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Essa representação resolve um problema metodológico no momento em que desfaz uma espécie de restrição à forma de realização da língua (OESTERREICHER E KOCH, 1997) situando a oralidade e a escrita num continuum em que todos os fenômenos linguísticos podem ser alocados nesse gráfico. Desta forma, os acontecimentos linguísticos se situam nessa espécie de linha contínua que compreende essas formas de enunciar, o que explica alguns aspectos relevantes na realização dos textos, como a distância comunicativa do enunciador para com o receptor, polarizada como mais distante no meio gráfico e mais imediata no meio fônico.

Essas questões a concepção/meio do texto são reveladoras por que apresentam características atreladas a essas formas de realizações, o que pode nos indicar, por exemplo, as concepções orais dos textos de sincronias passadas oferencendo aos linguistas um meio para entender a composição dos textos dessas sicronias (COSTA e SIMÕES, 2015) bem como as relações entre a escrita e a oralidade na época.

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OESTERREICHER, Wulf; KOCH, Peter. Linguagem da imediatez – linguagem da distância: oralidade e escrituralidade entre a teoria da linguagem e a história da língua Linha d’Água, n. 26 (1), p. 153-174, 2013.

3.7 TRADIÇÕES DISCURSIVAS E OS ESTUDOS DE GÊNEROS TEXTUAIS

Aparentemente, e para muitos estudiosos os estudos de Tradições Discursivas e os estudos de gêneros ou gêneros do discurso, são relativamente metodologicamente parecidos e muito difíceis de serem diferenciados.

Se começarmos a pensar nos conceitos de cada uma das linhas de pesquisas poderemos começar a ver algumas nuances que permitem essa diferenciação, essa tentativa vem sendo feita por muitos pesquisadores, mas parece que ainda não um limite claro. Começando pela história dos estudos dos gêneros é possível perceber que seu uso foi usado ao longo da história da linguística com várias acepções diferentes, e conforme Bawarshi e Reiff (2013) as áreas que mais sofreram impactos foram as da tradição literária, linguística e retórica/ sócio- retórica.

Nas abordagens chamadas neoclássicas as definições de gênero são feitas com base nas características taxonômicas e tem como objetivo classificar o texto literário. Segundo o mesmo autor, essas delimitações eram feitas com intuito de apenas classificar e descrever as relações entre os gêneros literários.

A próxima abordagem de gênero consta do contexto estruturalista de pensamento, em que o gênero é tido como entidades que organizam e, até certo ponto, moldam textos e

atividades literárias em uma realidade literária (BAWARSHI e REIFF, op. Cit.).

As definições de gênero estavam sempre atreladas à tradição literária e eram tecidas em torno de explicar as significações das atividades linguísticas nesse contexto literário.Ainda segundo Bawarshi e Reiff (idem), as abordagens românticas e pós-românticas negam o gênero enquanto critério para classificação dos textos literários, supondo, a exemplo Bawarshi e Reiff (2013), que os textos literários, como por exemplo, a poesia romântica seria de certa forma ‘livre e infinita’, alcançando um status superior que perpassa a classificação tipológica de um gênero.

Outra abordagem também ligada às tradições literárias é a abordagem estética, em que a classificação depende mais da competência do leitor em classificar o Gênero que mesmo dessa pré-existência de uma tipologia apriorística.

Uma última abordagem ligada às tradições literárias está a abordagem dos estudos culturais, que conforme explica Bawarshi e Reiff, oferece uma visão mais ampla de todas as outras já citadas, pelo fato de não limitar o ponto de vista ou ao receptor, ao caráter social, ou

ao objeto artístico em si mesmo. Como em outras áreas da linguística40, o fator social tem sido considerado crucial para uma interpretação mais completa e panorâmica de qualquer proposta de análise de objetos.

As pesquisas em gêneros, também podem ser enquadradas nesta miríade de múltiplos pontos de vistas e várias abordagens, sobre isto Bawarshi e Reiff (2013) falam sobre as noções nas teorias literárias, antes mencionadas neste tópico, nas tradições linguísticas, nas tradições linguísticas em inglês para gêneros específicos, nas tradições retóricas e sociológicas, nos estudos retóricos de gêneros.

Além disso, traz capítulos do seu livro dedicados às pesquisas linguísticas em gêneros em diversos contextos, como por exemplo, o acadêmico, em ambientes de trabalho, em contextos públicos e nas mídias e ainda sobre as abordagens no ensino da escrita. Todas elas compartilham a noção de que este é um campo de tênues limites, se é que existem claramente esses limites.

