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Adolescência, práticas esportivas e a cobrança por resultados

A visão psicossocial do esporte auxilia os pesquisadores de diversas áreas do rendimento a constatar a existência de uma engrenagem responsável pela criação de uma máquina de fazer atletas.

Jovens atletas começam suas jornadas frenéticas pela busca do resultado sem, muitas vezes, a orientação e preocupação diante do desenvolvimento das demais dimensões de sua integralidade - fundamentais para o desenvolvimento humano e social (SINGER, 1977). Tais possibilidades de atuação são concebidas

partindo de um viés educacional ou recreativo. No entanto, poderá variar de acordo com a condução que os profissionais envolvidos imprimem, especialmente aos objetivos dos familiares nessa participação (KORSAKAS, 2002). Afinal, as ações

adultas acabam por permear todas as práticas esportivas oferecidas, sejam elas realizadas por pais, professores, dirigentes, técnicos ou árbitros. E não apenas no momento da competição, mas também no que se refere aos princípios e valores que regem o ensino e a prática dos esportes.

No caso da família, sua função primordial é socializar os valores da cultura, ou seja, educar as novas gerações de acordo com os padrões e valores vigentes. Além disso, as funções materna e paterna representam e constituem proteção e cuidado, essenciais ao desenvolvimento da criança e do adolescente – que servirão de base para seus processos de socialização.

Nos dias de hoje, as funções de cuidado são compartilhadas também com agências socializadoras, ou seja, há uma intensa carga de responsabilidade atribuída às instituições educacionais, como as escolas e os meios de comunicação, dada a grande influência que estas exercem nos modos de vida das crianças e dos adolescentes (BOCK,FURTADO &TEIXEIRA, 2001).

Segundo WEINBERG & GOULD (2011), pesquisas apontam, como principal

motivo que leva crianças e adolescentes a praticarem esporte, o fato de ser este um meio que possibilita a diversão. Entretanto, outras razões que mobilizam a iniciação nas atividades esportivas também são referendadas nos estudos, como a prática de exercícios e melhoria da forma física, o desenvolvimento e otimização de habilidades, o estabelecimento de novas amizades e a manutenção desses vínculos, bem como o pertencimento a uma equipe e, ainda, a participação em competições, que surgem como desafios a serem superados.

É inegável que o esporte e o exercício físico apresentam contribuições efetivas na formação dos atletas, afinal, relações interpessoais e construções de vínculos são possíveis mediante suas práticas, bem como o aprendizado e aperfeiçoamento de habilidades motoras. Além disso, podem ocorrer ganhos cognitivos quando o adolescente assimila informações evocadas por meio de uma orientação desenvolvendo, assim, a capacidade de abstração e ampliando o seu vocabulário; e no aspecto psicológico, através de vivências por parte dos atletas- adolescentes das experiências que envolvam autoconfiança, autoestima, autoimagem e controle emocional (WEINBERG &GOULD, 2011).

Como dito anteriormente, e refletindo acerca dos efeitos negativos do esporte de alto rendimento, podemos pensar no fenômeno de burnout, ou seja, na situação de abandono da prática esportiva devido a um esgotamento físico, emocional e psicológico. Entre as explicações, encontramos cobranças excessivas exercidas por pais e treinadores envolvidos nesse processo, ou até mesmo na falta de estímulo destes nas modalidades desempenhadas pelos filhos; ausência de prazer dos atletas no cumprimento das atividades de treinamentos e competições por apresentarem um nível mais profissional e menos lúdico; a impossibilidade de uma vida social

semelhante à de outros adolescentes; a necessidade de seguir uma dieta alimentar e, ainda, o adiamento dos novos sonhos e objetivos, relacionados aos projetos de vida que são sinalizados mediante o avançar da faixa etária (18 anos de idade) ou devido à instabilidade que a profissão de atleta oferece (EPIPHANIO, 2002).

