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3. UMA “NOVA” MODALIDADE ESCOLAR QUE SUSTENTA E ORIENTA AS

3.2 AEE: tecnologia de governamento

Vocês têm na sociedade uma categoria de indivíduos que, seja a título definitivo, por serem idosos ou deficientes, seja a título provisório, por terem perdido o emprego, por serem desempregados, não podem alcançar um certo patamar de consumo que a sociedade considera decente. Pois bem, é para eles e em favor deles exclusivamente que se deveria atribuir o que constitui os benefícios compensatórios, os benefícios de cobertura característicos de uma política social (FOUCAULT, 2008b, p. 280).

Ao deixar de lado o olhar naturalizado sobre as políticas públicas educacionais especiais e partir para o contexto legal das suas práticas, percebe-se uma influência significativa de movimentos e de organismos nacionais e internacionais sobre o investimento nas possibilidades de educação para “todos”.

Podemos dizer que, para a efetivação desse direito de educação no âmbito educacional regular, foi necessário um investimento por parte do Estado no contexto social, político e econômico da escola.

Ao assegurar uma formação educacional de qualidade à população de

“anormais” intentou-se também para o investimento de políticas neoliberais. Afinal ao celebrarmos a diferença estamos celebrando, juntamente, a lógica empresarial, partindo de relações pedagógicas para alcançar as relações econômicas e, é neste cenário político que cada aluno, cada professor e cada gestor empresaria sua própria ação, sua conduta a fim de entrar e participar do jogo econômico disponibilizado pelas práticas pedagógicas inclusivas.

Na racionalidade neoliberal, todos são chamados a participar das suas engrenagens econômicas e políticas, sendo cada um instrumento produtor do jogo inclusivo. Dessa maneira, o AEE possibilita estratégias educacionais para a inclusão de “todos” nesta lógica.

Os saberes promovidos e os poderes investidos sobre a criança com deficiência nos últimos tempos reforçou a implantação de práticas pedagógicas específicas em posição de emergência, operando sobre uma rede discursiva que integra o AEE como uma prática educacional contemporânea nas escolas regulares.

Tais manobras educacionais não livram o aluno “anormal” da zona do desvio, mas traveste a educação especial, de forma que ela se mantenha viva nas práticas escolares regulares. Neste sentido, o AEE se sustenta enquanto modalidade pedagógica que trata de mecanismos disciplinares os quais estabelecem a norma, reconhecendo a composição e os efeitos que são produzidos por esta norma.

Sendo então o AEE a nova roupagem da educação especial nos espaços escolares, há a permanência da constituição de sujeitos do desvio, porém agora articulados com novas leis e novas formas de materializar os alunos deficientes no movimento in/exclusivo.

O Atendimento Educacional Especializado é “compreendido como o conjunto de atividades, recursos de acessibilidade e pedagógicos, organizados institucional e continuamente” (BRASIL, 2011, p. 2), esse serviço é previsto pela Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva desde 2008 e descrito no Decreto 7.611 de 17 de novembro de 2011, devendo ser “prestado das seguintes formas: I – complementar à formação dos estudantes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento (...), II – suplementar à formação de estudantes com altas habilidades ou superdotação” (BRASIL, 2011, p. 2).

A escola regular como lócus de “acolhimento” de alunos público alvo das ações inclusivas necessita de formulações discursivas que determinem atuações pedagógicas também inclusivas. Nesse sentido, o AEE também implanta mecanismos de controle para gerenciar e regular o aluno no seu processo escolar, com isso, ainda há uma responsabilização da educação especial com relação à educação inclusiva, pois ela “se realiza em todos os níveis, etapas e modalidades de ensino, tendo o AEE como parte integrante do processo educacional” (BRASIL, 2009, p. 1).