Vijay Bhatia apresenta bem esse estado da arte em teorias de gêneros no texto Análise

de gêneros hoje em que contempla uma visão panorâmica de várias teorias ou as principais

vertentes que tratam de questões sobre gêneros, as principais questões levantadas e suas implicações para o desenvolvimento de uma teoria sistematizada. A análise de gêneros, conceituada por ele, tem como ponto de partida o estudo do comportamento linguístico em contextos acadêmicos ou profissionais. Após conceituar o campo, o autor traça pontos

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Aqui compartilhamos e comungamos da ideia de Labov (1972) e de seu antecessor Meilet (1991) de que a linguística não deve se limitar a explicar os fatos apenas pelos fatores estruturais internos, embora seja empírica também, não se deve limitar suas análises a porções isoladas. E abandonando este pensamento reducionista descrito por Lyons (2013, p. 33), não existem ciências mais básicas que outras, nem cadeia hierárquica de ciências.

A linguística é tão importante quanto a física, quanto a biologia e química, sociologia e etc. e não pode a ela ser renegado este status de importância. Como visto no início do capítulo, como ciência, vem se estabelecendo com seus construtos teóricos bem definidos e com abordagens importantíssimas para o estudo da língua em diversas interfaces. O grande problema das ciências humanas, sejam em sociologia, linguística, ou psicologia e outras em geral, é a coleta dos dados, no entanto, segundo Lyons (idem), o linguista está em melhor condições que os pesquisadores das outras áreas sociais, devido a clareza da diferenciação do que é pertinente ao comportamento linguístico e do que não é.

Além disso, há problemas de método em todas as ciências e áreas de conhecimentos inclusive nas ciências naturais. French (2009) elabora um estudo precioso sobre como a ciência acontece, como os cientistas trabalham e sobre como eles propõe suas hipóteses e como as testam. Essas reflexões partem do escopo da filosofia, pois durante muito tempo ciência e filosofia eram tidas como uma só, a ponto de não se questionarem os métodos, mas como ele mesmo afirmou, os filósofos apenas descreviam os meios através dos quais os cientistas chegavam às suas conclusões. Em toda a obra, o autor apresenta problemáticas para questões de pesquisa que vão desde a formulação de hipóteses, aplicação dos métodos, das observações, a forma de verificação dos fatos e dos dados, oferecendo meios para se pensar as ciências, de forma geral, mas traduzindo a ideia de que as ciências naturais podem não ser tão objetivas quanto se pensa. E o mesmo ocorre nas ciências sociais.

Sendo a linguística uma ciência social, as explicações para mudanças, variações, e etc. não podem existir de forma desconectada do fator social. E são essas tentativas de escolher uma metodologia que dê conta tanto dos fatores linguísticos estruturais quando dos fatores externos que muitos linguistas enfrentam em suas pesquisas, sem, no entanto, cindir estruturas e estudos de indivíduos pressupondo que a explicação dos dois fatores isolados pode levar a uma compreensão do todo como deve ser a conclusão dos trabalhos que abordem os fatores sociais.

comuns entre várias teorias dos quais ele destaca como mais importantes o conhecimento

convencionado41, a versatilidade da descrição dos gêneros42e a tendência para inovação43.

Para reforçar a importância dos aspectos convencionados nas interpretações genéricas Bhatia cita Fairclough (1989, p. 59) que ilustra a situação de uma consulta ginecológica na qual a paciente não tende a compreender os procedimentos adotados pelo médico ginecologista como um encontro amoroso trazendo questionamentos e em seguida dando pistas de que isso se deve ao fato de haver limitações no contexto dessas consultas. O convenicionado aqui estaria ligado ao que é reconhecido e compartilhado pela comunidade como aceitável numa determinada situação.

Outro ponto interessante destacado por Bhatia é a noção de que os gêneros raramente mantêm valores estáticos principalmente em ambientes acadêmicos e profissionais.Isso se deve ao fato de estarmos inseridos numa cultura consumista que vai influenciar diretamente na produção desses gêneros integrando nas estruturas convencionais aspectos ou elementos promocionais, de forma que como aponta Fairclough, há uma reestruturação das ordens do discurso e das práticas discursivas em casos como este, mas que o usuário hábil tem que fazer uso do que está disponível na comunidade e acrescentar diferenças sutis para que atenda ao seu objetivo. A mistura acontece devido à mistura de valores genéricos que normalmente atendem a propósitos comunicativos específicos já os gêneros imbricados são tidos como falsos gêneros em que se observa um gênero dentro de outro.

