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F acredita que P representa uma situação real – regra essencial.

Como já afirmamos, é a partir do estabelecimento de condições para atos específicos que Searle depreende as regras já citadas. É interessante salientar, ainda, que em alguns atos as regras de conteúdo proposicional e as regras de sinceridade não são tomadas em consideração. É o caso, por exemplo, dos atos de cumprimentar e despedir-se que ao serem

realizados por expressões do tipo olá, oi, até mais, thau, não expressam uma proposição propriamente dita e nem dependem da sinceridade do falante .

Outra observação reside sobre a constatação da relevância da regra essencial sobre as demais. Tal relevância repousa no fato de que a regra essencial é a principal responsável pelo estabelecimento das distinções que nos levam a considerar que este ou aquele é um tipo de ato ilocucionário diferente.

A partir do paradigma estabelecido pelos exemplos observados, pretendemos construir, no final deste capítulo, a estrutura do ato de depor, especificando, a partir das regras propostas por Searle, o conjunto de condições necessárias para a realização de tal ato. Este empreendimento em muito nos será útil quando por ocasião da descrição dos depoimentos.

Gostaríamos de salientar, ainda, que nosso objetivo, ao trabalharmos com a teoria dos atos de fala, está em dar conta da operacionalização de uma análise que pretenda ver o gênero enquanto uma ação verbal, portanto estamos procurando centrar nossa atenção em conceitos básicos desta teoria, deixando à margem o tratamento de questões polêmicas.

Dando, pois continuidade a este objetivo passaremos ao tratamento do conceito de macro-ato de fala desenvolvido por Van Dijk (1992) que será, à frente, relacionado com o conceito de repertório de ações desenvolvido por Bazerman (1994).

A noção de macro-ato de fala surge na teoria de Van Dijk a partir de três considerações. A primeira, de que nós utilizamos expressões ou sequências de frases que, muitas vezes, isoladamente, consistem em diferentes atos, mas que consideradas como uma totalidade passam a ter o efeito de um único ato; um comando, um pedido, uma declaração, etc. A segunda consideração está baseada na hipótese de que o planejamento, a execução e a interpretação das ações, a exemplo do processamento de informações complexas, requer a formação de macro-estruturas. A terceira, consiste no reconhecimento de que muitos tipos de discursos são reconhecidos como atos de fala globais.

Van Dijk constrói, ainda, seu conceito de macro-ato, partindo do conceito de macro- ação que corresponde a um complexo de ações articuladas em uma estrutura hierárquica. É importante salientar, ainda, que, compondo esta estrutura hierárquica, existem aquelas ações que são consideradas como necessárias, aquelas consideradas como opcionais, mas prováveis e aquelas consideradas como opcionais, mas improváveis. O autor afirma, ainda,

que a existência da macro-ação implica, muitas vezes, que as ações ocorram em uma ordem determinada.

De forma similar, Van Dijk postula que sequências de atos de fala requerem um planejamento e uma interpretação globais; ou seja, sequências de atos de fala podem funcionar como um único ato global; um macro-ato de fala. No entanto fica a indagação: sob que condições uma sequência de atos de fala pode ser tomada como um ato de fala global ?

Para responder a esta questão, Van Dijk propõe que apliquemos aos atos de fala as mesmas regras de apagamento aplicadas à redução de informação semântica. Isto significaria apagar os atos de fala auxiliares e preparatórios, assim como expressões de estado mental, descrições do contexto e, ainda, os atos de fala responsáveis pela abertura, manutenção e fechamento da interação.

Devemos salientar que as estratégias de apagamento propostas por Van Dijk fazem parte de uma teoria cognitiva e que, portanto, tem um interesse primordial na estrutura abstrata subjacente aos discursos com vistas à melhor percepção dos processos de produção, compreensão e estocagem do discurso. Esse, porém, não é o nosso interesse. Portanto, consideramos que, na análise das interações reais, e, particularmente, na análise dos depoimentos proferidos por alcoólicos anônimos, a descrição de atos tais como cumprimentos, agradecimentos, atos de referência e pedidos que são realizados nas aberturas e fechamentos dos depoimentos é de fundamental importância para compreendermos a relação entre a organização retórica do gênero e a realização dos propósitos comunicativos da comunidade discursiva.

Um outro aspecto importante discutido por Van Dijk e que estabelece um ponto de contato entre os atos de fala e a análise de gêneros, é a sua afirmação de que os falantes conseguem distinguir tipos de discursos porque conseguem reconhecer nestes discursos a realização de macro-atos de fala. Por outro lado, o reconhecimento da relevância de informações e atos individuais que compõem a totalidade do discurso depende do propósito comunicativo global que regula a interação e, acrescentaríamos, do gênero no qual tais propósitos se realizam.

O autor apresenta, como exemplo, o contraste entre descrições em uma história cotidiana e um panfleto turístico. Na história, a descrição da paisagem na qual ocorreu um fato é muito menos importante do que o fato em si, porém em um panfleto turístico, tal

descrição é muito mais importante do que quaisquer fatos relacionados a indivíduos que por ali passaram.

Bazerman (1994) nos diz que um texto composto por vários atos de fala, somente pode ser reconhecido como um único ato de fala se for identificado com um gênero, posto que isto o eleva ao status de um tipo singular de ação social. Para o autor, os micro-atos de fala somente ganham significação quando considerados como parte do macro-ato; por outro lado, o insucesso de qualquer um desses micro-atos pode prejudicar o ato global.

Se tomarmos o exemplo dos depoimentos de alcoólicos anônimos, podemos afirmar que um depoimento sem a declaração inicial da condição de alcoólico feita pelo depoente colocaria em risco o reconhecimento e a aceitação do depoimento por parte dos interlocutores.

Tomando como parâmetro todas as questões levantadas neste item de nosso capítulo, consideramos que é válido reconhecer que, a exemplo da análise realizada por Bazerman que reconheceu o gênero requerimento de patente como um ato global de pedido, materializado na articulação de micro-atos tais como exposições, atos de referência, entre outros; o gênero depoimento realiza o ato global de depor descrito abaixo.

Dado que um locutor L pronuncia um enunciado E em um texto T na presença de um interlocutor I em um contexto C, então, na enunciação de E, L desempenha com sucesso e sem defeito o ato de depor se e somente se as seguintes condições forem satisfeitas:

1. As condições de input e output devem ser satisfeitas;

2. L deve apresentar proposições relacionadas a experiências vividas por ele, L;