1. Acolhimento institucional de crianças e adolescentes: realidade em movimento
1.4 O acolhimento no Sistema Único de Saúde
“Acolhimento” na área da saúde diz respeito a uma tecnologia leve, traduzida numa prática relacional entre a equipe de saúde e o usuário, que busca conferir maior qualidade no acesso aos serviços. A partir do ano de 2003, o “acolhimento” se tornou uma diretriz da Política Nacional de Humanização do SUS, ou HumanizaSUS, embora a revisão da literatura sobre o tema mostre que o acolhimento como diretriz operacional passou a ser implantado na década de 1990, em alguns municípios brasileiros que buscavam implementar mudanças técnico-assistenciais como base no modelo “em defesa da vida”. (SOUZA et al., 2008).
Segundo Franco et al. (1999, apud Souza et al., 2008):
[...] o acolhimento propõe inverter a lógica de organização e o funcionamento do serviço de saúde, partindo de três princípios: (a) atender a todas as pessoas que buscam o serviço de saúde, garantindo a acessibilidade universal,; (b) reorganizar o processo de trabalho, deslocando seu eixo central do médico para uma equipe multiprofissional; (c) qualificar a relação trabalhador-usuário a partir de parâmetros humanitários de solidariedade e de cidadania.
Mais recentemente, um outro emprego do termo é utilizado pelo Ministério da Saúde, quando, por meio da Portaria/GM nº 3.088, de 23 de dezembro de 2011, institui a Rede de Atenção Psicossocial para pessoas com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, no âmbito do SUS – a RAPS. Um dos elementos constitutivos da RAPS, que integra o componente da “atenção residencial de caráter transitório” é a Unidade de Acolhimento - UA, a qual admite duas modalidades: adulto e infanto-juvenil, esta voltada para o acolhimento de crianças e adolescentes de 10 a 18 anos. Em que pese a Portaria considerar o Estatuto da Criança e do Adolescente, entendemos que não se trata da medida protetiva de acolhimento institucional prevista no art. 101, inciso VII, operacionalizada pelo SUAS. Neste sentido a Unidade de Acolhimento para crianças e adolescentes do SUS integraria um “programa oficial de auxílio, orientação e tratamento à alcoólatras e toxicômanos”, referido no art. 101, inciso VI, do ECA.
As Unidades de Acolhimento para crianças e adolescentes do SUS são disciplinadas pela Portaria nº 121, de 25 de janeiro de 2012, do Ministério da Saúde, segundo a qual as UA’s foram instituídas levando-se em consideração a necessidade de intensificar, ampliar e diversificar as ações orientadas para prevenção, promoção da saúde, tratamento e redução dos riscos e danos associados ao consumo de substâncias psicoativas.
As UA’s possuem funcionamento ininterrupto e caráter residencial transitório. Objetivam ofertar acolhimento voluntário a usuários de drogas, em situação de vulnerabilidade social e, ou familiar que demandem acompanhamento terapêutico e protetivo, e deverão articular intersetorialmente os direitos de moradia, educação, convivência familiar e
social. A decisão do acolhimento cabe ao CAPS de referência, que é o responsável pela elaboração do projeto terapêutico singular de cada usuário.
Cada UA infanto-juvenil disponibilizará 10 vagas e o tempo de permanência é limitado a 6 meses.
Quadro 1 – Componentes da Rede de Atenção Psicossocial - RAPSpara pessoas com
sofrimento ou transtorno mental e, ou com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas
ATENÇÃO BÁSICA EM SAÚDE
Unidade Básica de Saúde
Núcleo de Apoio à Saúde da Família Consultório na Rua
Apoio aos serviços do componente da Atenção Residencial de Caráter Transitório
Centros de Convivência e Cultura ATENÇÃO PSICOSSOCIAL
ESTRATÉGICA
Centros de Atenção Psicossocial, nas suas diferentes modalidades
ATENÇÃO DE URGÊNCIA E EMERGÊNCIA
SAMU 192
Sala de Estabilização
UPA 24 horas e portas hospitalares de atenção à urgência / pronto-socorro, Unidades Básicas de Saúde
ATENÇÃO RESIDENCIAL DE CARÁTER TRANSITÓRIO
Unidades de Acolhimento
Serviço de Atenção em Regime Residencial
ATENÇÃO HOSPITALAR
Enfermaria especializada em Hospital Geral Serviço Hospitalar de Referência para Atenção às
pessoas com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas
ESTRATÉGIAS DE DESINSTITUCIONALIZAÇÃO
Serviços Residenciais Terapêuticos Programa de Volta para Casa ESTRATÉGIAS DE REABILITAÇÃO
PSICOSSOCIAL
Iniciativas de geração de trabalho e renda
Empreendimentos solidários e cooperativas sociais
Fonte: DAPES/SAS/MS – Nov. 2014
O acolhimento na UA infanto-juvenil coloca-se, então, como um plus, nos casos em que a situação de vulnerabilidade sociofamiliar do usuário assim o requeira, para sustentabilidade do acompanhamento terapêutico, detalhado no Projeto Terapêutico Singular:
O Projeto Terapêutico Singular será formuladono âmbito do Centro de Atenção Psicossocial com a participaçãoda Unidade de Acolhimento, devendo-se observar as seguintesorientações:I - acolhimento humanizado, com estímulo à grupalização
esocialização, por meio de atividades terapêuticas e coletivas;II - desenvolvimento de ações que garantam a integridadefísica e mental, considerando o contexto social e familiar;III - desenvolvimento de intervenções que favoreçam a adesãoao tratamento, visando à interrupção ou redução do uso de crack,álcool e outras drogas;IV - acompanhamento psicossocial ao usuário e à respectivafamília;V - atendimento psicoterápico e de orientação, entre outros,de acordo com o Projeto Terapêutico Singular;VI - atendimento em grupos, tais como psicoterapia, grupooperativo, atividades de suporte social, assembleias, grupos de reduçãode danos, entre outros;VII - oficinas terapêuticas;VIII - atendimento e atividades sociofamiliares e comunitárias;IX - promoção de atividades de reinserção social;X - articulação com a Rede intersetorial, especialmente coma assistência social, educação, justiça e direitos humanos, com oobjetivo de possibilitar ações que visem à reinserção social, familiare laboral, como preparação para a saída;XI - articulação com programas culturais, educacionais eprofissionalizantes, de moradia e de geração de trabalho e renda; eXII - saída programada e voltada à completa reinserção dousuário, de acordo com suas necessidades, com ações articuladas edirecionadas à moradia, ao suporte familiar, à inclusão na escola e àgeração de trabalho e renda. (BRASIL, MINISTÉRIO DA SAÚDE. PORTARIA Nº 121, DE 25 DE JANEIRO DE 2012, ART. 12)
Vale ressaltar, finalmente, que o Distrito Federal possui dois CAPS ad i, voltados para crianças e adolescentes com uso nocivo (abuso/dependência) de álcool ou outras drogas. Os dois Centros chegaram a instalar Unidades de Acolhimento, em Brasília e em Taguatinga, mas ambas foram desativadas antes mesmo de serem inauguradas.
2. PARADIGMAS NORTEADORES DAS ABORDAGENS AO USO INDEVIDO DE