• Nenhum resultado encontrado

2 AGRICULTURA FAMILIAR E ASSENTAMENTOS DE REFORMA AGRÁRIA NA AMAZÔNIA: HISTÓRIA, IMPORTÂNCIA SOCIOECONÔMICA E DINÂMICA DO

2.2 AGRICULTURA FAMILIAR NO BRASIL ATUAL

Foi somente em 2006, através da Lei 11.326/ 2006 (BRASIL, 2006), que as definições dadas pelo Estatuto da Terra de 1964 são substituídas e define-se claramente o que deve ser considerado agricultura familiar.

Pelo Artigo 3º da Lei 11.326/ 2006 considera-se agricultor familiar aquele que pratica atividades no meio rural, atendendo, simultaneamente, aos seguintes requisitos:

(I)

Não detenha, a qualquer título, área maior do que quatro módulos fiscais;

O módulo fiscal é definido pela Lei nº 6.746/ 1979 (BRASIL, 1979) e regulamentado como unidade de medida expressa em hectares, fixada para cada município, considerando os seguintes fatores: - Tipo de exploração predominante no município;

- Renda obtida com a exploração predominante;

- Outras explorações existentes no município que, embora não predominantes, sejam signifi- cativas em função da renda ou da área utilizada;

- Conceito de propriedade familiar.

Neste aspecto, o tamanho do módulo fiscal no Brasil é bastante variável, pois é competência municipal definir esta medida. A Instrução Especial/INCRA/Nº 20, de 28 de maio de 1980 determina o módulo fiscal de cada município do Brasil. A depender do município, um módulo fiscal varia de 5 hectares, menor módulo fiscal do país (casos de Belém – PA ou Fortaleza – CE, por exemplo) até 110 hectares, maior módulo fiscal do Brasil (como ocorre, por exemplo, nos municípios de Corumbá e Ladário – MS).

(II)

Utilize predominantemente mão-de-obra da própria família nas atividades

econômicas do seu estabelecimento ou empreendimento;

É comum fazendeiros que possuam uma ou mais propriedades de até quatro módulos fiscais e que contratam mão de obra para a produção. Neste caso, este fazendeiro não pode ser consi- derado agricultor familiar, cujo conceito está intimamente ligado ao trabalho da família na terra.

(III)

Tenha renda familiar predominantemente originada de atividades econô-

micas vinculadas ao próprio estabelecimento ou empreendimento;

Este tópico é interessante e polêmico, já que uma parte significativa da renda da agricultura fa- miliar não provém de atividades agropecuárias e sim de fontes externas, como salários de mem- bros da família que são agentes de saúde ou professores, ou famílias que recebem recursos do programa Bolsa Família, aposentadoria, entre outros benefícios. Mesmo assim, este artigo da lei é importante para evitar casos em que haja um dono de uma propriedade vivendo na cidade, por exemplo, e que não tenha sua renda vinculada ao trabalho na propriedade familiar.

(IV)

Dirija seu estabelecimento ou empreendimento com sua família.

O sentido deste requisito para considerar que uma pessoa seja agricultor familiar ou não, mais uma vez, está relacionado à vinculação ao trabalho da família na propriedade e, por isso, a lei não considera um empreendimento familiar se não for o proprietário e sua família a dirigir o empreendimento.

31

Também são incluídos nesta lei os silvicultores que promovam manejo sustentável de seus ambientes, aquicultores que explorem reservatórios hídricos de até dois hectares ou tan- ques-redes de até 500 m3 , extrativistas e pescadores artesanais que atendam os quesitos aci- ma (exceto para o caso dos extrativistas artesanais, que não necessitam atender o quesito I).

Foi já nesse mesmo ano de 2006 que o país fez um amplo levantamento das caracte- rísticas dos agricultores familiares, através do Censo Agropecuário, trazendo resultados até então inéditos, já que os Censos Agropecuários anteriores não discriminavam categorias de produção rural (MATTOS et al, 2010).

O estudo de França et al (2009) resume as principais informações do Censo Agropecu- ário de 2006 relacionadas à agricultura familiar, trazendo alguns dados bastante ilustrativos das tendências atuais do Brasil agrícola.

