• Nenhum resultado encontrado

O que sabemos efetivamente sobre a educação espartana é o que Xenofonte nos apresenta nos capítulos 2, 3 e 4 da Constituição dos Lacedemônios. O primeiro estágio educacional é o que compreende dos 7 aos 18/19 anos35 do jovem esparciata, onde ele é chamado pelo termo genérico pais (pl. paides). Provavelmente a partir dos 12 anos de idade, o jovem deixa a casa dos pais e vai morar em quarteis com seus contemporâneos até seus 30 anos (Plut. Lic. 16. 12- 14). O segundo estágio se dá ao término do primeiro, quando o jovem, paidiskos (pl.

paidiskoi), completa seus 18/19 anos. Neste período, o jovem fica sob estrito

controle do Estado e é provavelmente quando os jovens controlam companhias (iles) de paides, sendo então chamados pelo termo de eiren (pl. eirenen) (Xen. Const. Lac. 2. 10-11; Plut. Lic. 17. 2). Dos 20 aos 30 anos de idade o jovem adulto é chamado hebon (pl. hebontes), período em que ele já está participando da vida pública, e tornou-se membro efetivo do exército, provavelmente podendo participar de um syssítion (Plut. Lic. 15. 4-7). Durante todo o período educacional que os

33

Estas diferenças sociais são percebidas, por exemplo, através da instituição das syssítia, pois quando um esparciata não conseguia mais sustentar a contribuição obrigatória ele era retirado de seu

syssítion e não mais considerado um homoioi, perdendo assim seus direitos cívicos (HODKINSON,

2002b, p.252). 34

Os hypomeíones eram os espartanos inferiores, destituídos de qualquer direito cívico em Esparta. Xenofonte cita brevemente os hypomeíones em Helênicas (3.3.6). Ver também Uma cidade de iguais

e diferentes: distinção social na Esparta Clássica (SILVA, 2015, p.1511-1522).

35

Hodkinson e Marrou divergem quanto ao tempo do agôgé. Para Marrou (1973, p. 42-43), a educação vai apenas até os 20 anos de idade e esta é dividida em três fases: a primeira dos 7 aos 11 anos de idade, a segunda dos 12 aos 15 anos e a terceira dos 16 aos vinte anos. Aqui optamos pela sistemática de Hodkinson (2002b, p. 242-243), tendo em vista que acreditamos que Marrou tenta encaixar as faixas etárias da educação espartana com as divisões do escotismo (lobinhos, escoteiros e pioneiros). Para além da aproximação que Marrou faz com o escotismo, Hodkinson preenche melhor algumas lacunas que se apresentam, como é o caso dos hebontes que Marrou silencia.

esparciatas deveriam passar, dos 7 aos 30 anos, eles ficavam sob a autoridade máxima do paidónomos (Xen. Const. Lac. 2. 2; Plut. Lic. 17. 2). Apesar de na terceira fase os hebontes já estarem integrados à vida pública, eles ainda estavam sob a autoridade do paidónomos, o qual escolhia um grupo de hebontes para serem

mastigophórous (pl. mastigophóroi), aqueles que portavam chicotes e eram

responsáveis pelos castigos aos mais novos (Xen. Const Lac. 2. 2).

Foucault, no capítulo Direito de morte e poder sobre a vida de seu primeiro livro A história da sexualidade, nos relata que na época clássica há uma mudança nos mecanismos de poder, onde a vida e o fazer viver passam a ter lugar central na política, é o surgimento do biopoder e da biopolítica (1988, p.128-129). Apesar de tais ideias se desenvolverem melhor nos Estados modernos do século XVIII, já se pode ver em Esparta – utilizando aqui a Esparta Clássica e as instituições relatadas por Xenofonte – as mudanças que Foucault observa. O autor desenvolve o tema sobre os mecanismos de poder em sua obra Em defesa da sociedade:

De fato, o nível em que eu gostaria de seguir a transformação não é o nível da teoria política, mas, antes, o nível dos mecanismos, das técnicas, das tecnologias de poder. Então, aí, topamos com coisas familiares: e que, nos séculos XVII e XVIII, viram-se aparecer técnicas de poder que eram essencialmente centradas no corpo, no corpo individual. Eram todos aqueles procedimentos pelos quais se assegurava a distribuição espacial dos corpos individuais (sua separação, seu alinhamento, sua colocação em série e em vigilância) e a organização, em torno desses corpos individuais, de todo um campo de visibilidade. Eram também as técnicas pelas quais se incumbiam desses corpos, tentavam aumentar-Ihes a força útil através do exercício, do treinamento, etc. Eram igualmente técnicas de racionalização e de economia estrita de um poder que devia se exercer, da maneira menos onerosa possível, mediante todo um sistema de vigilância, de hierarquias, de inspeções, de escriturações, de relatórios: toda essa tecnologia, que podemos chamar de tecnologia disciplinar do trabalho (2005, p. 288).

A partir desta citação, podemos entender o agôgé como um destes mecanismos de poder ao qual Foucault se refere, uma verdadeira política de vida da

pólis espartana sobre o seu corpo de cidadãos.

O desenvolvimento dos grandes aparelhos do Estado, como instituições de poder, garantiu a manutenção das relações de produção, os rudimentos de anátomo e de bio-política, inventados no século XVIII como técnicas de poder presentes em todos os níveis do corpo social e utilizadas por

instituições bem diversas [...] operaram também, como fatores de segregação e de hierarquização social, agindo sobre as forças respectivas tanto de uns como de outros, garantindo relações de dominação e efeitos de hegemonia (1988, p. 132-133).

Foucault ainda nos relata que a própria instituição de biopolíticas em uma sociedade é uma técnica da contradição, que não tem o efeito de melhorar aquela comunidade, mas sim manter um status de desequilíbrio social, tal qual observamos em Esparta. Conforme expusemos no capítulo anterior, para Foucault a política é a guerra por outros meios, uma guerra silenciosa que age mesmo dentro de uma mesma sociedade, criando uma verdadeira guerra social velada. Este princípio da contradição que Foucault nos relata é aquela contradição que Hodkinson observa que será a grande responsável pela crise do século IV A.E.C., agindo continuamente desde o estabelecimento da nova ideologia espartana do sistema de Licurgo.

Documentos relacionados