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5.2 Processo de Implantação da RTRS na Região Amazônica

5.2.1 Cadeia Agroalimentar

5.2.1.1 Agentes da cadeia da soja

Os produtores selecionados foram todos os produtores que fazem parte do projeto Gente

que produz e preserva (GPP), promovido pelo CAT e que, atualmente, perfaz um total de nove propriedades, todas localizadas no município de Sorriso/MT. O quadro 7 apresenta os dados dos produtores entrevistados.

Quadro 7 – Dados dos entrevistados – Produtores

Fazendas Cargo/Formação do entrevistado Tempo de atuação Tamanho da propriedade

Município Data e duração

da entrevista Faz. São Felipe Proprietária 25 anos 400 há Sorriso/MT 03/12/2015

60 minutos Faz. Berrante de

Ouro Proprietário/ Administração 20 anos 9500 há Sorriso/MT 03/12/2015 72 minutos Faz. Jaborandi Proprietário 32 anos 2720 há Sorriso/MT 19/05/2016 65 minutos Faz. Santana Proprietário 38 anos 1442 há Sorriso/MT 18/05/2016 65 minutos Faz. Cella Proprietária 29 anos 1400 há Sorriso/MT 19/05/2016 63 minutos Faz. Videirense Proprietário 39 anos 1038 há Sorriso/MT 19/05/2016 73 minutos Faz. Santa Maria

Amazônia

Proprietário/ Gestor

37 anos 13448 há Sorriso/MT 20/05/2016 71 minutos

Faz. São Marcos Gestor 36 anos 1277 há Sorriso/MT 20/05/2016

55 minutos

Faz. Dakar Proprietário 25 anos 660 há Sorriso/MT 20/05/2016

58 minutos Fonte: Elaborado pela autora (2016)

A processadora que fez parte da coleta de dados é uma trading brasileira considerada uma das líderes no segmento do agronegócio brasileiro, seus principais concorrentes diretos é a ADM, Bunge e Cargill. A empresa teve início em 1977 na cidade de São Miguel do Iguaçu/PR; em 1984, a empresa mudou sua sede para Rondonópolis/MT. Na área de exportação de commodities, é considerada a 4º maior empresa do estado de Mato Grosso (AMAGGI, 2016). O quadro 8 apresenta dados do entrevistado da processadora.

Quadro 8 – Dados dos entrevistados – Processador

Entidades Cargo/Formação do entrevistado Tempo de

Atuação Município Data e duração da entrevista

Amaggi - Trading Brasileira Setor de Sustentabilidade – Analista

Ambiental / Formação Geógrafo 4 anos Cuiabá/MT 23/05/2016 68 minutos Fonte: Elaborado pela autora (2016)

Apresentam-se a seguir as informações obtidas por meio das entrevistas com os produtores e, posteriormente, com o representante da empresa processadora para cada questão. A primeira questão procurou levantar o processo de adoção de padrões de produção ambiental na cadeia da soja. De acordo com os relatos dos produtores das fazendas, a ideia partiu inicialmente da CAT, a qual reuniu o grupo de produtores e explanou como funcionava a certificação RTRS, os processos de implantação, quem estava financiando o custo de implantação e os benefícios que a adoção traria para os agentes participantes. Relataram que se trata mais de uma iniciativa privada da sociedade civil junto com as ONGs do que governamental. Os órgãos de apoio como o Sindicato Rural de Produtores, o CAT e outros, de acordo com os produtores, estão mais presentes nesse processo. Isso pode ser comprovado pela fala do proprietário da Fazenda Berrante do Ouro: “Vejo parte mais de uma sociedade

organizada do que do governo, então a preocupação é de uma sociedade organizada, que governamental não temos nada”. O proprietário da Fazenda Santana destacou: “São as ONGs

que estão mais engajadas”. E, por unanimidade, todos os proprietários das fazendas entrevistadas colocaram que o CAT foi o principal idealizador do projeto de adoção da certificação RTRS, conforme a fala da proprietária da Fazenda Cella: “Para nós foi o CAT, foi

ele que detalhou o objetivo do projeto colocando para nós, porque a gente não entendia nada”. Os produtores acrescentaram que os órgãos reguladores têm pouca participação no processo de implantação, destacaram que seu papel está em regulamentar leis e fiscalizá-las; e que, muitas vezes pela morosidade envolvida na liberação dos processos (como liberar projetos ambientais e as próprias leis trabalhistas), acabam dificultando a gestão das propriedades. Todos destacaram que consideram serem eles os agentes mais afetados no processo de adoção da

