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Advérbios de quantificação e condicionais

No documento Semântica de condicionais e contexto (páginas 104-107)

4 O CONDICIONAL COMO RESTRITOR

4.2 Advérbios de quantificação e condicionais

No artigo “Adverbs of quantification”, de 1975, Lewis tratou da representação de sentenças contendo advérbios como ‘sempre’, ‘às vezes’, ‘nunca’ (em inglês ‘always’, ‘sometimes’, ‘never’), e outros. Supondo que tais advérbios sejam quantificadores, ele discute, em primeiro lugar, a que tipo de entidade eles se aplicariam. Tais advérbios, diz Lewis, podem quantificar tempos (momentos, durações), eventos, e entidades abstratas. Para obter uma certa generalidade, o autor prefere dizer então que os advérbios quantificam sobre casos, e define ‘caso’ como uma ênupla de variáveis que ocorrem livres na sentença modificada pelo advérbio. Os casos seriam, então, as valorações admissíveis para as variáveis, como no exemplo, em que vamos supor que as variáveis percorram conjuntos de pessoas:

16. Às vezes acontece que x gosta de y, mas y gosta de z, e z não gosta de ninguém. (adaptado de Lewis 1975: 180)

98 “num quadro de quantificação restrita, some [algum] e all [todo] estão em posições correspondentes em estruturas lógicas idênticas quanto ao resto [...]. Entretanto, num quadro de quantificação irrestrita, some e all não apareceriam em posições correspondentes em estruturas lógicas idênticas quanto ao resto.”

99 É importante notar que Kratzer não especifica, no artigo mencionado, se seria preciso garantir que (∀xCx)Ax só fosse verdadeira quando o subconjunto do domínio determinado por (xCx) não fosse vazio. Na semântica usual para as lógicas de primeira ordem, o domínio da estrutura não pode ser vazio (Mortari 2001: 158; Mendelson 1987: 46). Na descrição de modais como quantificadores, von Fintel (1998: 5) observa que muitos dos (ou todos os) quantificadores lingüísticos carregam uma pressuposição de existência, ou seja, a pressuposição de que o subconjunto do domínio determinado pelo restritor tem pelo menos um elemento. Também Chierchia e McConnell-Ginet (1990: 111-112) falam em pressuposição de existência para os quantificadores lingüísticos, mas consideram que tal pressuposição é pragmática.

No exemplo ocorrem diversas variáveis livres. Diferente dos quantificadores usuais ∃ e ∀, ‘às vezes’ não seria seletivo, não incidindo sobre uma variável única, mas sobre todas elas, e os casos para 16 seriam todas as quádruplas100 ordenadas de valores permitidos para x, y e z.

Nesse artigo, Lewis considera que as estruturas condicionais lingüísticas – mais especificamente os condicionais não-contrafactuais – são um recurso versátil (“the most versatile device”) para restringir quantificadores, e são representadas também por meio de casos, isto é, ênuplas de variáveis, como explicitado em 18 e 20:

17. Se alguém tem um burro, sempre bate nele de vez em quando.

18. Sempre, se x é uma pessoa, se y é um burro, e se x possui y, x bate em y de vez em quando. (adaptado de Lewis 1975: 179, 185)

19. Se alguém vai comprar pão, geralmente paga em dinheiro.

20. Geralmente, se x é uma pessoa, se x vai comprar pão, x paga em dinheiro. (adaptado de Kratzer 1986: 4)

O condicional foi repetido, em 18 e em 20, para cada participante do caso e para cada predicado, mas Lewis considera que é melhor supor que o condicional restringe o caso como um todo, e não os participantes separadamente. Assim, seria melhor considerar as versões acima como sinônimas de:

21. Sempre, se x é uma pessoa, y é um burro, e x possui y, x bate em y de vez em quando. 22. Geralmente, se x é uma pessoa, e x vai comprar pão, x paga em dinheiro.

