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ADVERSÁRIOS, PROTECIONISMO NA PRÓPRIA CASA

Os defensores ideológicos do capitalismo afirmam que a política basea- da no livre-comércio certamente possui várias limitações, mas ainda é o caminho mais eficaz para a produção de riqueza. Eles esquecem que os países centrais jamais adotaram a política livre-cambista para assegurar a condição de país desenvolvido ou de potência imperialista. Os eco- nomistas possuem uma deficiência crônica em sua formação histórica, mas se estudassem a evolução econômica e política dos países centrais, perceberiam muito facilmente que foi exatamente o protecionismo, e não o livre-comércio, que os tornou ricos e poderosos. Mais ainda: foi justa- mente porque se tornaram ricos e poderosos, que estes países sugerem e impõem as políticas liberais aos países periféricos, dependentes, como por exemplo, os países latino-americanos.

É para esconder essa realidade histórica que os cursos de economia não divulgam a obra de Georg Friedrich List, autor de uma obra indispensável na formação dos economistas da periferia capitalista, oSistema Nacional de Economia Política. List escreveu depois de Adam Smith e, em grande medida, dirigiu suas críticas ao que denominou “escola cosmopolita”, atribuindo a Smith muitas posições que jamais foram dele. Na verdade, os liberais modernos atribuíam a Smith posições políticas e teóricas que este jamais defendeu, com o intuito de buscar legitimidade, autoridade, para seus interesses. List afirma que quando percebeu as ilusões (e os interesses) dos defensores do livre-comércio e começou a criticá-los, foi logo caracterizado como “mercantilista”, crítica bastante usual na atua- lidade aos críticos do capitalismo globalizado. Mas List, após profundo estudo da História dos países europeus e dos Estados Unidos, chegou a uma importante conclusão para nós, economistas formados na periferia do mundo capitalista:

Quando alguém conseguiu atingir o ponto máximo de grandeza, é muito comum recorrer ele a um artifício astuto: atira para longe a escada que lhe permitiu subir, para que outros não a usem para subir atrás dele. É nisso que reside o segredo da doutrina cosmopolita de Adam Smith, e das tendências cosmopolitas de seu grande contemporâneo William Pitt, bem como de todos os seus sucessores nas administrações dos governos britânicos.

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oda nação que, por meio da adoção de taxas protecionistas e de restrições à navegação estrangeira, conseguiu aumentar sua força manufatureira e sua nave- gação a tal ponto que nenhum outro país é capaz de manter livre concorrência com ela, nada melhor e mais sábio pode fazer do que atirar para longe essas escadas que serviram para construir sua própria grandeza. (LIS, ����, p.���). Observem que List está (revelando) descrevendo o “segredo” da política dos países centrais, mas ele percebe que a autoridade da doutrina do livre- comércio, que empobrece as nações e as subjuga completamente, era di-  vulgada em nome da autoridade intelectual de Adam Smith. Portanto, não  vacilou em atacar de frente esta autoridade como caminho mais eficaz de lograr não somente notoriedade, mas, sobretudo, eficácia em sua crítica. List tinha claro que se tratava de uma operação de Estado, ou seja, ele sabia que “William Pitt foi o primeiro estadista inglês a perceber com clareza de que maneira se poderia utilizar adequadamente a teoria cosmopolítica de Adam Smith” (����, p.���, grifo nosso) quando, no parlamento britânico, fez um famoso discurso, no ano de ����, dirigido, não aos ingleses, mas aos governantes franceses. A intenção do discurso era conquistar a adesão do governo francês ao ratado de Éden, uma espécie de versão atualizada do famoso ratado de Methuem que liquidou com a indústria têxtil portu- guesa e limitou Portugal à produção de vinho, na mesma medida em que a condenava à eterna condição de país periférico na Europa.

John Kenneth Galbraith (����-����), um liberal de estatura, anotou: “Nunca, desde então, pelo menos no mundo não socialista, um político se comprometeu com tanta coragem com um economista”. Contudo, a visão que Galbraith mantém da obra de Smith é limitada e, mesmo com evidentes resistências, ele termina por entregar o escocês para o mundo burguês. A esse respeito, você pode consultar Anales de un liberal im-  penitente, p. ���, Vol. �, Gedisa Editorial, Barcelona, ����.