Nessa dinâmica, a escola pretende operar com um conjunto de práticas pedagógicas que articulem o ensino regular e o ensino especial possibilitando diferentes formas de governo. Ao trazer todos para “dentro” do processo inclusivo educacional, vê-se uma estratégia econômica sendo colocada em funcionamento, pois alicerçado no discurso de direitos humanos o Estado consegue concretizar o objetivo de favorecer a lógica neoliberal.

O objetivo do AEE é potencializar intervenções pedagógicas para o pleno processo de escolarização dos alunos público alvo da educação inclusiva e, favorecendo tal processo, existe a garantia de acesso e permanência de todos os alunos nas salas de aula regular.

Art. 3o São objetivos do atendimento educacional especializado:

I - prover condições de acesso, participação e aprendizagem no ensino regular e garantir serviços de apoio especializados de acordo com as necessidades individuais dos estudantes;

II - garantir a transversalidade das ações da educação especial no ensino regular;

III - fomentar o desenvolvimento de recursos didáticos e pedagógicos que eliminem as barreiras no processo de ensino e aprendizagem; e

IV - assegurar condições para a continuidade de estudos nos demais níveis, etapas e modalidades de ensino (BRASIL, 2011, p. 2).

Mas antes que se pense que o AEE é somente um atendimento diferenciado, é necessário ir mais além ao seu fundamento. Visto que tem como condição de possibilidade inicial a política de educação inclusiva a qual regulamenta a vinda dos alunos antes excluídos para as salas de aula regular, caracterizando as escolas antes regulares em regulares inclusivas, dispondo de um professor especializado para a organização dos espaços e serviços adequados ao aluno “especial”.

Transporta novos saberes para dentro do espaço regular que rapidamente investe em novos poderes, subjetivando sujeitos discentes e docentes à discursividade envolta na dinâmica inclusiva. Assim, a partir da produção desses discursos a manifestação do governamento, constitui-se como estratégia para a condução de uma conduta que produz efeitos inclusivos. Por isso, para a sua organização a escola deve institucionalizar:

I – sala de recursos multifuncionais: espaço físico, mobiliário, materiais didáticos,recursos pedagógicos e de acessibilidade e equipamentos específicos;

II – matrícula no AEE de alunos matriculados no ensino regular da própria escola ou de outra escola;

III – cronograma de atendimento aos alunos;

IV – plano do AEE: identificação das necessidades educacionais específicas dos alunos, definição dos recursos necessários e das atividades a serem desenvolvidas;

V – professores para o exercício da docência do AEE;

VI – outros profissionais da educação: tradutor e intérprete de Língua Brasileira de Sinais, guia-intérprete e outros que atuem no apoio, principalmente às atividades de alimentação, higiene e locomoção;

VII – redes de apoio no âmbito da atuação profissional, da formação, do desenvolvimento da pesquisa, do acesso a recursos, serviços e equipamentos, entre outros que maximizem o AEE (BRASIL, 2009, p. 2).

A partir disso, uma peça é fundamental na engrenagem que ora se apresenta:

o professor do AEE. Um profissional que se constitui a partir ou através das tecnologias de governamento.

Ao se produzir a inclusão como um movimento que garante a educação de

“todos” os alunos, produz-se também a necessidade de um docente que dê conta da diferença no espaço escolar, um docente flexível, aberto a naturalização do processo in/exclusivo, em que o discurso neoliberal rege a sua conduta e a conduta dos seus alunos. Dito de outra forma, este docente deve seguir a tendência contemporânea de formação profissional, com uma postura constante de

inacabamento, de autoinvestimento, de autogovernamento, um professor disposto a seguir as orientações inclusivas.

Um professor pastor, que conduz seu rebanho no regime da governamentalidade neoliberal, um professor que saiba conduzi-lo adequadamente para longe do risco, que o reconheça em sua coletividade e individualidade. Um sujeito docente que saiba usar ferramentas, criar estratégias e laçar táticas pedagógicas a fim de colocar em prática o governamento.

3.3 O AEE como produtor de efeitos na formação de professores na lógica