certificação RTRS. Do lado do processamento, os produtores relataram que não teve envolvimento das processadoras no processo de implantação da RTRS. Os gestores da Fazenda Santa Maria Amazônia e Fazenda São Marcos acreditam que isso se deva ao fato de que essas empresas não terem à disposição de um bônus para o produtor que certifica, conforme fala do gestor da Fazenda Santa Maria Amazônia: “Quanto a cobrar do produtor aí que tá, ninguém

quer pagar a mais pela certificação”.

Em contrapartida, os entrevistados acreditam que o item certificado abrirá mais oportunidades para negociar seu produto junto a esses agentes. A produção certificada pode garantir a diminuição do impacto ambiental e social, possibilitando aos processadores atender um mercado que cobra por esse tipo de produção, caracterizando um ganho ambiental e social para esses produtores; porém, para o grupo de produtores entrevistados, perceberam-se visões diferentes de ganhos. Os pequenos produtores mencionaram o ganho econômico como uma forma de incentivo de adoção da certificação.

Para o analista ambiental da processadora, os agentes que fazem parte do processo de adoção de padrões na cadeia agroalimentar são todos, isto é, os produtores, as indústrias e o mercado consumidor. Em sua visão, se não houver um alinhamento entre os elos envolvidos, com o tempo os padrões podem cair em descrédito por não terem mercado consumidor e, além disso, o consumidor pode estar cobrando sem ter produtores para gerar o suficiente para atender à demanda. Ainda complementa: “Eles têm que ter o mesmo nível de participação, porque, se

a gente tiver um envolvimento maior dos produtores, em determinado momento, produtores engajados certificando a indústria, comprando isso, mas não tiver um mercado consumidor envolvido, com o tempo vai esfriando”. O entrevistado comentou que, no início de 2010 a 2012, quando a certificação RTRS começou a ser implantada, houve pouca comercialização; e muitas empresas acabaram saindo da certificação, a processadora acreditou que esse mercado iria solidificar-se com o tempo e, na época, acabou bancando alguns produtores.

O analista também relatou que, no ano de 2012, a própria RTRS organizou-se para fazer uma mobilização com o mercado consumidor, cujos agentes envolvidos com a adoção de padrões deveriam ter um compromisso público, não somente cobrar por uma produção mais responsável para no final não ter demanda por esse produto. Com isso, acabou iniciando um mercado mais equilibrado, tanto para os produtores como para os consumidores, pois, em sua opinião, a participação da indústria nesse processo de adoção de certificação depende do mercado consumidor, como afirma em sua fala: “A indústria, ela praticamente para este

movimento, ela vai vender se tiver um mercado consumidor e ela vai induzir o produtor a certificar se tiver um movimento para isso”.

A segunda questão tinha o objetivo de verificar a relação dos agentes na cadeia no que se refere à visão contratual quanto ao uso dos contratos, custos e governança; e, na visão relacional, no que se refere à confiança, relacionamento, poder, capacidade e coordenação. Por meio das entrevistas, pôde-se perceber que, entre os produtores, o processo de adoção de padrões ocorre por meio de assinatura de um Termo de Compromisso, no qual o produtor passa por fases de implantação da certificação e, ao atingir 87%, dos requisitos da adoção, o produtor pode solicitar que a certificadora faça a avaliação em sua propriedade para verificar a conformidade dos requisitos da primeira e segunda etapa do padrão RTRS, caso todos os requisitos foram atendidos a certificadora emite o certificado para a propriedade requisitante.

De acordo com os produtores, os custos iniciais foram as adequações em suas propriedades, o entrevistado da fazenda Berrante de Ouro colocou: “Os custos iniciais foram

recuperação do solo, recuperação das áreas degradadas, melhoramentos nos dormitórios dos colaboradores, sinalização de água potável e melhorias na estrutura física da propriedade”. Os representantes das fazendas Videirense, Santana, Cella e Dakar destacaram também que as mudanças em suas propriedades foram na ordem de sinalização e armazenagem correta dos materiais, destino seguro para os resíduos (óleo, embalagens, plásticos e entre outros) e melhorias de infraestrutura nas propriedades. Além dos custos de adequação nas propriedades, existem os custos das vistorias das certificadoras e de três centavos de euro por tonelada vendida da certificação RTRS que são custeados pela Holanda por meio da ONG IDH.

