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D2: “Ah, agora mais ou menos, quase nada mas antes pô “eu vou entrar lá e vou morrer”, eu pensava assim Ah, eu pensava que lá só vivia

No documento julianamaddalenadias (páginas 135-142)

assaltante, quando eu era menor, aí depois que eu fui lá eu vi que não era nada

disso. Meu pai disse que

não é todo mundo lá que é assim...bandido...., tem muitas pessoas humildes, sabe? Gente fina...lá...

Essa transformação de sentimentos relatada por D2 também poderá ser visualizada por outros alunos que ao longo do tempo de elaboração dos desenhos e da entrevista, puderam lapidar sentimentos confusos ou reafirmar outros.

Fico a imaginar a cena descrita por D2 e a lembrar de como me contou sua ida à favela. Imagino como se fosse uma pequena criança de mãos dadas com um grande pai a olhar um enorme morro cheio de casinhas vistas de longe. Os

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dois vão se aproximando, se aproximando, e, finalmente, o menino lá entra! Aos poucos ele olha para os lados, para todos os lados, e, lentamente, começa a respirar aliviado: ele não havia morrido. No entanto, o medo de morrer de D2 é um medo que não pode ser lido como uma frase qualquer. De onde veio esse medo?

D2 deixa claro em sua fala que sua modificação de sentimentos por aquele lugar veio com sua experiência direta de ir lá e ver como era, e através dos depoimentos de seu pai que descreviam um lugar de pessoas trabalhadoras. Porém, também por sua fala, o aluno deixa transparecer que tinha uma noção anterior que o amedrontava. Novamente me questiono de onde veio esse medo?

Se o lugar permite essa variação de sentimentos e atitudes, como não valorizar tal possibilidade? Ou seja, o espaço continua posto, cartografado, localizável, com distância entre dois pontos, mas também com aquilo que nele acontece, que o faz variar pelo modo como o sujeito o percebe. Não estou relativizando o espaço, estou admitindo o olhar do sujeito. Um olhar que parte das dimensões corporais, invade seu intelecto e impulsiona o seu comportamento sobre o espaço. Continuo dessa forma, com o pensamento de Tuan e suas palavras-chave: percepção, visão de mundo, atitude e topofilia.

Para compreender a atitude dos alunos a partir de suas visões de mundo, procurei diante dos desenhos identificar elementos que pudessem me sinalizar o que percebem na favela para tecerem suas noções sobre aquele espaço.

Casas inacabadas, localizada nos morros, em especial os cariocas, vistos por viagens e, principalmente pela TV. Casas marcadas por tiros, mas com lajes que convidam os moradores aos churrascos; crianças que soltam suas pipas na correria do sobe e desce das escadarias; pichações que sinalizam e marcam o que

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sentem ou como vivem aquelas pessoas, drogas; bope; antenas e fios ligam aquelas favelas a uma cidade dividida.

Diante de tantos elementos muitos puderam ser agrupados por suas afinidades temáticas como os elementos de moradia, os que são visíveis nas favelas, os de serviços, transportes, pessoas, diversão e de violência. Este último, no entanto, se despontou como um grande elemento de repetição e que surgiu como ponto certo nas entrevistas com os alunos. Apesar de não ter sido o único, o medo foi um forte sentimento ligado a uma primeira impressão sobre as favelas. Nesse sentido, nosso primeiro eixo de reflexão se deterá ao medo que é associado à violência das favelas. Os entrevistados desenharam ou falaram sobre seus medos? Essa dúvida gerou outro eixo de análise: entre o que traçaram e aquilo que verbalizaram. Mas afinal, os alunos têm medo de quê?

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Os sentidos que orientam o sentido: a favela sentida pelos alunos

“A cada instante, há mais do que o olho pode ver, mais do que o ouvido pode perceber, um cenário ou uma paisagem para serem explorados.” Kevin Lynch

Desde que li essa frase fiquei a pensar numa possível mudança na ordem de suas palavras. “Os cenários e paisagens podem ser explorados pelas percepções de nossos ouvidos e pelo o que podemos ver com nossos olhos a cada instante ao longo do tempo.”

Essa não é uma simples alternância de vocábulos que compõem a estrutura de uma oração; ela é a busca por uma perspectiva de análise do que a frase original propõe: a exploração da paisagem.

Tenho dito que entrevistei alunos que não necessariamente já foram a uma favela, portanto, poderia afirmar que não exploraram o ambiente da favela para conhecê-lo. Se assim o fizesse estaria contradizendo tudo o que tenho discorrido acerca da Geografia Humanista e, este é o ponto de interseção entre a frase de Kevin Lynch e aquilo que me proponho a investigar nos desenhos dos alunos: a exploração de um cenário.

