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Adesão dos técnicos de planejamento urbano à participação Ao

No documento Leituras da Cidade | ANPUR (páginas 129-135)

(in) definição do papel dos atores e condições para uma participação efetiva

4. Adesão dos técnicos de planejamento urbano à participação Ao

Elson Manoel Pereira

nossa pesquisa tem nos fornecido elementos que permitem afirmar que, no caso específico do planejamento urbano, uma quarta condição parece também concorrer para uma participação de qualidade em políticas locais de desenvolvimento urbano: o comprometimento dos técnicos envolvidos com o processo de planejamento com o princípio participativo; vimos anteriormente que parece haver uma mudança de princípios no planejamento urbano, de um modelo hierárquico, com referencial forte, para um modelo negociado, processual e político; quando falamos em mudança, no entanto, não queremos afirmar que ela acontece de forma linear e sem contradições; no caso do planejamento urbano, há uma tradição forte do funcionalismo e da tecnocracia; a adesão ao modelo democrático não se dá de forma automática. Existem resistências, adesões parciais, dúvidas, medo de perda de poder, desconfiança, críticas aos tempos diferentes dos diversos atores, mas também comprometimento com o processo participativo por parte de alguns técnicos de urbanismo. Essas diferenças de postura frente ao processo participativo levam também a diferenças nos processos participativos. Nas experiências estudadas, já apontamos o comprometimento democrático da equipe técnica responsável pelo plano de São José; o plano chegou a termo, com uma participação importante da comunidade; o que fez com que o plano não fosse aprovado na Câmara de Vereadores, até a data atual, foi a falta de vontade política dos poderes executivo e legislativo municipais e mesmo a pouca tradição associativa no município. No caso de Lages, não encontramos em nenhum momento de nossa pesquisa elementos que pudessem nos levar a crer que os técnicos acreditassem no processo participativo; a crença maior era sem dúvida na capacidade de respostas aos problemas da cidade a partir da opinião dos técnicos tradicionais de planejamento urbano, denominados, não por acaso, de “decanos”; a participação da população lageana foi muito fraca. Muito ilustrativa foi a entrevista feita com um técnico do Instituto de Planejamento Urbano de Florianópolis que, em sua fala, nos apresenta suas dúvidas, seus medos, e mesmo a dificuldade de assumir que a participação lhe é (foi) incômoda:

Eu acho que a visão mudou muito, eu acho que os tínhamos num primeiro momento condições mais favoráveis como eu te falei, havia um reconhecimento oficial [né] conforme a administração, havia um respeito muito maior a respeito do papel do técnico, então isso nos dava muita segurança ao propor coisas porque nos sabíamos que estudando bem uma questão e oferecendo essa resposta de uma forma articulada com proposições integrada a outras políticas de desenvolvimento econômico

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social e mesmo no contexto regional nos teríamos esse respaldo, e hoje em dia não existe mais isso (...)

Eu acho que na época que ela [a participação] começou, que passou a ser uma exigência, porque enquanto o processo de planejamento ele estava no ambiente técnico a gente elaborava a proposta e depois dela estar formatada se partia para uma discussão e para um processo de participação na forma de audiência de seminários para dar, digamos, um nivelamento, uma calibragem, um ajuste final à proposta, ele era mais cômodo, porque envolvia muito menos agentes. Agora a partir do momento que o desafio é tu trabalhares desde o inicio com o processo de participação ele [o planejamento] se torna muito mais complexo; porque o técnico esta dentro do seu ambiente de informações de conteúdo de repertório, dominado digamos assim pelo mesmo linguajar pelo mesmo saber [né] (...). Esse processo de participação, eu acho que esse processo demanda tempo, paciência de a gente quase tornar o processo de planejamento pedagógico. De ensinar as pessoas (...). Para tudo é um processo uma doutrina que tem que ter com muita paciência, então o técnico ele saiu a partir desse momento da sua zona de conforto do seu escritório da sua estrutura dos seus coleguinhas e passou a ter embates [né] a levar a uma situação muito mais desafiadora, que é a conversa com os iguais digamos os cidadãos e ter contato com uma realidade que muitas vezes os técnicos desconhecem.10

Assim, nos parece que tentar entender qual é o papel de cada ator social num processo de planejamento urbano participativo significa procurar as condições necessárias para que a participação nesses processos seja de qualidade.

Às três condições apresentadas por Lígia Lüchmann (vontade política, tradição participativa e desenho institucional) acrescentamos a necessidade de adesão dos técnicos de urbanismo ao processo participativo. Desta forma, se a vontade política está presente, através de um projeto político de participação, ao poder público cabe o papel de viabilizador das condições institucionais para essa participação, que reduzam ou eliminem obstáculos – desigualdades de participação, clientelismos, personalismos, corporativismos, etc. Essas quatro condições apresentadas não querem, no entanto, substituir o estudo aprofundado das situações particulares; ou seja, o resultado dos processos participativos na construção de políticas públicas urbanas vão refletir as condições socioespaciais locais.