Dos pontos explicitados acima, a relação que parece prevalecer em análises de gênero em sua maioria, é a dos gêneros com as práticas sociais, enfatizando a ligação da produção linguística com as questões contextuais. É nítida essa relação quando se pensa que quando se produz não se produz para ninguém, isto também ressalta o caráter dialógico da linguagem

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No conhecimento convencionado destaca-se aspectos convencionais que estão postos como interrelacionados de forma a se complementar pois o conhecimento convencionado, que tem a ver com o contexto sócio-cultural, leva a identificação de situações típicas o que culmina com o reconhecimento dos propósitos comunicativos compartilhados serão mais facilmente compreendidos através das formas típicas organizacionais e estruturais.

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Já a versatilidade genérica é uma espécie de quadro de possibilidades que um determinado gênero possui de se estruturar, que vai desde a identificação do propósito comunicativo à estruturação propriamente dita, como estratégias discursivas, forma final do gênero. No caso dos gêneros promocionais há um conjunto de gêneros servindo ao mesmo propósito comunicativo, mas que apresentam diferenças sutis na sua estruturação.

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No item tendência para inovação, Bhatia afirma que apesar de os gêneros estarem ligados a contextos específicos e situados e institucionalizados eles são construtos dinâmicos e têm tendência natural para inovação que é explorada pelos membros experientes da comunidade. Frente a essa tendência para inovar o autor esclarece que pode ser que alguém seja chamado a responder a uma necessidade sócio-cognitiva em transformação e será exigido dele uma negociação perante as convenções estabelecidas o que permitirá ao usuário do gênero uma certa liberdade aos membros mais experientes da comunidade que poderão manipular recursos e convenções genéricas.

Texto original disponível <<https://periodicos.ufrn.br/gelne/article/view/10047/7896>> acesso em 12/01/2017

trazido à tona por Bakhtin (1979) e noção com a qual concordamos por reconhecer a imagem do nosso interlocutor em qualquer interação linguística.

Numa abordagem retórica dos gêneros, que é uma das perspectivas mais recentes adotadas por novos estudiosos, sendo alguns deles Carol Berkenkotter e Thomas Huckin (1993) citados por Bawarshi (1993) obtivemos a seguinte definição:

Nossa tese é que os gêneros são estruturas retóricas inerentemente dinâmicas que podem ser manipuladas de acordo com as condições de uso e que o conhecimento de gêneros, consequentemente, é mais bem conceituado como uma forma de cognição situada encravada em atividades disciplinares. Para fazer as coisas acontecerem, ou seja, publicar, exercer influência na área, ser citado e assim por diante, os escritores devem saber como usar estrategicamente sua compreensão de gêneros (BAWARSHI, 1993, p. 477).

É evidente que esta definição tem a ver exatamente com contextos específicos de produção, que no caso são os contextos acadêmicos, mas por que não dizer que em contextos livres podem-se manipular os gêneros ou delimitá-los a partir, primeiramente, de sua delimitação como este ou outro gênero? Esta seria uma questão interessante já que não vê com óbvia ou como possível manipular um gênero.

Mas se for correto pensar em questão do ensino/aprendizagem dos gêneros, nas escolas, quando nós professores tomamos certos gêneros como modelos e os dissecamos, explicitamos sua ordem lógica de construção, avaliamos aspectos estruturais e podemos discutir sobre ele, e quando das atividades de produção em que “criamos” as condições específicas e colocamos as condições para que haja a produção, não estaríamos manipulando o gênero? Essa é uma questão que exige um pouco mais de profundidade e por agora, não seria o ponto central da história.

Muitas são as abordagens que poderíamos trazer para a discussão, mas uma em especial nos chama atenção que é a que se liga à linguística histórica e a linguística de corpus. Esses estudos que observam as tipologias e as mudanças linguísticas são de fato, bastante importantes para nos ajudar na árdua tarefa de delimitar o campo de pesquisa em gêneros e o campo de pesquisa das Tradições Discursivas.

Bawarshi (idem, p. 189-190) exemplifica os tipos de pesquisa histórica com gêneros públicos que mudaram ao longo de anos. Segundo ele, estudos de David Barton e Nigel Hall (1999) mostram a mudança de cartas em contextos históricos e culturais e que elas mediaram uma grande quantidade de relações e interações humanas. Além destes estudos, os trabalhos de Company Company (2008), Koch (2008), Aguilar (2008), Erique-Arias(2008), Jover (2008), Eberenz (2008), Alconchel (2008), Rodríguez (2008), Oesterreicher (2008), Kabatek

(2003, 2006), Lamas (2010) dizem respeito a estudos de Tradições Discursivas que têm se intensificado nos últimos anos.

Como critérios de análise, a maioria dos estudos focalizam a relação funcional que os textos têm com suas partes e também o contrário, com o entorno, com o contexto em si. No entanto, apenas os estudos mais recentes, e os inspirados na romanística alemã se tratam de estudos de Tradição discursiva. Esse limite ficará mais claro ao final do capítulo.

