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Este tipo de adoção não se equipara dentro do instituto da adoção, pela forma como é levada a efeito. Deste modo, podendo o filho buscar a legitimidade de reconhecimento de filiação biológica, independentemente da existência de filiação socioafetiva90.

A intenção de formar um núcleo familiar deveria almejar a adoção do filho da companheira, e não o seu indevido registo, como nos explica Maria Berenice Dias91:

Como a adoção é irrevogável (ECA 39 §1º), não se pode conceder tratamento diferenciado a quem faz uso de expediente ilegal. Inquestionável a vontade de quem assim age em assumir a paternidade, não podendo ser aceiro arrependimento posterior. Imperativo prestigiar a posse de estado de filho de que desfruta o registrado, na medida em que se constitui uma filiação socioafetiva. Ainda que seja obstaculizado ao pai a desconstituição, igual impedimento não existe com relação ao filho, que pode fazer uso da ação anulatória do registro, pois está a vindicar seu estado de filiação.

Fernandes92 nos esclarece melhor a adoção socioafetiva, mostrando que nos casos concretos, verifica-se mais o reconhecimento de paternidade do que a responsabilidade da maternidade:

A adoção simulada, ou adoção a brasileira, ou ainda, adoção socioafetiva, vem a ser situação em que alguém assume a paternidade ou a maternidade sem o devido processo legal, sendo o reconhecimento de um estado de fato real e existente num determinado período de tempo.

O Brasil avançou muito na doutrina jurídica especializada em filiação socioafetiva, constituída na convivência familiar, independentemente da origem do

90 DIAS, Maria Berenice, Manual do Direito das Famílias, 10 ed. rev., atual. E ampl. – São Paulo:

Editora Revista dos Tribunais, 2015, p.495

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DIAS, op. cit., 2015, p.495

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FERNANDES, Alexandre Cortez, Direito Civil – Direito de Família, Caxias do Sul, RS: Educs, 2015, p 301

filho. Agrupando duas realidades: a integração definitiva da pessoa no grupo social familiar; e a relação afetiva tecida no tempo entre quem assume o papel de pai e quem assume o papel de filho. Essa integração só foi possível por que o direito brasileiro mudou a partir da constituição de 1988, cujas algumas linhas em matéria das relações familiares no Código Civil de 2002. Paulo Lôbo93 ainda nos fala sobre o ponto essencial da relação socioafetiva:

O ponto essencial é que a relação de paternidade não depende mais da exclusiva relação biológica entre pai e filho. Toda paternidade é necessariamente socioafetiva, podendo ter origem biológica ou não- biológica; em outras palavras, a paternidade socioafetiva é gênero do qual são espécies a paternidade biológica e a paternidade não-biológica. Tradicionalmente, a situação comum é a presunção legal de que a criança nascida biologicamente dos pais que vivem unidos em casamento adquire o status jurídico de filho. Paternidade biológica aí seria igual a paternidade socioafetiva. Mas há outras hipóteses de paternidade que não derivam do fato biológico, quando este é sobrepujado por outros valores que o direito considera predominantes.

Ainda para aqueles que veem necessidade na distinção entre genitor e pai, diz Paulo Lôbo94 que:

Pai é o que cria. Genitor é o que gera. Esses conceitos estiveram reunidos, enquanto houve primazia da função biológica da família. Afinal, qual a diferença razoável que deva haver, para fins de atribuição de paternidade, entre o homem dador de esperma, para inseminação heteróloga, e o homem que mantém uma relação sexual ocasional e voluntária com uma mulher, da qual resulta concepção? Tanto em uma como em outra situação, não houve intenção de constituir família. Ao genitor devem ser atribuídas responsabilidades de caráter econômico, para que o ônus de assistência material ao menor seja compartilhado com a genitora, segundo o princípio constitucional da isonomia entre sexos, mas que não envolvam direitos e deveres próprios de paternidade.

Em novembro de 2017 o CNJ publicou o provimento 63/2017 que regulou o procedimento de reconhecimento de filiação socioafetiva, perante os Ofícios do Registro Civil das Pessoas Naturais, esse provimento vem apenas para consolidar essa possibilidade95.

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LÔBO, Paulo Luiz Netto, PATERNIDADE SOCIOAFETIVA E O RETROCESSO DA SÚMULA 301-

STJ, acessado em 13/09/2018. Disponível: http://www.ibdfam.org.br/_img/congressos/anais/37.pdf

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LÔBO, op. cit., acessado em 13/09/2018. Disponível: http://www.ibdfam.org.br/_img/congressos/anais/37.pdf

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SOUZA, Carlos Magno Alves de, Especialista em Direito Notarial e Registral pela Universidade Anhanguera e em Direito Público pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Revista Consultor Jurídico, 2017. Acessado em 05/09/2018. Disponível: https://www.conjur.com.br/2017-dez- 03/carlos-souza-cnj-cria-regras-reconhecer-filiacao-socioafetiva#author

O Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul (TJMS), em recente decisão, entendeu que é pacífica a jurisprudência que permite o reconhecimento de filiação socioafetiva sem que haja adoção. Para o desembargador Alexandre Bastos, enquanto a adoção destitui o poder da família biológica, o registro de crianças por um padrasto ou por casais homossexuais não pressupõe essa mudança.

De acordo com o advogado e presidente do IBDFAM/MG, José Roberto Moreira Filho, o desembargador utilizou-se de sedimentada doutrina e jurisprudências relativas à filiação socioafetiva para fundamentar sua decisão96:

“Se uma criança é tratada por alguém como filho, se essa criança não tem um ou ambos os pais registrados em sua certidão de nascimento, essa pessoa que assim a trata tem todo o direito de reconhecer-se como pai ou mãe dessa criança diretamente no Cartório de Registro Civil competente, e esse reconhecimento será irrevogável e irretratável. Acredito ainda que a legislação adotiva deva ser mudada para que se possa inserir o direito de uma pessoa adotar uma criança sem a necessidade de cadastrar-se previamente, caso reste provada a relação socioafetiva desta pessoa com a criança que pretenda adotar”, afirma.

A paternidade envolve uma série de questões de valores, formação da pessoa humana, adquiridos na convivência familiar durante a infância ou a adolescência. Pai é quem assume os deveres e direito, construída na relação afetiva, assume os deveres de realização dos direitos fundamentais da pessoa em formação, “à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar” 97

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