• Nenhum resultado encontrado

Para análise de um programa que busca intervir na situação de pobreza no Brasil, precisa-se pensar em parâmetros que busquem reduzi-la, de preferência de forma que não

18 aja regressão a patamares anteriores à aplicação da política. Deddecca, et al (2012) citam a necessidade de uma perspectiva multidimensional que vise pobreza no campo além da perspectiva monetária, pois a pobreza tem um caráter dinâmico, sendo necessário entender o desafio do combate à pobreza em dimensões do desenvolvimento socioeconômico.

A partir dos anos de 1980, com o crescimento de políticas liberais, muitos países foram desafiados a pensar na pobreza, já que o número de desempregados aumentou. Em países desenvolvidos a busca e a exigência de serviços de amparo social, devido a redução do papel do Estado de bem estar social foram crescentes. Porém, com isso a ampliação dos serviços ampliaria os gastos públicos. De outro lado, a crescente exigência de austeridade inibia os aumentos desses gastos. O mercado de trabalho reduzido também não era uma via de saída, já que não havia crescimento econômico e a procura por serviços sociais aumentava.

Nos países em desenvolvimento, o processo de industrialização havia aumentado as diferenças sociais e a diminuição de financiamento externo impactava no mercado de trabalho, pondo em xeque a própria sustentação das condições econômicas e sociais

alcançadas (DEDDECCA, et al 2012. p.19). Segundo os autores, com a situação econômica e política no final do século XX, a preocupação com a pobreza volta a ser pauta, mas entra em conflito com as questões econômicas e fiscais, que passam a ser obstáculo para o aumento de gastos públicos. Ao mesmo tempo procurava-se a eficiência dos gastos, com a reorganização de programas. Algumas políticas foram focadas de forma a gerar um tipo de proteção social associada ao trabalho e uma diminuição da orientação de proteção social universal. Os mesmos autores citam a tipologia proposta por Esping- Andresen (1990) que identifica três modelos de políticas que regulação e proteção social:

a. Liberal – com baixa proteção universal, uma tendência ao regime de capitalização de proteções (saúde, previdência etc.), realizado por agências privadas contratadas por quem pode pagar.

b. Conservador – com pressões e interesses da igreja e partidos conservadores, baseadas na família e na inserção produtiva como vínculo da proteção social.

c. Social democrata – estruturada a partir da demanda dos trabalhadores organizados, progredindo da proteção ao trabalho à proteção universal.

Deddecca, et al, 2012, comentam sobre as políticas de transferência de renda que começam a surgir na década de 1990, como alternativa para o combate à pobreza. Nessas políticas, porém, há uma desvinculação com a proteção, sendo que a orientação seria de

19 que a população buscasse saídas próprias para sua condição. A identificação dessas famílias teria de ser associada a alguma referência, que seria a condição de pobreza a um nível básico de renda. Um dos indicadores elaborados pelo Banco Mundial trata como condição de pobreza extrema (ou miséria) a renda familiar per capta de U$1,25 diário. Esse parâmetro se tornou um indicador que ganhou força em instituições internacionais. Essa tendência, à época, acaba por fomentar a transição de um modelo de proteção universal para um modelo de proteção a uma faixa da população.

Em um contexto de debilidade das condições de financiamento das políticas públicas, esta perspectiva encontrou um ambiente favorável para sua legitimação de forma que prosperassem os programas de combate à pobreza com maior foco na transferência direta de renda com menos presença do Estado, na gestão e na oferta de política pública de proteção social. A desarticulação da política de combate à pobreza com as demais políticas sociais foi uma das consequências produzidas pela nova orientação. Se no ponto de vista da renda, a diretriz atenuava uma dimensão de pobreza, se observou pouco avanço nos demais indicadores. A dependência de renda das famílias não assumiu um caráter transitório, mas permanente (DEDDECCA, et al, 2012. p 24)

A partir da reflexão sobre as inconsistências, outros parâmetros começam a ser pensados para a referência da condição de pobreza.

É possível encontrar uma crítica, mesmo que rápida ou velada da abordagem monetária do problema da pobreza e o reconhecimento explícito da impossibilidade de combatê-la sem incorporar o tema da desigualdade e o acesso amplo e adequado aos bens públicos, propiciados particularmente pela política social. São reconhecidos os determinantes sociais e coletivos do problema da pobreza. Em termos objetivos, atenua-se fortemente a possibilidade de logro da condição de pobreza a partir de uma perspectiva individual, retomando-se aquela que reconhece a importância das estratégias das famílias, mas considera que esta só poderá ser exitosa se bens e serviços públicos coletivos lhes estiverem adequadamente disponibilizados (DEDDECCA, et al, 2012 p. 26)

Para elaboração de indicadores multidimensionais de pobreza, segundo esses autores, deve-se levar em conta o desenvolvimento de bases de informação. O Censo Demográfico pode ser tomado como um exemplo de base acessível, considerando que há, atualmente, uma velocidade de disponibilização dessas informações. No Brasil, ainda é possível a utilização de outras bases administrativas de informação - como o CadÚnico2. Nessas bases, inúmeras informações são possíveis de serem observadas, além da renda, para obter um critério multidimensional.

