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Afinal: o que entendemos por gênero?

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CAPÍTULO II Sobre mulheres, processos de escolarização e relações de gênero na educação

2.1 Afinal: o que entendemos por gênero?

As relações entre o conceito de gênero e seu uso gramatical são evidentes. Gênero, na gramática, classifica feminino e masculino, definidos e separados. As implicações sobre o uso do termo pelos movimentos feministas desde a década de 1970 para cá dependem da interpretação que é dada ao termo, que podem ser diversas. Saffioti (2004, p. 45) nos lembra que “cada feminista enfatiza determinado aspecto do gênero, havendo um campo, ainda que limitado, de consenso: o gênero é a construção social do masculino e do feminino”. Este conceito busca definir, com base na interpretação que a ele é dada, como se organizam as relações entre pessoas de sexos distintos na sociedade, como são classificadas, tomando por base este referencial.

Utilizando a concepção de Joan Scott como parâmetro na definição do conceito de gênero, consideramos este uma categoria de análise das dinâmicas sociais. A definição de gênero, para esta autora, “baseia-se na conexão integral entre duas proposições” (1995, p. 74). Na primeira delas, afirma que a partir das construções socioculturais, que se reproduzem através de práticas e discursos cotidianamente reafirmados, diferentes papéis são atribuídos aos sexos. Nesse sentido, esta afirmação reforça a ideia de que as determinações de papéis diferentes e específicos para homens e mulheres, baseadas nas diferenças anatômicas e biológicas, não passam de construções sociais sobre os corpos. Esta ideia propicia uma condição hegemônica de dominação histórica de indivíduos do sexo masculino sobre os de sexo feminino.

É a partir destas relações de poder, estabelecidas entre seres humanos, que têm amplos reflexos na nossa realidade social, que existe o favorecimento da dominação de um grupo sobre outro(s), neste caso de homens sobre mulheres. Nesta ideia repousa a segunda proposição de Scott em relação ao conceito de gênero.

Scott afirma que gênero é “uma forma primária de dar significado às relações de poder” (1995, p. 91). Os gêneros são, portanto, construídos e repetidamente reproduzidos pelas e nas práticas sociais e é inegável a pluralidade de representações de masculino e feminino, não apenas em diferentes sociedades e tempos históricos, mas também dentro de grupos ‘minoritários’ pertencentes ao mesmo tempo/espaço social. Desta forma, percebemos que as relações de poder que entremeiam todo este processo “não se encontram em posição de exterioridade com respeito a outros tipos de relações (processos econômicos, relações de conhecimento, relações sexuais), mas lhe são imanentes” (FOUCAULT, 1985, p. 90). Afinal, como nos adverte o próprio Foucault, o poder “se produz a cada instante, em todos os pontos, ou melhor, em toda relação entre um ponto e outro” (1985, p. 89), se reproduzindo constantemente, de forma dinâmica, como causa e consequência das relações.

Podemos afirmar, partindo destes princípios, que gênero é uma categoria analítica e política, que busca contrapor e discutir a realidade de dominação social, onde características biológicas são sobrepostas uma à outra (o sexo masculino sobre o feminino). Segundo a mesma autora, existe todo um legado social e histórico construído, embasado em tais condições, empoderando homens sobre as mulheres. Ou seja, o conceito de gênero, na perspectiva aqui apresentada, nos permite discutir como as características sexuais, portanto biológicas, são trazidas para a prática social e de que modo estas representações conformam uma relação de dominação.

Vivemos em uma sociedade ‘generificada’, onde todas as práticas, costumes e instituições são moldados a partir das relações de gênero, além das relações etnicorraciais e de classe. O poder conferido ao homem branco de classe média faz parte de nosso imaginário, está inculcado em nós e cotidianamente podemos perceber que este fato é realmente inconteste. Em relação aos atributos femininos e masculinos, tão proclamados, os vivenciamos desde a infância e eles se tornam ainda mais evidentes na fase adulta, quando geralmente nos casamos, geramos filhos e constituímos família (sendo isso de nossa plena vontade ou por imposição social). Com isso, muitas vezes, as mulheres acabam se voltando para papéis considerados tipicamente femininos, tais como: cuidado com a família e com o lar.

São estes atributos que fundamentam as relações de gênero, “socialmente construídas no contexto do patriarcado” (ROSEMBERG, PIZA & MONTENEGRO, 1990, p.4). Esta “oposição binária” forçada condiciona e forja comportamentos

determinados para mulheres e homens (meninas devem ser delicadas e frágeis; meninos precisam ser fortes e viris), e, com isto, esconde as diferenças entre as próprias mulheres, o grupo oprimido, que precisa reprimir seus desejos, vontades, suas sexualidades e subjetividades, para serem aceitas e bem vistas de maneira geral na sociedade. Esta visão é reproduzida por diversas instituições e na escola não é diferente, como veremos mais adiante.

Entretanto, como afirma Foucault (1985, p. 91), “lá onde há poder há resistência”. Ainda que os obstáculos insistam em permanecer, podemos verificar mudanças no cenário da educação para mulheres no Brasil.Tais mudanças têm relação com os muitos aspectos relativos ao gênero que, antes mesmo desta definição aqui destacada ser concebida, foram inerentes às lutas feministas pelos direitos das mulheres. No que diz respeito ao acesso à escolarização, esta luta vem sendo travada cotidianamente até hoje, quando meninas e mulheres abandonam e retornam às escolas por conta de seus papéis sociais ‘generificados’. Estes papéis, já naturalizados, refletem seu processo de escolarização, tornando-o mais difícil e cansativo do que para os homens. Apesar disto, as mulheres, que constituem pequena maioria na população brasileira, estão em maior número que os homens nas escolas e universidades, diferente de algumas décadas atrás, quando até o acesso à escolarização para elas era dificultado.

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