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Entendemos que a proposta de Adequação Sociotécnica é (ou deveria ser) o coração do campo da TS. A AST é apresentada como o processo de (re)desenvolvimento de tecnologias, que ocorre ao passo que seus usuários, ao participarem do desenvolvimento da tecnologia de que irão fazer uso, constroem novas concepções e formas de se relacionar com a tecnologia, o processo produtivo e a sociedade.

Dagnino (2008) argumenta que diferente do movimento da TA (que buscou construir artefatos tecnológicos que cumprissem as demandas de uma sociedade idealizada) a AST rejeita a ideia de conceber uma solução tecnológica, ou um produto, baseando-se em uma suposição do que seria mais adequado a um contexto desejado. O conceito de AST preocupa-se com o percorrer de um caminho, ou processo, que leve à elaboração de soluções adequadas ao contexto existente, ou ainda que o aproximem de um contexto idealizado. Nesse sentido o autor atribui o fracasso da TA em se firmar como solução tecnológica à falta de reflexões sobre como deveriam ser os processos de desenvolvimento de aplicação de TAs. Assim, o processo de AST deve partir do contexto em que está inserido e caminhar para a reflexão e proposição de quais seriam as possíveis formas de adequar (ou criar) a tecnologia (disponível) às necessidades desse contexto em questão.

a AST pode ser entendida como um processo que busca promover uma adequação do conhecimento científico e tecnológico (esteja ele já incorporado em equipamentos, insumos e formas de organização da produção, ou ainda sob a forma

intangível e mesmo tácita), não apenas aos requisitos e finalidades de caráter técnico-econômico, como até agora tem sido o usual, mas ao conjunto de aspectos de natureza sócio-econômica e ambiental que constituem a relação Ciência, Tecnologia e Sociedade. No contexto da preocupação com os empreendimentos autogestionários, o processo de AST teria então por objetivo adequar a tecnologia convencional (e, inclusive, conceber alternativas) aplicando critérios suplementares aos técnico-econômicos usuais a processos de produção e circulação de bens e serviços em circuitos não formais, situados em áreas rurais e urbanas (como as Redes de Economia Solidária) visando otimizar suas implicações. Dentre os critérios que conformariam o novo código sócio-técnico (alternativo ao código técnico- econômico convencional) a partir do qual a tecnologia convencional seria desconstruída e reprojetada, pode-se destacar além daqueles presentes no movimento da TA: a participação democrática no processo de trabalho, o atendimento a requisitos relativos ao meio-ambiente (através, por exemplo, do aumento da vida útil das máquinas e equipamentos), à saúde dos trabalhadores e dos consumidores e à sua capacitação autogestionária (NOVAES, 2005, p. 86).

O entendimento da AST como um processo também considera o processo de aprendizagem dos próprios produtores, tanto a aprendizagem sobre a tecnologia, quanto a aprendizagem necessária para produzir com valores solidários. Já citamos anteriormente a crítica que Dagnino (2010a) faz ao entendimento de que a simples transferência do controle dos meios de produção para os trabalhadores já é suficiente para transformar em solidário o processo de produção, para o autor a tecnologia incorporada nos processos produtivos deve ser reconstruída para atender aos interesses de um processo produtivo autogestionário e solidário. Nesse sentido, o autor identifica que há uma grande resistência por parte dos produtores em reconstruir a tecnologia à qual estão acostumados, bem como abrir mão da própria organização do trabalho. Assim a TC condiciona os seus usuários aos seus valores, e que um dos papéis da AST seria a emancipação dos usuários desses valores que levam à segregação e hierarquização do trabalho. Nesse sentido, ao estudar a AST em fábricas recuperadas (FRs – Fábricas que passaram a ser de propriedade coletiva dos trabalhadores) Novaes (2005) afirma:

As considerações teóricas expostas ao longo deste trabalho procuraram ir para além da necessidade de criação de uma nova cultura do trabalho e de mecanismos parlamentares nas FRs. Para nós, trata-se da necessidade de um olhar mais profundo, que identifique a necessidade de se levar a cabo uma total reestruturação dos meios e da organização da produção . [...] O conceito de AST nos obrigou a pensar as FRs

para além de uma simples mudança jurídica de propriedade, ou em termos marxistas, para além da expropriação dos expropriadores. Isso porque a alienação das forças produtivas não se extingue através de decreto nem com uma modificação da propriedade jurídica, mas requer um longo prazo de maturação.

