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Cumprimentamos de passagem um bonito quadro de Ângelo Agostini, que não é só o jornalista do lápis que nós conhecemos.37

Quem será então Ângelo Agostini?

Gênio, corajoso, impetuoso, crítico, ousado, nacionalista são alguns dos termos utilizados pela imprensa contemporânea de Ângelo Agostini para defini-lo. Tarefa que não deve ter sido fácil, já que por essas características Agostini fez muitos amigos, porém, também colecionou inimigos. Em São Paulo, logo no início de sua atuação, aproximou-se de idéias liberais, abolicionistas e republicanas, o que acarretou o descontentamento de grupos conservadores. Além disso, Agostini era um estrangeiro que de forma ousada questionava a instituição político-social do país que o acolheu. Não demorou e as primeiras reações surgiram, como a depredação de O Cabrião, depois, um processo judicial que tornou São Paulo um território muito árido, além das dificuldades financeiras, obrigando-o a procurar terras mais férteis como o Rio de Janeiro.

(...) Quem durante vinte annos como elle, deu a um paiz toda a sua dedicação, pertence-lhe de facto. O que se dá nos prende ainda mais do que o que se recebe. O seu lápis teve durante vinte annos a indefectível coragem de dizer a verdade aos inimigos do progresso nacional em linguagem que todos entendiam.(...)38

Joaquim Nabuco, um companheiro na luta contra a escravidão, não poupou elogios ao homem que criou a “bíblia abolicionista” nas páginas da Revista Illustrada.

É lamentável que essas obras fiquem ao desamparo, sem ter nem mesmo a possibilidade de serem conhecidas, identificadas ou estudas, relegadas ao mais completo abandono por parte das nossas instituições políticas competentes.

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O Malho, Rio de Janeiro, Ano IX, n.385, Janeiro de 1910.

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Oportunidade ímpar de mostrar ao povo que não tinha domínio sobre as palavras as vilezas e crueldades da escravidão.

Agostini é coroado com a cidadania brasileira em reconhecimento por seus atos corajosos, através dos quais sempre manifestou a intolerância com o que considerava injusto ou errado. Seu caráter corajoso era afirmado pela capacidade de enfrentamento das forças políticas conservadoras, pela não intimidação com ameaças nem o comprometimento de suas opiniões com patrocínios ou privilégios de qualquer natureza.

O trabalho deste homem foi considerado capaz de chegar aos mais simples, aos iletrados e, a esses instruir, informar e divertir.

D`esde o Cabrion, que o nosso director illustrou em São Paulo, até poucos dias antes de sua partida, durante 25 annos, ininterrompidamente – esse previlegiado talento esteve constantemente em acção creando paginas, ora de irresistível hilaridade, ora de alta significação política e social, assombrando o público com a fecundidade do seu genio e o poder da sua imaginação.39

A Revista Illustrada, publicação mais importante da carreira de Angelo Agostini e de maior duração teve uma abrangência além da corte. Suas páginas chegavam ao interior e o número de exemplares que circulavam chegaram aos quatro mil. Quantidade expressiva quando pensamos na percentagem da população que era alfabetizada. Talvez o fato de que cinqüenta por cento da revista fosse composta de ilustrações, as quais comentavam a vida na sociedade carioca, fosse fator determinante para sua boa aceitação e mesmo popularização. Uma nota publicada n’O Paiz nos dá a dimensão da popularização da revista:

Está publicado o segundo fascículo das famosas aventuras de Zé Caipora. Este simples aviso basta para hoje no escritório da revista andar tudo em dobadoura.

Aconselhamos ao Ângelo que tome as necessárias providencias, pois vai sofrer uma verdadeira invasão.40

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NABUCO, Joaquim in: O Paiz, Rio de Janeiro, 30 de agosto de 1888. p.1

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Revista Illustrada, Rio de Janeiro, 1888, ano XIII, n.518. p.2.

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As aventuras de Zé Caipora são seqüências de pequenos quadros que narram histórias engraçadas do personagem Zé Caipora. Esse tipo de narrativa foi introduzida no Brasil por Ângelo Agostini, que é considerado um precursor nas histórias em quadrinhos.