Such compression is always possible, so we would not have gone far wrong to confine our attention, for simplicity, to the case of restriction by a single if-clause.101 (Lewis 1975: 184)

O resultado da análise dos condicionais, até este ponto, é que temos uma construção com três elementos: o advérbio de quantificação, a estrutura com ‘se’, e a estrutura modificada a partir

100 Lewis considera para cada exemplo também uma variável temporal, de que não falaremos aqui. A quádrupla inclui valores para x, y e z, e para a variável temporal.

101 “Tal redução é sempre possível, então não erraríamos muito ao concentrarmos nossa atenção, para simplificar, no caso da restrição por uma única estrutura com se.”

do conseqüente do condicional:

ADVÉRBIO ANTECEDENTE CONSEQÜENTE

sempre se x é uma pessoa, ... etc. x bate em y de vez em quando geralmente se x é uma pessoa, ... etc. x paga em dinheiro

O que podemos resumir como: advérbio + se A + C

A seguir, Lewis investiga a possibilidade de combinar “se A” e “C” por meio do condicional material (isto é, A→C), e então teríamos o advérbio de quantificação modificando um condicional material:

advérbio + se A, C

Uma sentença como essa seria verdadeira se o condicional “se A, C” fosse sempre, geralmente, etc., verdadeiro. Ou seja, nos casos admissíveis de valores para as variáveis, teríamos um advérbio quantificando um condicional material. Mas o emprego do condicional material, diz Lewis, não é possível de maneira uniforme para todos os advérbios de quantificação. Se o advérbio for ‘sempre’, é possível interpretar “se A + C” como A→C. Se o advérbio for ‘geralmente’, ao contrário, “se A + C” não pode ser interpretado como A→C. Mesmo sem desenvolver os detalhes, pode-se verificar que as afirmações de Lewis são coerentes com o que já foi exposto acerca de ‘todos’ e de ‘a maioria de’, na seção anterior deste capítulo. Um advérbio como ‘sempre’ quantifica universalmente sobre casos (à semelhança de ‘todos’), de maneira que, se for usado com o condicional material (sempre(A→C)), não será falsificado por casos em que o antecedente é falso. Assim, “Se alguém tem um burro, sempre bate nele de vez em quando” não é falsificado por casos em que x não tem um burro. Por outro lado, uma oração com o advérbio ‘geralmente’, assim como aquelas com o quantificador ‘a maioria de’, se representada com o auxílio do condicional material, pode vir a ser considerada verdadeira mesmo que a intuição lingüística a considere falsa. De maneira muito simplificada, podemos dizer que ‘geralmente’ é parafraseável por ‘na maioria dos casos’. Uma vez que “Se alguém vai comprar pão, paga em dinheiro” – o condicional sem o advérbio – seria verdadeira também quando o antecedente fosse

falso (quando ninguém vai comprar pão), bastaria que tivéssemos, no conjunto avaliado, um número suficientemente grande de casos em que o antecedente fosse falso para fazer com que a sentença quantificada com ‘geralmente’ fosse verdadeira, ainda que na maioria dos casos em que alguém fosse comprar pão não pagasse em dinheiro.

A conseqüência disso, para Lewis, é que um condicional lingüístico não deve ser formalizado por meio do condicional material, nem por qualquer outro operador binário, uma vez que não existe tal operador verifuncional cujas condições de verdade sejam adequadas para todos os advérbios (quantificadores). Assim, nos condicionais não há um operador binário sobre sentenças, mas uma restrição à aplicação do advérbio:

I conclude that the if of our restrictive if-clauses should not be regarded as a sentential connective. It has no meaning apart from the adverb it restricts.102 (Lewis 1975: 184) O antecedente do condicional especifica certas condições que caracterizam o conjunto de situações para as quais se pretende que o conseqüente do condicional seja verdadeiro. A partir dessa análise, Kratzer propõe que se estenda tal tratamento para os condicionais lingüísticos em geral, e não apenas para os condicionais indicativos usados em conjunto com advérbios. Sob tal ponto de vista, os condicionais são um recurso para restringir a aplicação de vários operadores (Kratzer 1986; von Fintel e Heim 2005: 49), como apresentaremos na seção seguinte.

No documento Semântica de condicionais e contexto (páginas 104-107)