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Os agricultores da “Tradição Guarani”

II.2. Povoamento da região pesquisada no período pré-colonial

II.2.3. Os agricultores da “Tradição Guarani”

A última leva migratória a ocupar a Ilha de Santa Catarina durante a pré-história, ou período que antecedeu a chegada dos colonizadores europeus, foi a dos agricultores de Tradição Guarani. A chamada “Tradição Tupi-Guarani” é classificada pelos arqueólogos como sendo ancestral das tribos históricas de língua Tupi, que habitam o litoral sul e norte oriental do Brasil, e Guarani, quer habitantes da Bacia do Paraná, litoral sul do Brasil e Argentina (FOSSARI, 1991). Segundo pesquisas recentes, a origem de tais grupos, classificados por seu troco lingüístico, o Tupi-Guarani, está na região amazônica. Teriam migrado a partir de 5000 anos atrás em diferentes levas e por diferentes rotas, descendo a bacia do Rio da Prata até o Oceano Atlântico e subindo o litoral em direção ao norte ou descendo a bacia Amazônica até o Oceano Atlântico, seguindo em direção ao sul pelo litoral do nordeste. A respeito do termo Tradição Tupi-Guarani, Brochado (1984) faz ressalvas afirmando ser este impropriamente empregado em se tratando de sítios localizados no sul do Brasil, visto que se trata de duas sub-tradições derivadas da Tradição Policrômica Amazônica no leste da América do Sul que foram produzidas por dois grupos Tupi distintos – os Guarani e os Tupinambá – grupos que tiveram histórias totalmente separadas durante os últimos dois mil anos. Assim, após esta publicação do autor, as populações pré-coloniais de Tradição Tupi-Guarani do sul do Brasil passaram a ser identificadas como de Tradição Guarani.

A pelo menos 900 anos A.P. já haviam ocupações de grupos Guarani na Ilha de Santa Catarina (DE MASI, 2001). É possível que tenham tido contato com os grupos pré-coloniais Jê, no entanto não se possuem detalhes acerca de tais contatos e não se sabe se teriam se desenvolvido de forma amistosa ou conflituosa. Foram ainda os descendentes destes grupos e os demais grupos Guarani da região costeira do Brasil que entraram em contato com os primeiros navegantes ibéricos que aqui aportaram no século XVI. É a partir deste contato que se encerra o período pré-colonial (pré-histórico) e se inicia o período colonial, do qual as principais fontes são os relatos dos viajantes que passaram pela Ilha. Vestígios de ocupação Guarani no período pré-colonial na Ilha de Santa Catarina são encontrados nas proximidades da Lagoa da Conceição, no leste da Ilha, Prais dos Ingleses, no norte, Rio Tavares, Pântano

39 do Sul e Ribeirão da Ilha, na região sul, dentre outras localidades. Para a implantação dos assentamentos foram selecionados, sobretudo, os depósitos pleistocênicos, mais altos, secos e planos, portanto mais adequados para o cultivo da mandioca, um dos principais recursos alimentares. Apesar de ainda exitirem dúvidas acerca da prática ou não do cultivo por grupos de caçadores-coletores Jê, acredita-se que os grupos Guarani foram os primeiros a inserir a prática da agricultura na Ilha de Santa Catarina (FOSSARI, 2004).

Possuíam algumas características peculiares, como o cultivo na Mata Atlântica com utilização do método de “coivara”. As roças eram abertas na mata após corte e queima das árvores e o cultivo era realizado em meio aos tocos, sem que se arasse ou capinasse o solo. Os produtos cultivados, em geral, eram feijão, milho, mandioca, amendoim, abóbora, fumo, dentre outros. As roças eram abandonadas assim que o solo apresentasse sinais de esgotamento, partindo-se para novos locais. Além da atividade agrícola praticavam a caça, a pesca, tanto no mar quanto em água doce, coleta de mariscos, insetos, mel e frutos.

Os registros acerca da indústria lítica são mais raros para tal grupo, mas verifica-se nestes sítios a presença de machados, batedores e alisadores. A produção cerâmica é uma constante e foi vastamente documentada por diversos pesquisadores. Esta caracteriza-se pela decoração policrômica com pinturas de figuras geométricas e também por marcas de unhas, a chamada cerâmica “ungulada”. Os recipientes produzidos variavam entre grandes, destinados ao armazenamento de farinha de mandioca e preparo de bebida fermentada, e pequena, utilizada no preparo e consumo de alimentos. Outros vestígios encontrados em sítios relacionados a esta ocupação denotam um costume característico, o enterramento dos mortos em urnas funerárias. Segundo Lavina (2004), no caso dos adultos era realizado o enterramento secundário, no qual o corpo era enterrado até o descarnamento dos ossos, quando estes então eram retirados da cova, depositados dentro das urnas e definitivamente enterrados. No caso dos enterramentos infantis o corpo da criança era já de início depositado na urna, o chamado enterramento primário. Associados aos sepultamentos muitas vezes encontram-se pequenos recipientes cerâmicos, lâminas de machado, pingentes e colares fabricados em osso.

A população Guarani vivia concentrada em aldeias, preferencialmente instalada em locais com água abundante. Havia um número reduzido de casas feitas com troncos e cobertas por palha, sem repartições internas. Sobre a utilização de tais espaços afirma Schmitz (1999):

40 Em cada uma delas viviam uma ou mais famílias extensas ou várias famílias nucleares, sob a coordenação de um homem mais velho, mais experiente ou mais aparentado, que cuidava das necessidades comuns. O chefe de uma das casas poderia assumir a liderança em momentos críticos da aldeia; para ele se costuma usar o nome de cacique. Havia ainda chefes respeitados por toda uma região, importantes quando se tratava de arbitrar questões entre aldeias e conflitos com populações vizinhas.

No interior das cabanas havia redes tecidas em fibras de algodão e presas aos caibros, utilizadas para dormir. Várias fogueiras eram acesas para o aquecimento, especialmente durante a noite, estas deixaram marcas de carvão no solo, em forma de manchas escuras através das quais os pesquisadores delimitam, aproximadamente, o perímetro das cabanas. Apesar de tais grupos fixarem-se por determinado tempo em locais propícios à agricultura e com abundância de água, também se deslocavam eventualmente na busca por matéria-prima como argila para confecção da cerâmica e fragmentos de determinados tipos de rochas para a fabricação de lâminas de machado, por exemplo, além da coleta de frutos e outros suprimentos.