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Capítulo III Acto II – Teatro Acto II – Teatro Acto II – Teatro

4.2. De Teatro Caricatural

4.2.2. Adelina Abranches

Adelina Abranches nasceu a 15 de Agosto de 1866, na cidade de Lisboa, estreando-se apenas com cinco anos numa companhia espanhola, Os Meninos grandes, de Henrique Gaspar, no Teatro D. Maria. Matriculou-se com 11 anos no Conservatório de Lisboa, embora cedo tenha desistido do curso devido à sua rebeldia e feitio indisciplinado, de quem não obedecia a regras estabelecidas. Era ainda muito pequena quando o velho actor Theodorico, ao ouvir várias histórias hilariantes da pequena Adelina, a indicou para o papel numa peça em que precisavam de uma criança. A partir daí entrou em várias peças, apesar da sua traquinice deixar os empresários com a paciência por um fio290.

Passou por inúmeros teatros em Lisboa, desde o da Rua dos Condes ao Príncipe Real. Por sua vez, os seus primeiros êxitos tiveram lugar no Teatro do Rato, em 1882, com Maria da Fonte e O Tipógrafo291. Mais tarde casou com o empresário Luís Ruas, de quem teve dois filhos, a célebre actriz Aura Abranches e Alfredo Ruas. Afirmou-se, ainda, no Teatro do Príncipe Real, entre melodramas e as revistas do ano.

Em 1902, depois de se separar do marido, ingressou na empresa Rosas & Brazão, no Teatro D. Amélia, estreando-se com a peça Uma anedota, onde se manteve até 1910. Adelina destacou-se, até esta data, em inúmeras interpretações, em peças quer portuguesas, quer estrangeiras, como Rosa Enjeitada, de D. João da Câmara,

288 Ver Vol. 2 – Apêndice Iconográfico – Fig. 53, p. 34. 289

http://www.fl.ul.pt/CETbase/reports/client/Report.htm?ObjType=Espectaculo&ObjId=4306. [18/7/2011, pelas 17 horas].

290 “As nossas actrizes – A actriz Adelina Abranches”. Ilustração Portugueza. Série II, n.º 26. Lisboa, 20 de Agosto de 1906, p. 84.

O impressivo artista da caricatura teatral

87

Ressurreição de Tolstoi, Gaiato de Lisboa, As Pupilas do Sr. Reitor292.

Na temporada de 1911-12, Adelina segue para o Teatro República293, regressando ao Teatro Nacional em 1917, depois de aparições em outros teatros da capital, e depois de algumas tournées ao Brasil. Durante a sua restante digressão pelo teatro, destacou-se em muitas mais peças, desde o drama até à farsa, como O Lodo,

Fogo Sagrado, O Domador de Sogras, O Gebo e a Sombra, e a memorável

interpretação em A Bisbilhoteira, da qual Amarelhe fez uma caricatura294. Esta peça de Eduardo Schawalbach foi interpretada em 1934, no Teatro Variedades, pertencendo Adelina, na temporada anterior e nas seguintes, à Companhia Rey Colaço – Robles Monteiro295.

O portrait-charge pretende exaltar determinada figura e não denegrir a sua imagem. Este é “o esquema dum semblante, qualquer coisa como a forma algébrica duma personalidade”296

. No entanto, algumas pessoas não concordam, nem aceitam a visão do artista de si próprios, como foi o caso de Adelina Abranches. A actriz, à semelhança de Cecil Sorel, não viu com agrado uma caricatura que Amarelhe terá feito dela, onde exagerava os seus traços fisionómicos. Assim, ela retorquiu perante o desenho:

“Que eu era feiasinha de nascença,/ há muito tempo já que bem sabia!.../ mas que afirmem, convictos, que esta harpia,/ é estupenda, flagrante de par’cença/ co’a minha pobre cara deslavada,/ sinceramente… não me agrada nada!/ E parece-me incrível que um fedelho/ sum caricaturista, divisasse/ e, firme, desenhasse/ defeitos que eu julgava ninguém ver!/ E só eu perceber/ quando, a sós, me examino bem ao espelho…”297

.

Adelina Abranches era uma mulher de porte pequeno e com figura magra, “com a sua cara estranha, algo clownesca, onde o nariz sobressaía e os pequenos olhos faiscavam”298

, mas ao que tudo indica era irrequieta e tinha uma personalidade

292 REBELLO, Luiz Francisco – Dicionário do Teatro Português. Vol. 1, p. 15. 293

O Teatro D. Amélia, depois da implantação da República, foi denominado Teatro República. 294 Ver Vol. 2 – Apêndice Iconográfico – Fig. 55, p. 35.

295 REBELLO, Luiz Francisco – Dicionário do Teatro Português. Vol. 1, p. 15.

296 FELGUEIRAS, Guilherme – “Gente do Porto nas caricaturas pessoais de Amarelhe”. O Tripeiro. N.º 9, VI série, Ano I. Porto, Setembro 1961, p. 269.

297

FELGUEIRAS, Guilherme – “Gente do Porto nas caricaturas pessoais de Amarelhe”, p. 270. O mesmo autor publica um depoimento de Campos Monteiro perante uma caricatura sua, desenhada por Amarelhe, contrastando com Adelina Abranches: “Ao ver a minha figura/ neste postal, acredito/ no que o espelho me assegura;/ nunca me vi tão bonito,/ nem mesmo em caricatura”.

O impressivo artista da caricatura teatral

88 tempestuosa. O portrait-charge da actriz na De Teatro Caricatural faz jus à sua elegância e aos preceitos da caricatura299.