Agostini foi um inovador, um ator sempre presente na sociedade e, como tal, reconhecido por seu tempo. Encontramos nos periódicos anúncios de participação em exposições, comentários de seus quadros que, em sua maioria são notas elogiosas.

Mas o artista não teve unanimidade com relação a qualidade do seu trabalho. Assim como teve várias divergências no âmbito das idéias político-sociais, recebeu críticas com relação ao seu trabalho.

Encontramos alguns artigos mais demorados sobre Ângelo Agostini em duas ocasiões. A primeira foi na segunda metade de 1888 quando o artista partiu para a Europa por motivos pessoais e por lá permaneceu até 1895. A segunda foi da época de seu falecimento em 1910, quando Agostini já não provava mais de tanto prestígio e sua atuação era bem mais limitada. Nesse período foi publicado um texto na Gazeta Artística com a seguinte opinião:

Está bem de ver, que Ângelo Agostini não poude seriamente dedicar-se ao estudo da arte, para a qual o attraiam as tendências do seu espírito vivo, irrequieto. (...) Ângelo Agostini nunca poude aperfeiçoar-se na technica dos processos e na teoria da arte. Dahi o resentirem-se todos os seus trabalhos dessa deficiência de cultura artística.(...).

(...)Ângelo Agostini foi sempre medíocre desenhista. As suas caricaturas reduziam-se quase sempre ao simples retrato, por vezes de uma fidelidade de placa fotographica, mas inexpressivo, mudo na fixidez e fidelidade dos traços physionomicos.(...) Nos dizeres que acompanhavam os desenhos, estava o successo da sua caricatura; nunca se elevou da crítica dos fatos concretos, a uma abstração generalizada, ao symbolismo que condensa e integra uma apreciação crítica, definindo as tendências sociais de um meio, de uma época, de uma civilização. A deficiência do desenho e a pobreza da composição não lhe permittiam, ainda que quizesse, abalançar- se á realização dessa concepção artística da caricatura.41

Um comentário como esse causa estranhamento, pois se apresenta de forma depreciativa em relação ao artista. Talvez alguma herança de desafeto, talvez uma reação da nova geração de caricaturistas do século XX que queria se distanciar da forma como se fazia caricatura, e da qual Agostini foi um grande representante. Porém não podemos deixar

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de lembrar que o crítico Gonzaga Duque Estrada também não nutria uma grande amizade por Angelo Agostini, tendo mesmo omitido o nome deste quando escreveu sobre os caricaturistas em seu livro Contemporâneos. Provavelmente o fato de Agostini ter uma atuação além da caricatura, tirava dele, para Duque Estrada, o mérito de caricaturista. O embate entre essas duas personagens teve seu auge na imprensa em 1886, quando ocorreu a exposição dos trabalhos de Henrique Bernardelli. Gonzaga Duque publicou sua opinião a respeito da obra do pintor na revista A Semana, sob pseudônimo de Alfredo Palheta, e foi rechaçado por Agostini na Revista Illustrada, sob o pseudônimo X, o qual desclassificou Gonzaga Duque como crítico.

De qualquer forma, essa não foi uma opinião muito comum a respeito do artista, a maioria dos comentários sobre seu desenho lhe notam qualidades e não deficiências. A questão da semelhança fotográfica em seus desenhos é realmente comum, porém outras folhas ilustradas do período não faziam de forma muito diferente. Naquele momento ter bem claro de quem se tratava era fundamental já que a fotografia ainda não estava popularizada, portanto, para os profissionais da imprensa ilustrada a semelhança era uma característica por vezes necessária.

Em uma nota no Jornal do Commercio de 1885 a questão da semelhança é encarada como uma qualidade.