Antes mesmo de List, e no mesmo ano em que Adam Smith publicou A ri- queza das nações, devemos recordar a perspectiva de Alexander Hamilton que, em � de dezembro de ����, apresentou, na Câmara dos Deputados dos Estados Unidos, o importanteInforme sobre as manufaturas, no qual os governantes da ex-colônias rejeitam a política livre-cambista da Grã- Bretanha. Hamilton, ajudante de ordens de George Washington na Guerra

Tratado que abriu o mer- cado francês aos produtos ingleses.

Alexander Hamilton (Antilhas, ����/����(?) – ����)

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da Independência, foi o equivalente do Ministro da Fazenda de seu gover- no. NoInforme – traduzido no Brasil somente em ����!!! – rechaçou por completo ainterpretação liberal  de Adam Smith, invocando em seu favor precisamente o primeiro capítulo da obra do escocês, ou seja, realçando a importância da divisão social do trabalho e da conseqüente vantagem da indústria sobre a agricultura, ramo ao qual a Inglaterra pretendia re- duzir os Estados Unidos. Não deixa de ser curioso que, sendo o Brasil um país em que as classes dominantes reafirmam predileção subserviente em relação aos Estados Unidos, esse documento, que na prática funda o império estadunidense, se manteve oculto do grande público e continuou desconhecido pela grande maioria dos economistas até poucos anos atrás. Autores medíocres e perspectivas teóricas irrelevantes são divulgados com pompa e circunstâncias enquanto documentos estratégicos, que revelam o que as classes dirigentes nos Estados Unidos fizeram para que o país se tornasse a potência dominante atual, permanecem ocultos como se fosse um segredo de Estado.

Quais eram os principais argumentos de Alexander Hamilton para a de- fesa do protecionismo e o impulso da manufatura?

Basicamente, recordou a importância da divisão social do trabalho e a am- pliação do uso da maquinaria, ou seja, reforçou os ensinamentos de Adam Smith contra a política da Inglaterra, que pretendia manter os Estados Unidos como uma reserva de grãos. Alegou que o trabalho empregado na indústria produzia mais riqueza do que aquele empregado na agricultura, e que o emprego da maquinaria pouparia trabalho e aumentaria a riqueza nacional. Ademais, Hamilton recordou que os Estados Unidos sofriam, em ����, uma situação que em muito se assemelha à que o Brasil e outros países latino-americanos estão submetidos no início do século XXI. Com efeito, Hamilton afirmava que:

Conseqüentemente, os Estados Unidos estão até certo ponto na situação de um país excluído do comércio internacional. Facilmente, é certo que podem obter do exterior os bens manufaturados que requerem, mas, na circulação e nas vendas dos seus próprios sofrem numerosos e mui prejudiciais impedimentos. E não se trata, tampouco, de uma única nação estrangeira; as regras de vários países com os quais temos extensas relações comerciais interpõem grandes obstáculos ao comércio dos principais produtos estadunidenses. Em semelhante estado de

HAMILTON, Alexander.

Relatório sobre as manufaturas. Movimento de Solidariedade Ibero- Americana, Rio de Janeiro, ����.

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coisas, os Estados Unidos não podem comerciar com a Europa em condições de igualdade e esta falta de reciprocidade os torna vítimas de um sistema que os obriga a restringir as suas aspirações na agricultura e a abster-se das manu- faturas. A constante e crescente necessidade estadunidense de bens europeus e a parcial e ocasional demando dos seus, em troca, os expõe a uma situação de empobrecimento, em lugar da opulência à qual suas vantagens naturais e políticas lhes dão direito a aspirar. (HAMILON, ����, p.��).

O objetivo de Alexander Hamilton era explícito: “compete aos Estados Unidos considerar como podem tornar-se menos dependentes de combi- nações políticas do exterior, boas ou más”. Ao contrário de Hamilton, quan- do List escreveu oSistema Nacional de Economia Política foi favorecido por mais de meio século de cuidadosa aplicação de políticas protecionistas por parte dos Estados Unidos, além do profundo conhecimento histórico que  já possuía a respeito do desenvolvimento capitalista na Europa. Essas lições básicas parecem ser desconhecidas pelas classes dominantes na América Latina quando clamam, nos fóruns ou organismos internacionais, pelo livre-comércio como caminho para a riqueza da nação.

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POR QUE A EXPERIÊNCIA DOS

ESTADOS UNIDOS É OCULTADA NO

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