Amarelhe exagera os traços fisionómicos do seu rosto, que se encontra desenhado de perfil. O corte de cabelo é curto e ruivo, caracterizado por uma franja ligeiramente levantada. O mais chamativo nas caricaturas de Adelina, quer sejam de Amarelhe, ou de outros artistas, é o seu nariz saliente e as grandes narinas. Na caricatura da actriz, publicada na revista De teatro, esta característica é de igual modo salientada pelo artista, embora ali lhe tenha mudado ligeiramente o cabelo e a expressão300.

Amarelhe revela no portrait-charge alguma “altivez” por parte da retratada, demonstrando através das linhas do rosto e do pescoço a idade avançada da actriz. Esta expressão briosa possivelmente patenteia os anos de experiência em palco que esta por essa altura já acusava.

O olhar é fixo, com linhas bem vincadas, assim como o sorriso que esboça, o qual salienta ainda mais as linhas da face já enrugada. O seu corpo pequeno está revestido com uma saia e uma blusa sobreposta por um casaco largo, verde e branco, que combina com a restante toilette. A saia deixa ver os tornozelos, como a moda começava a ditar nos anos 20, e os sapatos eram provavelmente de verniz preto, devido aos brilhos que o artista tão bem soube imitar. A mão direita descaía-lhe levemente sobre o peito, denunciando a atitude altiva, enquanto a mão esquerda vinca-lhe docemente o quadril. As mãos, como já é característico de Amarelhe, são definidas por linhas suaves e elegantes.

Como pano de fundo, Amarelhe criou uma cortina volumosa de tons claros e uma lupa segura por uma mão, que pode ter várias conotações, embora nos pareça ser relativa à sua pequena estatura. “Um paradoxo da scena,/ pois não temos no paiz,/ nenhuma actriz mais pequena/ que esta grande actriz”301

. Este fundo é constituído por um rectângulo que não segue toda a figura, acabando, sensivelmente, à altura dos seus joelhos. Assim, como em muitos outros desenhos, este fundo rectangular serve para dar profundidade à figura, fazendo-a destacar-se do plano bidimensional.

Num desenho a carvão e tinta-da-china, Amarelhe aplaude literalmente o

299 De Teatro Caricatural. Ano 1, série I, n.º 1. Lisboa: Propriedade da Empresa da Revista “De Teatro, Ld.ª”, Dezembro de 1924. Ver Vol. 2 – Apêndice Iconográfico – Fig. 34, p. 24.

300

Ver Vol. 2 – Apêndice Iconográfico – Fig. 54, p. 34.

O impressivo artista da caricatura teatral

89 desempenho de Adelina Abranches na peça O homem e os seus fantasmas302, interpretada em Dezembro de 1926, quando a actriz fazia parte da Companhia Berta de Bivar – Alves da Cunha. As feições de Adelina são iguais às restantes caricaturas, embora nesta a actriz esteja a voar, como se fosse um fantasma, com uma estrela como pano de fundo303.

Podemos ainda destacar outra caricatura de Adelina Abranches, não pela semelhança ou pelo exagero fisionómico presente nas anteriores, mas sim relativamente à técnica. A caricatura refere-se à sua participação na comédia musicada A Cova da

Piedade304. Amarelhe utiliza tinta-da-china de uma forma magnífica, reforçando os traços fisionómicos com pequenas linhas que conferem ao rosto tridimensionalidade, bem como um apreciável efeito de claro-escuro. O cabelo ondulante, as linhas das rugas, tudo é acentuado consoante os traços com mais ou menos espessura.

4.2.3. Eduardo Brazão

Eduardo Joaquim Brazão nasceu em Lisboa a 6 de Fevereiro de 1851 e faleceu em Maio de 1925, ano seguinte à publicação da sua caricatura na De Teatro

Caricatural. O actor estreou-se no Teatro do Príncipe Real, passando pelo Trindade,

seguindo-se ao Ginásio, prosseguindo para várias digressões ao Brasil305. Foi considerado o grande actor da cena portuguesa, tendo todas as qualidades cénicas indispensáveis a um grande profissional, a “figura, a voz, o gesto”306. Conseguiu triunfar no seu tempo perante actores de grande índole e talento como João e Augusto Rosa, Joaquim d’Almeida, principalmente devido ao seu constante estudo e dedicação, bem como pela paixão e talento inato para a profissão que escolhera.

Destacou-se no drama histórico como D. Fernando na peça Leonor Telles, como

Afonso de Albuquerque, e ainda como D. Fuas, em Alcácer-Quibir. Destacou-se com as

personagens de Hamlet e Othelo, bem como na alta e na baixa comédia, no Marquês de

302http://www.fl.ul.pt/CETbase/reports/client/Report.htm?ObjType=Espectaculo&ObjId=4317. [10/7/2011, pelas 15 horas].

303 Ver Vol. 2 – Apêndice Iconográfico – Fig. 56, p. 35. 304

Ver Vol. 2 – Apêndice Iconográfico – Fig. 57, p. 36.

305 SOUSA, Avelino – “Eduardo Brazão”. Album Theatral – Ilustração quinzenal. Biographias em prosa

e verso por Avelino de Sousa. 1º Volume, Série 1 a 24. Lisboa: Imprensa Libanio da Silva, 1916.

306

FONSECA, Roque da – “Eduardo Brazão e José Ricardo”. De teatro: revista de teatro e música. Ano 2, série IV, n.º 23. Lisboa, Agosto de 1924, p. 15.