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2.5. Os Actos de Fala na comunicação verbal

As pessoas comunicam-se verbalmente. Na maior parte das vezes são entendidas pelo receptor ou pelo interlocutor, outras vezes não. Dizem coisas que não gostariam de dizer, fazem afirmações, perguntas, pedem desculpas, relacionam o mundo com o que dizem, caracterizam as declarações dos outros como verdadeiras ou falsas, exageradas.

Comunicar verbalmente implica veicular uma intencionalidade comunicativa. Que se quererá dizer quando se expressa Está calor aqui dentro! ou Que corrente de

ar!? Há alguma intencionalidade com esta afirmação e como foi feita? Regeu-se por

alguma regra?

O linguista Jonhn Searle (1981:26, 28) diz que «toda a comunicação linguística envolve actos linguísticos.» e define linguagem como um «comportamento intencional regido por regras […]». Acrescenta que «falar uma língua é executar actos de fala, actos como; fazer afirmações, dar ordens, fazer perguntas, fazer promessas, etc. […]» e que «a comunicação implica necessariamente os actos de fala.».

Acto de fala (ou acto linguístico ou acto de linguagem) pode ser definido como a produção de um enunciado sob certas condições (1981:26). Entende-se, então, a produção de um enunciado com significação para realizar uma acção, atendendo a condições como a intencionalidade desse acto de fala – comportamento intencional, o local da comunicação, o interlocutor… Como «um comportamento regido por regras» (1981:27), os actos de fala são regidos pelas regras linguísticas que cada língua possui.

Isabel Hub Faria (2003:73) define acto de fala como «um comportamento verbal, governado por regras que asseguram as intenções comunicativas que venham a ser adequadamente interpretadas» pelos interlocutores ou pelos receptores da comunicação. Caso não se verifique essa interpretação por parte destes, a comunicação torna-se deficitária, não havendo comunicação, dado que não houve compreensão semântica.

Dizer Está frio! é fazer uma afirmação e realizar um acto de fala simultaneamente. No entanto, uma simples afirmação pode ser reformulada e o mesmo

32 enunciado significar e realizar vários actos de fala, pois, como já foi referido, estes dependem da intencionalidade comunicativa do locutor e do contexto em que são produzidos.

Austin (1981:147, 149) questionou-se sobre quantos actos de fala podem realizar os falantes quando dizem algo e distinguiu três tipos «Distinguimos, pois, grosso modo, três tipos de actos: o locutório, o ilocutório e o perlocutório.» Os três tipos consistem «na realização de acções […]». Relativamente aos dois primeiros, um acto locutório refere-se ao «acto que em forma aproximada equivale a expressar determinada oração com um certo sentido e referência […] dizemos que também realizamos actos ilocutórios, tais como informar, ordenar, advertir, comprometermo-nos, etc, isto é, actos que têm uma certa força (convencional)». Em terceiro lugar, também realizamos actos perlocutórios; os que produzimos ou alcançamos porque dizemos algo […] (Austin 1981:153).

Searle (1981:36) define acto locutório como acto de enunciação porque não implica qualquer convenção entre os interlocutores como os actos ilocutórios. «Os actos de enunciação consistem simplesmente em enunciar uma sequência de palavras. […] ». Também para este, os actos ilocutórios consistem «em pronunciar palavras no interior de frases, em determinadas situações, sob certas condições e com certas intenções […]» (Searle 1981:36,37). Como já se pode verificar e para concluir, os actos de fala ilocutórios atentam a determinados aspectos como a intencionalidade, o receptor e o contexto situacional da comunicação.

Finalmente, o linguista (Searle 1981:37) refere o terceiro acto de fala – acto perlocutório proposto por Austin, como a consequência ou o efeito dos actos de fala esclarecidos anteriormente. Veja-se a seguinte citação, bastante esclarecedora:

«Gostaríamos, agora, de acrescentar (…) a noção de acto percolucional, proposta por Austin. Se consideramos a noção de acto ilocucional é preciso também considerar as consequências ou efeitos que estes têm sobre as acções, pensamentos, ou crenças, dos ouvintes. Por exemplo, ao sustentar um argumento, podemos persuadir ou

convencer alguém; se o aviso de qualquer coisa, posso assustá-lo ou alarmá-lo, pedindo

alguma coisa, posso levá-lo a fazê-la; informando-o posso convencê-lo (esclarecê-lo,

edificá-lo, inspirá-lo, fazê-lo tomar consciência). As expressões em itálico designam

33 De forma a simplificar, o acto locutório é o facto de dizer algo simplesmente, como palavras ou até frases, com sentido e referência para o mundo, sem qualquer intencionalidade. Realiza-se um acto ilocutório quando se profere algo num determinado contexto comunicativo e com intencionalidade. Importa referir que neste há uma convenção – um acordo - entre os interlocutores: quem diz algo a alguém, transmite-lhe informação, a qual pode levar o outro, ou o próprio locutor, a realizar uma acção. A consequência do acto de fala ilocutório chama-se acto perlocutório: resultado ou efeito provocado no interlocutor depois de o locutor ter-lhe dito o acto ilocutório.

Nos actos de fala ilocutórios, dependendo da intencionalidade do locutor na sua interacção verbal e do contexto comunicativo, bem como do receptor, pode-se diferenciar vários tipos de actos de fala ilocutórios, os quais serão apresentados de imediato (Searle 1981: 73-87).

O acto de fala ilocutório compromissivo, de forma a sintetizar, pretende colocar o locutor – aquele que transmite a intenção de realizar essa acção – numa posição de realização de algo para com o outro. Há um grau de comprometimento do locutor ao expressar comprometer-se a realizar algo.

O acto de fala directivo pretende levar o receptor a realizar uma acção futura. Tome-se o exemplo de dar uma ordem. Como Searle refere (1981:86), este acto de fala «consiste em o falante querer que se realize o acto ordenado, e a condição essencial tem a ver com o facto de o falante pretender que a enunciação seja uma tentativa de conseguir que o ouvinte realize o acto.»

Relativamente ao acto de fala assertivo, este demonstra a implicação do locutor relativamente ao valor de verdade ou falsidade daquilo que proferiu, ao mesmo tempo que revela um estado de coisas do mundo: «a condição essencial tem a ver com o facto de a proposição ser apresentada como representando um estado de coisas real.» (Searle 1981:86). Tome-se o seguinte exemplo: Hoje está a chover.

O acto de fala expressivo transmite o estado psicológico do locutor segundo a condição de sinceridade. Assim, «Agradecer, dar boas-vindas ou congratular conta como uma expressão de gratidão, de prazer […] quando agradecemos a alguém, subentendemos que aquilo pelo que agradecemos foi-nos proveitoso […]» (Searle

34 1981:87). Ao agradecer algo, agradece-se porque se obteve algum proveito. Desta forma, é-se sincero no agradecimento.

Para terminar, ao realizar-se um acto de fala declarativo altera-se a realidade das coisas a que se está a referir no próprio momento da enunciação, criando outra. Por exemplo, Declaro-vos marido e mulher. A partir deste momento cria-se uma nova realidade para os envolvidos.

Fez-se pertinente abrir um apartado dedicado aos actos de fala dado que são essenciais e realizam-se no acto comunicativo e a teoria dos actos de fala será importante para a parte prática deste Relatório.

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Capítulo 3

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