As pessoas que estão efetivamente ocupadas com atividades relacionadas ao campo são da ordem de 16,6 milhões, representando quase 19% do total da força de trabalho nacio- nal. França et al (2009), na comparação com os Censos anteriores, indicam uma acentuada tendência de queda nesse número, que chegava a 30% no Censo de 1985.

Importante ressaltar que deste montante de pessoas vivendo nas áreas rurais, 75% es- tão ligadas à agricultura familiar e apenas 25% nas médias e grandes propriedades.

Mesmo com a intensificação da política de assentamentos a partir da segunda metade dos anos 1980, esses não foram suficientes para alterar o quadro de concentração da proprie- dade fundiária no plano nacional.

França et al (2009) indicam que a área média dos estabelecimentos familiares é de apenas 18,4 ha contra 309,2 ha das propriedades não familiares. Ainda, as propriedades não familiares detém mais de 141 milhões de hectares, ou 76% do total de terras, contra apenas 24% da agricultura familiar, de cerca de 80 milhões de hectares. Mesmo assim, a agricultura familiar representa cerca de 85% dos 5,2 milhões de estabelecimentos rurais do país e emprega 74% das mais de 16 milhões de pessoas que trabalham no campo, confor- me indica o gráfico abaixo:

32 4,4 45 12,3 0,8 141 4,3 0% 10% 20% 30% 40% 50% 60% 70% 80% 90% 100%

Número de estabelecimentos (milhões) Área Ocupada (Mi ha) Pessoas Ocupadas (mi)

Agricultura Familiar Agricultura Não Familiar

Gráfico 1: Características das propriedades no Brasil

Fonte: elaborado pelo autor a partir de dados do IBGE (2009)

Na Amazônia, a tendência dos números é muito parecida, com a agricultura familiar também representando a maioria dos estabelecimentos e pessoas ocupadas, mas com área ocupada bastante inferior, conforme apresenta o gráfico abaixo:

Gráfico 2: Estabelecimentos Rurais na Amazônia

Fonte: elaborado pelo autor a partir de dados do IBGE (2009)

761,4 25,8 2,5 113,4 89,5 0,5 0% 10% 20% 30% 40% 50% 60% 70% 80% 90% 100%

Número de estabelecimentos (milhares) Área Ocupada (milhões ha) Pessoas Ocupadas (milhões)

33

As propriedades familiares têm em média 2,6 pessoas acima de 14 anos cada, represen- tando uma ocupação dos lotes 9 vezes maior do que da agricultura não familiar, com números de cerca de 15,4 pessoas ocupadas a cada 100 ha, contra apenas 1,7 dos lotes não familiares. Outros dados interessantes são em relação à economia. Segundo o Censo Agropecu- ário de 2006 (IBGE, 2009), a agricultura familiar é responsável por 1/3 da receita gerada nos estabelecimentos brasileiros, mesmo com apenas 24% da área total de produção.

Dos agricultores familiares entrevistados, mais de 30% declararam não possuir receita, denotando também uma característica de subsistência de boa parte dos produtores familia- res. No entanto, dos que declararam ter receita, o valor médio da agricultura familiar é de R$ 515/ha contra R$ 322/ha da agricultura não familiar.

No entanto, se compararmos estes dados em termos de valor total por propriedade, desconsiderando o tamanho destas, a agricultura não familiar têm números médios nove ve- zes maiores, de cerca de R$ 126.063,00 contra R$ 13.988,00 da agricultura familiar (França, et al, 2009), logicamente devido ao tamanho médio de cada propriedade.

Em termos de produção, a agricultura familiar é responsável por: 87% da mandioca; 70% do feijão; 46% do milho; 38% do café; 34% do arroz; 58% do leite; 59% dos suínos; 50% das aves; 30% dos bovinos; 21% do trigo e porcentagem muito baixa em relação à produção de soja, conforme mostra o gráfico abaixo:

Gráfico 3: Comparação de porcentagem de produção dos principais produtos agropecuários do Brasil entre a agricultura familiar e a não familiar

34

2.3 RELAÇÃO DO DESMATAMENTO NA AMAZÔNIA COM AGRICULTURA