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CAPÍTULO I EDUCAÇÃO CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA:

1.2 A ALFABETIZAÇÃO CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

1.2.2 ACT: postulações de Gerard Fourez

Neste item, apresentam-se substratos das concepções de Gerard Fourez (1997, 2003), licenciado em filosofia e matemática e doutor em física teórica. Os escritos desse autor apresentam confluências com as necessidades formativas do engenheiro e estão em consonância com a perspectiva crítica da educação sobre a qual se discorreu no capítulo II desta tese, bem como com as possibilidades pedagógicas acenadas por autores que discutem a educação na cibercultura abordadas no capítulo III.

Com base no entendimento de que há um consenso de que a inserção na sociedade contemporânea exige, cada vez mais, familiaridade com a ciência e a tecnologia, Fourez (1997) apresenta a expressão ACT como uma metáfora que alude à importância da alfabetização para ler e escrever no final do século XIX. Para esse autor, a expressão ACT designa um tipo de saber, de capacidade, de competência que, no mundo técnico-científico em que se vive, corresponde ao que foi a alfabetização no século passado, período em que a educação escolar tornou-se obrigatória e a leitura e a escrita foram tomadas como habilidades básicas e necessárias para a integração na sociedade industrializada.

A perspectiva da ACT é expressa por Fourez como combinação de valores humanistas, sociais, econômicos e políticos:

- Os objetivos humanistas visam à capacidade de se situar em um universo técnico-científico e de poder utilizar as ciências para decodificar o mundo, o qual se torna então menos misterioso (ou menos mistificador). Trata-se ao mesmo tempo de poder manter sua autonomia crítica na nossa sociedade e familiarizar-se com as grandes idéias (sic) provenientes das ciências. Resumindo,

que malefícios; e 14% , que Ciência e Tecnologia trazem tanto benefício como malefício. Outro aspecto relevante apontado por esta pesquisa é que 36% dos entrevistados não se interessam por ciência nem tecnologia por não entenderem e 19,5 % nunca pensaram sobre isso. Mais um resultado obtido foi que o meio mais usado para informações sobre CT é a TV, não aparecendo, igualmente, nos dados organizados, percentuais sobre informações obtidas na Web para esse fim.

trata-se de poder participar da cultura de seu tempo

- Os objetivos ligados ao social: diminuir as desigualdades pela falta de compreensão das tecnociências, ajudar as pessoas a se organizar e dar-lhes os meios para participar de debates democráticos que exigem conhecimentos e um senso crítico (pensamos na energia, na droga ou nos organismos geneticamente modificados). Em suma, o que está em jogo é uma certa autonomia na nossa sociedade técnico-científica e uma diminuição de desigualdades.

- os objetivos ligados ao econômico e ao político: participar da produção de nosso mundo industrializado e do reforço de nosso potencial tecnológico e econômico. A isto se acrescenta a promoção de vocações científicas e/ou tecnológicas, necessária à produção de riquezas (FOUREZ, 2003, p. 113-114, grifos meus). Em consonância com os objetivos expostos, o autor entende que um indivíduo estará alfabetizado científica e tecnologicamente quando: (i) possuir autonomia com relação ao conhecimento, tornando-se capaz de tomar decisões frente a uma situação-problema permeada por pressões naturais e sociais, de forma a adquirir certa independência de especialistas e ou de receitas prontas; (ii) desenvolver certa capacidade

de se comunicar (encontrar maneiras de dizer), abrindo possibilidades

de diálogo e debate sobre determinado assunto; e (iii) obter certo

domínio, uma vez que conhecimento implica em responsabilidade frente

a situações concretas.

Percebe-se, assim, que, na perspectiva de Fourez, estar alfabetizado científica e tecnologicamente, para além do domínio de conhecimentos, perpassa, essencialmente, pelo desenvolvimento de atitudes. Para o autor, a ACT deve fornecer ao indivíduo conhecimentos que permitam explorar e compreender o seu próprio mundo, com vistas tanto à integração na sociedade quanto à capacidade de implementar ações para transformá-la, o que significa, sobretudo, tomar consciência de que as teorias e os modelos científicos não serão bem compreendidos se não se souber por que, para que e para quem foram desenvolvidos.

Com esse entendimento, o autor defende que o que deve ser objeto da ACT não é, então, uma série de conhecimentos particulares precisos, mas um conjunto global que permita tanto a orientação como a

compreensão do mundo em que se vive. Entre as razões para fomentar a ACT, Fourez destaca, especialmente, as razões mais humanistas, que são aquelas que se referem à autonomia do indivíduo e às suas possibilidades de se comunicar, bem como às razões econômicas, relacionadas à formação de engenheiros e de mão de obra qualificada.

