentais que, sem necessariamente desconsiderar esses direitos, focam sua atenção na necessidade de se

centralizar na União o controle sobre as atividades de acesso aos recursos genéticos e de repartição dos benefícios. Além disso, nas audiências públicas submetidas à codificação neste trabalho, surgem instituições públicas e privadas que atuam em ciência e tecnologia, demandando regras que não obstaculizem a pesquisa nesse campo.

O controle, hoje, está concentrado na União, mais especificamente no Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGEN). Cabe a esse órgão colegiado a elaboração de normas importantes sobre o tema. Cumpre dizer que esse conselho é composto apenas de representantes de entidades governamentais. Os representantes da sociedade civil atuam apenas como convidados.

Um aspecto que deve ser levantado sobre esse assunto é que as dificuldades associadas à matéria também estão presentes nas negociações internacionais para implementação concreta da CDB. Estudo interessante, que foge dos objetivos desta pesquisa, seria a análise das interfaces entre os subsistemas nacional e internacional nesse campo, aos moldes do que foi feito por Sewell para as mudanças climáticas (2005, 2006). Outro aspecto a ser comentado é que a relação das normas federais que regulam o tema com as leis de alguns estados que vêm sendo editadas permanece uma incógnita jurídica e política. Não se sabe até que ponto cabe legislação estadual sobre o acesso aos recursos genéticos e ao conhecimento tradicional associado.

Documentos relacionados