Dizer de um retrato de Ângelo Agostini que está parecido é inútil: porque todos sabem o quanto este artista possue o dom da semelhança. O que há neste trabalho mais para elogiar é a suavidade da modelação e o vigor claro escuro.42

Encontramos na Almanak Lammert de 1883 um anúncio de Ângelo Agostini na seção Professores em Effectividade como professor de desenho de figura. Na crítica da Gazeta Artística, um dos motivos pelos quais Agostini teria um desenho ruim era pela falta de tempo para se dedicar a ele, já que, o trabalho na imprensa lhe tomaria muito tempo. Se o artista se dedicava ao ensino de desenho deve ter tido um mínimo de formação e dedicação para domínio da técnica.

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Entre seus alunos encontramos Abigail de Andrade43, que embora tenha tido uma carreira muito curta realizou obras de mérito, inclusive recebeu por sua participação em uma exposição um prêmio.

Algo curioso é que não encontramos nenhum texto contemporâneo do artista que comentasse sobre sua atuação como crítico de arte. Comenta-se sua atuação como artista, como homem da imprensa ou como alguém preocupado com as questões políticas e sociais. Possivelmente por essa atividade não ser a de maior vulto em sua carreira ou talvez pela sua atuação militante ser mais vista pelo aspecto político. Entretanto a importância desse aspecto da sua carreira não deve ser desconsiderado por questionar e afirmar aspectos muito importantes do desenvolvimento artístico brasileiro.

A atuação de Agostini não pode ser refletida desconsiderando o aspecto de suas idéias políticas. Assim, através desses artigos publicados em sua época podemos começar a desenhar seu ideário.

Quando falamos de Agostini como um liberal, na segunda metade do século XIX, essa questão pode tornar-se bem complicada. Com qual definição de liberalismo trabalhamos? A atuação do imperador na questão comercial não seria liberal, assim como no plano político? Afinal de contas, o Brasil monárquico tinha uma Constituição com os três poderes clássicos, além do Poder Moderador. O historiador José Murilo de Carvalho44 coloca que havia uma grande diversidade de membros dentro dos partidos e de idéias. Havia diferenças, por exemplo, entre os republicanos paulistas e cariocas, além das diferentes visões do liberalismo. Em qual entraria Ângelo Agostini?

Joaquim Nabuco, um liberal também, porém um monarquista, e, ainda assim amigo de Agostini nos dá algumas pistas.

Ao deixar o Brazil, Ângelo pode levar a certeza de que desapparece por algum tempo com elle uma das forças dessa opinião liberal, não de partido, está visto, mas de sentimento e de intuição, á qual pertence de facto o governo da nossa sociedade.(...)

Ângelo Agostini teve a fortuna de ser o que se pôde chamar em materia de liberalismo o caracter bem equilibrado, o daquelle que ama a liberdade,

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Abigail de Andrade: artista plástica, nasceu no Rio de Janeiro em 1864. Em 1884 foi aluna de Ângelo Agostini e Insley Pacheco. Nesse mesmo ano recebeu Medalha de Ouro na 26a Exposição Geral de Belas Artes na AIBA. Estudou no Liceu de Artes e Ofícios e faleceu em Paris.

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CARVALHO, J. M. de. A construção da ordem: A elite política imperial.Brasília: Ed. Universidade de Brasília, 1981. Col. Temas brasileiros.

não pela palavra, mas pela cousa, não pela doutrina, mas pelo facto, e, sobretudo não por si, mas pelos outros.(...)45

Segundo nos informa Nabuco, Agostini era um idealista, não preso à prática política institucional, mas interessado nos reflexos dessa prática na realidade das pessoas. No último periódico no qual colaborou foi escrito por J. Bocó, colunista daquela folha, um texto sobre esse artista e nele encontramos talvez um pouco do que representou o trabalho de Agostini para sua época.

Sem os seus desenhos memoráveis, obedientes ao seu espirito de combatividade, os sarcasmos contra o exotismo da instituição que “felizmente nos regia” e os ataques conta os escravocratas da gema não teriam o poder de penetrar tanto, como penetraram nas grandes camadas populares, alliando-as espiritualmente á grande causa da liberdade.46

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O Paiz, Rio de Janeiro, 10 de outubro de 1888. p.1

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Capitulo II

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