A preocupação com a formação do engenheiro foi o que atraiu, inicialmente, para os escritos de Fourez. Além disso, entende-se que tanto a perspectiva da ACT postulada por esse autor – expressa pela combinação de valores humanos, sociais, econômicos e políticos –, quanto sua defesa do desenvolvimento de atitudes (autonomia, comunicação e domínio), apresentam confluências com as necessidades formativas dos engenheiros.

Destaca-se, ainda dos escritos desse autor, sua preocupação com a concepção que os professores e os alunos têm de tecnologia. Fourez chama a atenção para o fato de que a maioria dos professores entende as tecnologias como aplicações das ciências e preconiza a necessidade do desenvolvimento de estratégias de ensino-aprendizagem que conduzam à percepção de que a construção de uma tecnologia implica em considerações sociais, econômicas e culturais, ou seja, muito além de uma aplicação das ciências.

Fourez defende que os alunos deveriam compreender o funcionamento dos aparatos tecnológicos e as implicações sociais da tecnologia. Dessa forma, poderiam desenvolver habilidades para negociar com os produtos científico-tecnológicos que estão à sua volta e teriam condições de entender, entre outros aspectos, as relações de poder que se estabelecem a respeito de seu uso.

Outro ponto relevante dos escritos de Fourez (2003), no âmbito desta tese, refere-se à distinção entre ACT individual e coletiva. O autor argumenta que tal distinção se faz importante quando se questiona quem se quer capacitar para o mundo científico-tecnológico: o indivíduo ou o grupo/a coletividade?

Diante dessa indagação, enfatiza-se a compreensão do autor de que a realidade não é confrontada só na individualidade, “mas também em grupo, em comunidade humana, em sociedade organizada” (FOUREZ, 2003, p. 5-14). Para esse estudioso,

[...] o sujeito da alfabetização científica não é mais o indivíduo, mas o grupo [...] Se a escola se preocupasse mais com a alfabetização dos indivíduos e dos grupos, ela trataria de proporcionar aos alunos a experiência de ter

participado de uma coletividade praticando o debate. (FOUREZ, 2003, 5 e 6/14, tradução e grifo meus).

Como já colocado Fourez sinaliza uma preocupação com o que designa de polarização entre duas atitudes educativas: a que promove a formação do indivíduo e reforça o seu poder e a que visa fortificar a cultura cidadã de coletividades. Para o autor, ambas as atitudes são indissociáveis, mas a percepção de tal polarização pode conduzir ao questionamento da frequência com que um ensinamento tem sido “pensado com o objetivo de criar uma cultura de grupo que capacite uma coletividade para deliberar mecanismos sociais e políticos de decisões científicas e técnicas (ou outros tipos de decisão que implicam ciências ou tecnologias)” (FOUREZ, 2003, p. 6-14).

Do exposto até aqui, reforça-se que se buscaram as contribuições de Fourez no âmbito desta tese, primeiro, porque esse autor demonstra preocupação com a formação de profissionais tanto da área científica como tecnológica. Nesse contexto, como já mencionado, merece destaque à sua preocupação no sentido de que professores e alunos entendam que a “tecnologia” é um constructo social e, portanto, não se restringe à aplicação de conhecimentos científicos.

Do mesmo modo, também merece destaque a compreensão que Fourez possui de ACT, a qual perpassa, entre outros aspectos aqui pontuados, pelo desenvolvimento de atitudes, um importante elemento a ser contemplado quando é almejada uma formação crítica para alunos de engenharia, cuja profissão possui reconhecido poder de decisão sobre questões científicas e tecnológicas na sociedade contemporânea. Fourez, para além de elucidar a importância do desenvolvimento de atitudes na ECT, traz as primeiras pistas a respeito de quais deverão ser as atitudes trabalhadas ou potencializadas, a saber: autonomia, domínio/responsabilidade e capacidade de se comunicar.

Compreendem-se tais atitudes como extremamente relevantes para o contexto da engenharia e para o cenário atual da sociedade contemporânea, para a qual as Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação (TDIC) trouxeram dimensões jamais vistas no que concerne à comunicação, ao acesso e ao tratamento de informações. No capítulo III desta tese, pontuam-se desafios apontados por autores que discutem a Educação na Cibercultura e que sinalizam potencialidades dos espaços sociais da Web 2.0 para que esses possam se constituir como espaços de transformações desejadas na Educação. É nesse

contexto que se vê a relevância da ACT individual e coletiva sinalizada por Fourez (2003).

1.3 SÍNTESE DAS CONTRIBUIÇÕES DO MOVIMENTO CTS E DA