Meu interesse pela favela está justamente naquilo que ela desperta nas pessoas mesmo que lá não tenham ido. Esse despertar ou afetar os sentidos é um modo de conhecer aquele espaço. Claramente não me refiro a conhecer a totalidade de um lugar, o que acredito não ser possível, exatamente pela diferenciação de percepções do indivíduo ao longo de suas experiências com o lugar.

Dessa forma o que ressalto é a real possibilidade de explorar um lugar através de nossos sentidos: tato, olfato, paladar, audição e visão. Ou seja, apesar

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da redundância em ver com olhos, podemos sim, ver a paisagem com a ajuda de outros sentidos. Entretanto, os sentidos despertados em um lugar não silenciam nossas reflexões interiores, mas ao contrário, eles incitam sentimentos pelos espaços explorados sensitivamente.

Ao refazer uma cena mentalmente, o indivíduo tem a capacidade de sentir novamente aquilo que associou ao espaço da cena. Por exemplo, um sujeito que é assaltado próximo a uma favela, pode mentalmente associar este espaço ao medo sentido no momento da ação. O mesmo pode ocorrer quando uma pessoa passa pela favela onde conheceu o grande amor, enfim, o sentimento do amor pode também ser lembrado na relação com tal local.

Além dessas situações, o sentimento pelo lugar pode mudar ao longo das experiências adquiridas pelo sujeito, para tanto, a cada instante um universo de possibilidades de relações com o espaço pode ser ativado pelos sentidos humanos. Logo, é possível valorizar os aspectos subjetivos dos sujeitos nessa relação com sua percepção espacial nesta chave de leitura oferecida pela abordagem humanista.

Visto isso, se as favelas podem aguçar os sentidos e despertar sentimentos, o que sentem, afinal, os alunos quando pensam nesses espaços? Perguntei-lhes sobre cheiros, cores, barulhos e sentimentos. Muitos não informaram o que sentiam devido a dificuldade em dar nomes aos sentimentos ou por “ter” que imaginar o que sentiriam estando na favela. Outros, no entanto, não hesitaram e, as suas maneiras atribuíram nomes ao que sentiam. Neste sentido serei fiel à nomenclatura que conferiram aos termos que gostariam de expressar. Ao indagar sobre os cheiros da favela não obtive respostas muito variadas ou contraditórias entre si, pelo contrário, a variação se deu apenas no modo de descrever a que cheiro se referiam.

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Pelas respostas apresentadas a favela é sentida como um lugar de cheiro não agradável, independentemente, da origem ser dos lixos ou pela presença de córregos por entre as casas. Outro dado pode ser destacado pelo cheiro de “nada”. Qual seria esse cheiro ou como seria um lugar com cheiro algum? Neste sentido a leitura pode ser feita pelo viés onde não houve uma associação entre o espaço e o sentido olfativo ou que nenhum cheiro tenha se sobressaído aos demais. Um exemplo para ilustrar o potencial do olfato nessa relação pode ser visto a partir de uma pessoa alérgica que entra em um lugar com “cheiro de mofo”, não há como não pensar na força que esse sentido dará na percepção dessa paisagem. Fato esse que se torna dessemelhante à percepção pelo cheiro de “nada”.

Mas retomando o cheiro ruim, as formas que o caracterizam agregam à favela um valor de local sem ou com pouquíssima infra-estrutura de serviços de saneamento e limpeza. Segundo Zaluar e Alvito (1998), a favela já foi associada ao imaginário urbano como foco dissipador de epidemias; lugar de malandros e da promiscuidade; cenário para bandidos com sua violência, lugar de ausência do

De nada Ruim/Lixo

Ruim/Esgoto Não Informou

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Elaborado por: Juliana Maddalena Dias, 2009. Favela tem cheiro de quê?

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Estado. Em linhas gerais, as imagens conduzem a uma associação negativa entre o morador e seu lugar, ressaltando que são imagens consolidadas por não- moradores dessas áreas.

A2 trouxe em seu desenho traços fortes em primeiro plano e bem mais fracos nos outros, dando a sensação de um cansaço ao desenhar. É um desenho que parece ter duas divisões: uma entre a parte inferior com a superior e outra da direita com a esquerda. A primeira dividida por linhas fortes e como se tivesse um caminho de entrada à favela e a segunda dividida por uma igreja no centro com um córrego poluído passando por entre as casas. Independente do modo como o aluno organizou seu desenho, o local destinado ao córrego enfatiza sua presença no cotidiano dos moradores que têm suas casas, frequentam a igreja e, praticamente, o atravessam para chegarem ao ponto de ônibus. Essa assiduidade no trânsito dos moradores próximo ao córrego gerou no aluno, ou por ele foi gerada, uma associação com o cheiro de esgoto:

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Juliana: “E se você pudesse pensar num cheiro, que cheiro você acha que

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