Outro dado revelado pelos produtores nas entrevistas quanto à relação dos agentes na cadeia, foi o fato de que entre eles também há uma relação de parceria, cooperação e confiança. Esses dados podem ser evidenciados na fala da entrevistada que representava a Fazenda Cella, a qual relatou que o “Principal motivo de adoção foi a forma como eles apresentaram o projeto,

com confiança. A gente não foi assim levando este processo, a gente foi estudando, avaliando o que era o que não era antes de adotar, somente depois de entender que assinamos o Termo de Compromisso”. O representante da Fazenda Vigolo complementa: “Dentro do projeto, sim,

a gente se empenhou e essas ONGs que vieram de fora demonstraram um relacionamento de confiança e parceria, que contribuíram para a adoção da certificação”.

Para a processadora, a relação dos agentes na cadeia da soja, em especifico indústria- produtor, dá-se em forma de parceria e cooperação, mas regido por um contrato referente à demanda daquele ano, pois a cada ano varia a demanda de soja certificada que o mercado externo compra. Nesse caso, a indústria busca por produtores que já certificam para atender essa necessidade de mercado. O entrevistado relatou que os demais produtores que não estão

certificados nem ficam sabendo dessa necessidade de mercado, porque, segundo ele, nem todos os produtores têm interesse em certificar suas propriedades, e outros porque não têm condições. Entretanto, ressaltou que, apesar dessa parceria, o que faz o produtor entregar o produto para a indústria é o preço. Muitos somente entregam a produção necessária para atender ao contrato, o que sobra é vendido para quem pagar mais. Nesse aspecto, a parceria e a cooperação deixam de existir e o que predomina é o valor financeiro recebido a mais por saca.

Nessa questão, constatou-se que existe uma relação contratual e relacional entre os agentes. Para o produtor, o processo ocorre de forma contratual e relacional, o processador também falou que ocorre a transação na forma de parceria e cooperação, mas formalizada por um contrato. Nesse caso, percebeu-se que a parceria acontece até quando for conveniente para ambas as partes. Essa análise pode relacionar-se com a TCT, mencionada por Humphrey e Schmitz (2000) e Lumieau e Hederson (2012), os quais descrevem que a estrutura de governança em uma cadeia de suprimento pode ser entendida pela capacidade dos agentes em estabelecer estratégias. Nesse caso, o relacionamento entre os agentes foi formalizado por um Termo de Compromisso, como uma maneira de assegurar ganho para ambas as partes envolvidas.

Para complementar a análise dessa questão, vale a pena mencionar o que traz a RBV, de Barney (1991), e a SET, de Emerson (1976) e Humans (1958), as quais preconizam que a cadeia de suprimentos necessita identificar os recursos que podem ser potencializados e esclarecer o processo de construção e manutenção do relacionamento entre os elos envolvidos. Nessa questão, o que pode ser explorado é a parceria e a cooperação entre os agentes na questão da adoção de padrões de produção sustentáveis.

Posteriormente, na terceira questão, procurou-se verificar se o desenvolvimento de padrões de produção sustentável na região amazônica está sendo influenciado pelo mercado externo. Segundo os produtores, a adoção está atrelada a demonstrar que as imposições do mercado externo estão sendo cumpridas na região, evidenciando que o produtor está preocupado em produzir um alimento respeitando às legislações ambiental e social. Isso foi uma visão unânime entre os entrevistados, ou seja, devido a uma necessidade de mercado, os produtores estão adequando-se para atender à demanda.

Tal fato pode ser percebido na fala do proprietário da Fazenda Santana, que relatou: “É

uma necessidade de mercado a certificação para o futuro, porque você não vai conseguir vender nada se você não for certificado”. O proprietário da Fazenda Jaborandi falou que é “porque a gente está na condição de vidraça, eles nos estão olhando com mais atenção, e estão

preservação do meio ambiente”. Uma visão um pouco diferente foi trazida pelo entrevistado da Fazenda Vigolo: “então, eu sou pequeno produtor, vou fazer um trabalho diferenciado para

um dia ser reconhecido”. Pelos dados dos entrevistados, percebe-se que a preocupação está em demonstrar que a região amazônica vem preparando-se para atender às exigências de mercado, que é uma oportunidade para os produtores demonstrarem que, nos padrões de produção aqui adotados, as leis ambientais e trabalhistas vêm sendo cumpridas. Mesmo que não haja uma definição especifica de padrão de produção sustentável para a região amazônica, a certificação RTRS vem suprindo essa necessidade, uma vez que sua cobrança de normas socioambientais é rígida, principalmente quando se fala em desmatamento, a qual foi uma das principais ressalvas colocada pelos produtores.