Essa compreensão da necessidade de articulação entre participação 10 Entrevista de um técnico do IPUF à Janea Policarpo, graduanda de Geografia e membro do

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e condições socioespaciais nos levou a pensar mais profundamente sobre a contribuição específica do conhecimento geográfico ao planejamento urbano (PEREIRA; SANTOS, no prelo, p. 14):

O espaço urbano, a cidade reflete a sociedade, reflete o conjunto da vida social, é o meio em que uma sociedade existe. O espaço urbano tem concentrado as relações e a dinâmica da sociedade contemporânea. É o meio em que a sociedade vive construindo, produzindo, consumindo, modificando, reconstruindo. A cidade é o meio, é o palco. Mas a cidade, seu espaço, também é um meio que condiciona os processos espaciais. Portanto, o espaço urbano, assim como o espaço geográfico, é um meio e uma condição para os processos espaciais, para as relações que são estabelecidas e as que se materializam. Essas condições do espaço urbano são relacionadas à natureza do espaço geográfico, a própria essência da Geografia exercitada pelos geógrafos, forjada principalmente no conjunto da obra do professor Milton Santos.

Desta forma,

[...] os processos sociais como o planejamento urbano e seus produtos: plano diretor, plano de habitação, plano de saneamento etc., são gerados a partir da forma, da estrutura e das funções que a cidade previamente apresenta. A cidade, sua forma e sua dinâmica é condição à expressão espacial das relações na sociedade” (PEREIRA, SANTOS, no prelo, p.14-15).

O planejamento urbano nascerá a partir daquilo que já existe, e já exerce influência.

A incompreensão de muitos urbanistas sobre esta articulação dialética entre espaço urbano e seu planejamento levou à elaboração de muitos planos completamente desconectados da realidade. No lugar de compreender a cidade para depois planejá-la, eles imaginavam um futuro e a partir desse futuro analisavam (julgavam) o presente do espaço planejado (visão teleológica); aquilo que não estava de acordo com o futuro imaginado, deveria ser modificado.

No entanto, um planejamento contemporâneo não pode prescindir da compreensão geográfica do espaço:

O planejamento atual não quer agir apenas para mudar as formas, mas é um planejamento principalmente sobre o conteúdo, sobre as funções, as ações, sobre as possibilidades legais sobre o modelo de seu conteúdo social. Porém, o espaço urbano, as formas e objetos da cidade, os agentes sociais e as relações que mantém são o marco de partida das demandas

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para o futuro da cidade, para o seu planejamento. Mas essa realidade atual do espaço urbano também é a condição e os limites que o processo de planejamento vai apresentar. Isso não significa que o processo de planejamento já esteja definido, pela própria organização do espaço da cidade. Mas é nesse espaço que está o sentido, o conteúdo e a própria explicação que o próprio processo de planejamento percorre (Pereira, Santos, no prelo, p.15).

Esta abordagem nos permite não apenas planejar, mas igualmente compreender os processos participativos de planejamento que analisamos:

[...] a dificuldade de compreensão dos conflitos nos processos de planejamento urbano, tanto nos processos ditos tradicionais, como no planejamento participativo, tem sua explicação nas insuficientes análise e importância dada (d)à cidade que já existe e seu potencial de influir sobre o futuro. Esse pode ser um novo papel para os técnicos e pesquisadores no campo do planejamento do futuro da cidade: uma leitura não apenas técnica e comunitária, mas também científica da cidade. Uma leitura que vá além das descrições de suas partes, infraestruturas, das suas desigualdades e de suas “tendências e vocações”; que não seja restrita apenas à forma, mas que mergulhe também no seu conteúdo, no seu sentido como espaço de vida da sociedade – o espaço urbano (Pereira, Santos, no prelo, p.18). Considerações conclusivas

A análise das condições particulares das oito cidades catarinenses estudadas nos permitiu corroborar o estudo de Lígia Lüchmann (2003) sobre as condições necessárias para uma participação de qualidade num processo de elaboração de políticas públicas urbanas pós Estatuto da Cidade: a vontade política do poder público envolvido, as condições institucionais existentes para a participação e a tradição associativa da população envolvida contribuem para a efetividade de um processo participativo. Permitiu-nos igualmente perceber o papel importante exercido pelos técnicos de urbanismo no processo participativo, sejam eles ligados diretamente ao quadro técnico das prefeituras, sejam eles pertencentes a consultorias contratadas para elaboração de planos diretores. Vimos que existe uma grande variabilidade quanto a postura desses técnicos em relação à participação e, ao mesmo tempo, certo mal-estar entre muitos deles com o processo participativo. A nosso ver, esse mal-estar nasce da indefinição dos papéis de cada um dos atores no processo de planejamento contemporâneo. Por fim, mas não menos importante, nossa pesquisa nos

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levou à reflexão sobre a contribuição específica da abordagem geográfica para a compreensão de processos de planejamento urbano; o estudo do espaço urbano é condição central para o exercício do planejamento e a análise de experiências de planejamento, participativos ou não, pois é sobre o que existe e já exerce influência que vai ser instalado e iniciado o novo.

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