Nessa delimitação, entre Gêneros e TDs, os gêneros são tidos como tal utilizando critérios como a sua localização num sistema de relações de gêneros e em sistema de atividades. Assim Miller (2012, p. 27) chama atenção para uma definição que seja “baseada na prática retórica e, consequentemente, aberta- em vez de fechada- e organizada em torno de ações situadas” (isto é, pragmática em vez de sintática ou semântica).

Esta abordagem trata-se da sócio-retórica que possui uma visão histórica do gênero e a ele atribui um poder de se vincular às instituições nas quais e pelas quais são produzidos. Nesse caso, a visão não é voltada para o ensino, a perspectiva pedagógica é mais acentuada na abordagem sociodiscursiva (MARCUSCHI, 2008).

Uma definição que nos parece satisfatória seria a de Mascurchi (2008, p. 155), na qual ele apresenta de forma detalhada e num panorama sociodiscursivo que se volta para o ensino de Língua Materna, a noção de gênero:

Gênero textual refere os textos materializados em situações comunicativas recorrentes. Os gêneros textuais são os textos que encontramos em nossa vida diária e que apresentam padrões sociocomunicativos característicos definidos por composições funcionais, objetivos enunciativos e estilos concretamente realizados na integração das forças históricas, sociais, institucionais e técnicas. Em contraposição aos tipos, os gêneros são entidades empíricas em situações comunicativas e se expressam em designações diversas, constituindo em princípio listagens abertas.

A tríplice composicionalidade do gênero, que se refere à funcionalidade, a construção dos objetos da enunciação e os estilos, que dizem respeito aos modos individuais de se dizer algo revela um ponto de vista que assim como Coseriu (1979) e Saussure (1916), consideram como parte essencial o fator social. Mesmo que Saussure tenha deixado essas preocupações com o externo longe de suas pesquisas aplicadas, sua formulação e suas ideias serviram para corolário que aí está de pesquisas e teorias de cunho contextual e sociodiscursivo.

O estatuto do gênero textual se apresenta, diante de tantas formas de abordagem como transdisciplinar, e antes de tudo como uma forma de ação social expressa por Miller (2012, p. 39):

1. O gênero se refere a uma categoria convencional de discurso baseada na tipificação em grande escala da ação retórica; como ação, adquire significado da situação e do contexto social em que essa situação surgiu.

2. Como ação significante, o gênero é interpretável por meio de regras; regras de gênero ocorrem num nível relativamente alto de uma hierarquia de regras para interações simbólicas.

3. O gênero é distinto de forma: forma é o termo mais geral usado em todos os níveis de hierarquia. O gênero é uma forma num nível particular, que é a fusão de formas de níveis mais baixos e a substância característica.

4. O gênero serve como substância de formas em níveis mais altos; como padrões recorrentes de uso linguístico, os gêneros ajudam a constituir a substância de nossa vida cultural.

5. Um gênero é um meio retórico para a mediação das intenções privadas e da exigência social; ele é motivador ao ligar o provado com o público, o singular com o recorrente.

As regras expressas acima ajudam a tecer a cadeia de ideias que podem expressar de uma forma mais clara possível a conceituação de gêneros dentro dessa perspectiva sociodiscursiva e como uma forma de ação. Já que essas ideias têm com precípua a linguagem com uma determinada finalidade expressa na materialidade linguística e realizada nas possibilidades que a estrutura interna oferece.

Em Tradições Discursivas, os textos são tidos como TDs, considerando não só aspectos relativos à funcionalidade da língua, ou mesmo ao contexto, como também as estruturas internas da língua.

Sob esta definição ampla, TD não é obrigatório, mas corresponde ou aparece corresponde a uma extremidade do alto-falante ou o ouvinte para estabelecer uma ligação entre dois elementos historicamente relacionáveis (daqui : " pode formar " ) . Por conseguinte, dá um complexa relação entre produtor e receptor pesquisador: podem ter tradições descobertas pelo pesquisador não intencional ou pelo produtor ou por outros receptores etc.

Euma TD oferece, nessa visão ampla , com base em dois (ou mais do que dois, é claro) textos relacionáveis por seu conteúdo , a linguagem ou forma ou com base em dois cenários (ou constelações Ambientes ) evocando dois textos relacionáveis44 (KABATEK, 2004, p. 1).

Mas as relações de repetição e evocação que no mínimo, dois textos estabelecem um com outro, no qual a Tradição discursiva, que é a fórmula, expressão formulaica, ou o próprio texto que apresenta um valor de signo. Kabatek (idem) demonstra com um esquema essa relação entre os textos que se evocam:

Texto 1 situação 1

Texto 2 situação2

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