Outro dado com o qual todos os entrevistados das fazendas concordam é que a pressão do mercado externo está instigando o mercado doméstico a elaborar critérios que venham a diminuir os problemas relacionados às questões ambientais e sociais nessa cadeia produtiva. Porém, o proprietário da Fazenda Jaborandi alerta: “Precisamos ter paciência, não é de uma

hora para hora, quem já tem esta mentalidade entrou nisto aí mais facilmente, mas agora quem nunca teve não vai ser fácil entrar, porque é uma questão de mudança de mentalidade”. Dessa forma, pode-se dizer que, apesar de existir uma cobrança quanto à adoção de padrões de produção sustentável na região amazônica, precisa haver uma mudança de cultura de todos os agentes envolvidos nesse processo, o que inclui os agentes reguladores, com seu papel crucial de regulamentar leis e normas condizentes com a produção sustentável.

Para o analista ambiental da processadora, o desenvolvimento de padrões de produção sustentável está totalmente influenciado pelo mercado externo. Ele observa, contudo, que não é segmentado por região, porque, segundo ele, “É bem complicado você segmentar por região,

principalmente em grãos, porque na hora que você chega com o grão em um porto a distribuição toda do produto é misturada, de várias regiões não tem como você separar e ser segmentado”. Mas ressalta que cada região deve seguir sua legislação para adaptar-se às exigências das certificações.

No caso dos produtores que estão localizados na região amazônica, eles devem respeitar a Moratória da Soja. O analista ressalta que uma dificuldade dos produtores é adequar-se à legislação trabalhista. Cita como exemplo as horas trabalhadas nas propriedades que divergem de uma empresa, por ser um trabalho exposto a fatores climáticos: quando chove, o colaborador passa o dia sentado, em contrapartida, haverá dias em que ele vai trabalhar várias horas extras. Outro exemplo citado foi a dificuldade de conscientizar os colaboradores em usar os EPIs (Equipamento de Proteção Individual), porque se acredita que na grande maioria das

propriedades de soja a parte ambiental está muito bem equacionada por meio do novo Código Florestal, aprovado em 2012. Menciona também a questão dos resíduos, afirmando que os produtores estão adequando-se que cada vez mais, ou seja, estão conscientizando-se de que deve haver um tratamento e um destino seguro do que deve ser descartado.

Outro ponto observado na entrevista com o representante da processadora é o fato de que a nova opção dos consumidores, pautada em produção sustentável, está influenciando os agentes da cadeia a formarem parcerias entre os elos envolvidos para adequar-se às normas das certificações. Em sua fala, ficou claro que a demanda de mercado está instigando a processadora a buscar por produtores que estejam adotando padrões de produção sustentável.

O relacionamento de parceria entre os agentes da cadeia, observado na fala do entrevistado enviado pela processadora, também pode ser constatado nas falas dos produtores, tendo em vista o teor das entrevistas dos gestores das propriedades, os quais expuseram que a certificação do grupo somente ocorreu por uma demanda do mercado externo e pela parceria firmada entre os agentes que interferem na cadeia de produção de grãos, como o CAT, WWW Brasil, ONG Solidaredad e IDH e as associações. Destaca-se que, para o caso analisado, o CAT foi o principal idealizador para que o grupo de produtores adotassem padrões de produção sustentáveis.

As evidências encontradas nessa questão remetem-nos aos estudos dos autores das teorias RBV (WERNERFELT, 1984; BARNEY, 1991) e SET (EMERSON, 1976) os quais evidenciam a importância do relacionamento cooperativo entre os agentes envolvidos na cadeia. Essa mudança está ajudando os elos da cadeia agroalimentar da soja a atender uma demanda de mercado externo, isto é, a adoção da certificação RTRS, sendo que essa certificação é um mecanismo de segurança para que o produto produzido na região amazônica comprove para o mercado externo que está atendendo à legislação local e nacional no que se refere a leis ambientais e sociais.