Assim, o conceito de AST subsidia processos tecnológicos com a intenção de induzir o desenvolvimento social. Em tais processos, todos os atores envolvidos devem participar e construir coletivamente as soluções para os problemas apresentados. Como essa proposta parte de contextos diversos, e as pessoas envolvidas em cada contexto tem diferentes formas e tempos para lidar com propostas de transformação (sobretudo da forma como lidamos com as nossas relações pessoais) é possível identificar algumas modalidades de AST. Desta forma, encerraremos essa seção com a exposição de sete modalidades de AST definidas por Novaes (2005, p. 87) com a intenção de operacionalizar o conceito de AST, conforme o autor “o número escolhido (sete) não é arbitrário e poderia ser maior”:

1)Uso: o simples uso da tecnologia (máquinas, equipamentos, formas de

organização do processo de trabalho etc.) antes empregada (no caso de cooperativas que sucederam a empresas falidas), ou a adoção de TC, com a condição de que se altere a forma como se reparte o excedente gerado, é percebido como suficiente.

2)Apropriação: concebida como um processo que tem como condição a

propriedade coletiva dos meios de produção (máquinas, equipamentos), implica uma ampliação do conhecimento, por parte do trabalhador, dos aspectos produtivos (fases de produção, cadeia produtiva etc.), gerenciais e de concepção dos produtos e processos, sem que exista qualquer modificação no uso concreto que deles se faz.

3)Revitalização ou repotenciamento das máquinas e equipamentos: significa não

só o aumento da vida útil das máquinas e equipamentos, mas também ajustes, recondicionamento e revitalização do maquinário. Supõe ainda a fertilização das tecnologias “antigas” com componentes novos.

4)Ajuste do processo de trabalho: implica a adaptação da organização do processo

de trabalho à forma de propriedade coletiva dos meios de produção (preexistentes ou convencionais), o questionamento da divisão técnica do trabalho e a adoção progressiva do controle operário (autogestão).

5)Alternativas tecnológicas: implica a percepção de que as modalidades anteriores,

inclusive a do ajuste do processo de trabalho, não são suficientes para dar conta das demandas por AST dos empreendimentos autogestionários, sendo necessário o emprego de tecnologias alternativas à convencional. A atividade decorrente dessa modalidade é a busca e a seleção de tecnologias existentes.

esgotamento do processo sistemático de busca de tecnologias alternativas e na percepção de que é necessária a incorporação à produção de conhecimento científico-tecnológico existente (intangível, não embutido nos meios de produção), ou o desenvolvimento, a partir dele, de novos processos produtivos ou meios de produção, para satisfazer as demandas por AST. Atividades associadas a essa modalidade são processos de inovação de tipo incremental, isolados ou em conjunto com centros de pesquisa e desenvolvimento (P&D) ou universidades.

7)Incorporação de conhecimento científico-tecnológico novo: resulta do

esgotamento do processo de inovação incremental em função da inexistência de conhecimento suscetível de ser incorporado a processos ou meios de produção para atender às demandas por AST. Atividades associadas a essa modalidade são processos de inovação de tipo radical que tendem a demandar o concurso de centros de P&D ou universidades e que implicam a exploração da fronteira do conhecimento (NOVAES, 2005, p. 87–88).

4 REFLEXÕES SOBRE EDUCAÇÃO AMBIENTAL E

TECNOLOGIA SOCIAL