O mesmo autor relaciona, ainda, como um dos motivos de abandono dos esportes pelos atletas, a realidade excludente do esporte de alto rendimento, que não dá espaço àqueles que não obtêm sucesso. Os atletas-adolescentes, a partir daí, passam a almejar profissões mais seguras, mostrando-se interessados em uma formação superior ou pelo ingresso no mercado de trabalho, o que favoreceria a conquista da independência financeira. De forma geral, os jovens apresentam-se de modo conservador, no sentido de que:

[...] almejam a família como a dos pais; almejam o trabalho que dá realização pessoal e permite retribuição financeira; esta, por sua vez, é condição básica para a aquisição dos bens que a sociedade oferece: querem carro, casa, viagens, enfim, uma vida confortável. Os estudos aparecem como sonho para alguns, como obrigação para outros. A profissão é motivo de preocupação para muitos. [...] (BOCK &LIEBESNY, 2003, p. 206- 207).

Segundo AMAZONAS (2010), os jovens compartilham a ideia de que o caminho

para a inserção no mundo do trabalho é por meio dos estudos, o que é corroborado também por TRINDADE & SOUZA (2009), quando afirmam que desde muito cedo a

criança aprende que o caminho para um bom futuro, uma boa profissão, está na escola. AMAZONAS (2010) traz um dado importante referente à estruturação da família

destes jovens que está diretamente relacionada ao trabalho - um valor diferenciado devido à possibilidade de constituírem suas próprias famílias com a independência financeira e lugares sociais ocupados.

Esta preocupação com autonomia financeira é recorrente entre os atletas- adolescentes do esporte de alto rendimento. Entretanto, muitas vezes, eles optam por postergar tal condição de trabalhador, bem como de estudante, para viver de

forma intensa a vida atlética, se colocando em uma posição desfavorável e tardia no mercado de trabalho, em busca de realizações no contexto esportivo.

Segundo BOCK & LIEBESNY (2003), os jovens não buscam o trabalho apenas

como fonte de renda, mas como uma atividade que lhes traga realização e que lhes permita um vínculo com a sociedade. Por outro lado, esta ideia pode também se relacionar ao prolongamento da vida esportiva dos atletas que, no alto rendimento, constitui-se como uma relação de trabalho. Situamos que o diferencial dessa relação se refere, na maioria das vezes, à ausência de garantia financeira para a prática esportiva. Entretanto, parece haver, para os atletas-adolescentes, outros ganhos relacionados aos sentidos subjetivos de suas experiências.

A prática profissional e exclusiva do esporte não aparece, portanto, para todos como uma possibilidade para conquistar a independência financeira, pois a realidade brasileira demonstra claras dificuldades de planejamento e investimento na carreira esportiva, o que provoca nos atletas a busca por outras possibilidades que visem o seu desenvolvimento laboral e que, certamente, não incluem o exercício profissional dos esportes. Salvo as exceções de atletas que optam pela prática profissional do esporte e fazem deste sua fonte de sobrevivência, pareceu-nos existir uma inversão de sentido: os esportes é que escolhem os atletas, dependendo de suas habilidades técnicas para este fim, e apenas deste modo lhes serão garantidas condições favoráveis aos treinamentos (BERTUOL &VALENTINI, 2006).

Cabe aqui uma reflexão, proposta por KORSAKAS (2002), acerca da prática de

esportes com fins educativos por mostrar-se excludente, ou seja, pautada na seleção e especialização de poucos. Pensamos, então, no desenvolvimento daqueles atletas- adolescentes que, por não fazerem parte de um seleto grupo de vencedores, abandonam o esporte. Neste caso, o abandono não ocorre por falta de interesse pela prática competitiva, mas devido à falta de oportunidades concretas para que estes continuem a exercer esta atividade. Ou, ainda, naqueles que possuem habilidades técnicas de nível compatível com o exigido, mas que não conseguem lidar com todas as dificuldades que permeiam o esporte de alto rendimento. Estes questionamentos fortalecem a pertinência da investigação dos sentidos atribuídos à vitória/derrota

(AMBLARD, 2012). Afinal, o que faz com que os participantes continuem a se dedicar à

participação esportiva em formatos tão rigorosos?