2O Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal (Cadastro Único) é um instrumento que identifica e caracteriza as famílias de baixa renda, permitindo que o governo conheça melhor a realidade socioeconômica dessa população. Nele são registradas informações como: características da residência, identificação de cada pessoa, escolaridade, situação de trabalho e renda, entre outras. ( Disponível em:

20 Como apontado anteriormente à renda corrente auferida por uma família é considerada como referência básica para mensuração e análise da população em situação de pobreza, mesmo em uma perspectiva analítica multidimensional. (DEDDECCA, et al, 2012. p.39)

Os autores, fazendo levantamento de vários indicadores, com base no CadÚnico e no Censo, observam uma incidência de desvantagem nos domicílios pobres quando comparados aos domicílios não pobres (os autores analisaram – inserção ao mercado de trabalho, renda familiar, acesso à terra, acesso à educação; perfil demográfico, condições de vida). Na maioria dos indicadores é encontrada uma situação de desvantagem para os

domicílios pobres rurais. Mesmo quando esses possuem indicadores próximos a domicílios não pobres. (DEDDECCA, et al, 2012.p. 44)

Esses autores indicam a necessidade de um esforço na ampliação de políticas sociais para diminuição da desigualdade apontada pelos indicadores socioeconômicos entre os pobres rurais. Sugerem, considerando a complexidade, que a estratégia para atingir a pobreza rural exige uma estratégia de articulação entre políticas de transferência de renda

e de educação fundamental e o programa Território da Cidadania (DEDDECCA,et al, 2012 p. 46).

Apesar da pobreza rural ter diminuído, ainda é um problema a ser pautado nas políticas públicas no Brasil. Grande parte do declínio da pobreza é relacionada a inovações das políticas de seguridade social. É uma pobreza heterogênea entre regiões e tipos de famílias (HELFAND E PEREIRA, 2012). Os autores, ao discutirem determinantes da pobreza rural, levantam algumas questões interessantes sobre a condição do homem do campo. A família rural está inserida em muitos ambientes – os quais podem ser considerados como o ambiente físico, social, ambiente jurídico, institucional, político e econômico. No ambiente físico há particularidade do meio ambiente que o cerca, o agroecossistema, que envolve os recursos naturais necessários para o seu trabalho e sobrevivência. O social se relaciona à sua classe e a certas normas de comportamento. A jurídica e institucional inclui as regras a que estão submetidos ou inseridos, sendo que neste caso, essas regras têm influencia do cenário político. O econômico se relaciona com a comercialização em níveis locais ou mais extensos. Todos esses cenários formam e modulam as estratégias de sobrevivência do grupo familiar. Pode-se, aqui incluir o fator cultural, que vai influir também nas questões de reprodução desse rural.

O capital do homem do campo se relaciona ao financeiro, físico e social. Sendo que o número familiar influencia na distribuição e captação desse capital. Com o objetivo de gerar renda as famílias criam estratégias e praticam atividades agrícolas e não agrícolas.

21 Essas estratégias ou atividades sofrem influencia e podem ser afetadas por fatores não controlados (coletivos ou individuais) (HELFAND E PEREIRA, 2012). Portanto, o fator renda no campo tem um caráter dinâmico, que pode se alterar mediante uma diversidade de fatores. Segundo os autores, ainda há uma concentração de pobreza no nordeste brasileiro e a realização de ações que possibilitem acesso a terra, aumento de produtividade, escoamento da produção, acesso ampliado à educação (técnica e formadora), entre outras, seriam opções de ações positivas para o desenvolvimento rural.

Mediante as observações, a pobreza não é referente apenas à renda, mas a uma série de outros fatores entremeados à vida do trabalhador, sendo que no campo ela é ligada a fatores que também incluem circunstâncias abióticas e bióticas, às quais a produção está suscetível.

A renda, apesar de ser um fator importante, dado que dela advém possibilidades de acesso a variedades de alimentos, vestuário e outros bens, apenas ela não resolve problemas de ingresso em políticas necessárias a uma mudança efetiva de condições das famílias rurais. Nesse trabalho, busca-se abordar a coligação do fator renda com outros acessos propostas pelo Plano, na tentativa de aferir que tipo de mudança ou melhoria da vida dos pescadores é possível alcançar com a política de fomento às atividades produtivas rurais. Porém cabe lembrar que as políticas envolvem a elevação da renda como objetivo; o que se tenta é avaliar um pouco além, tentando perceber quais outros benefícios são possíveis de se identificar.

22

Documentos relacionados