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Agricultura familiar e o cooperativismo na produção de leite

No documento Santa Cruz do Sul 2017 (páginas 89-96)

1 INTRODUÇÃO

4.2 Agricultura familiar e o cooperativismo na produção de leite

A atividade leiteira sempre esteve presente na agricultura familiar, inicialmente como atividade secundária, depois como uma alternativa para gerar renda regular e trabalho. Para o

desenvolvimento na atividade leiteira, o agricultor familiar deve ter acesso ao mercado, o qual exige, cada vez mais, produtos de qualidade e com procedência comprovada. O agricultor familiar que tem dificuldade em se inserir no modelo de produção tecnificada busca como alternativa ser cooperado de uma cooperativa agropecuária.

De acordo com Zuge (2009), o sistema de certificação da cadeia de produtos agropecuários, no Brasil, segue um modelo produzido em outros países. O setor leiteiro preconiza requisitos de qualidade diversos e várias iniciativas já são empregadas para melhorar a remuneração em termos de qualidade do leite, avaliado por meio de ensaios laboratoriais. A avaliação de conformidade do leite tem um custo e, para o agricultor familiar, pode se tornar cara. Essa avaliação (análises laboratoriais) precisa da adoção de mecanismos auxiliares para possibilitar a sua inserção no sistema de certificação. Nesse caso, o agricultor familiar possui carência de técnicos capacitados para desenvolver a assistência técnica visando à adequação dos sistemas produtivos para cumprir as ações inseridas nas políticas públicas implantadas no País.

A primeira iniciativa de regulamentação da produção leiteira no Brasil foi por meio do decreto nº 30.691, de 29 de março de 1952. Esse decreto instituiu o Regulamento da Inspeção Industrial e Sanitária de Produtos de Origem Animal - RIISPOA, aplicado aos estabelecimentos que realizavam comércio interestadual ou internacional, tornando obrigatória a pasteurização do leite, a inspeção e o carimbo do Serviço de Inspeção Federal - SIF. Também introduziu a classificação dos tipos de leite, em função das condições sanitárias de sua obtenção, processamento, comercialização, durabilidade e contagem microbiana.

De acordo com o MAPA (2013), o RIISPOA foi parcialmente modificado algumas vezes desde sua publicação. Considerando a necessidade de atualização e ajustes na legislação, em 1998, o MAPA criou um grupo de trabalho formado por técnicos do governo e representantes de setores associados à cadeia produtiva do leite com o objetivo de propor e articular ações necessárias à modernização e ao aumento da competitividade deste setor e seus derivados no Brasil. Como resultado, em setembro de 2002, o MAPA publicou a Instrução Normativa 51 - IN 51, aprovando os Regulamentos Técnicos de Produção, Identidade e Qualidade do leite tipo A, tipo B, tipo C, do leite pasteurizado e do leite cru refrigerado. Em virtude da dificuldade do produtor de leite, inclusive do agricultor familiar, de se adequar aos novos padrões, a IN 51 foi substituída pela IN 62, de 29 de dezembro de 2011.

As iniciativas relacionadas à educação e à assistência técnica oferecidas pelas cooperativas aos seus cooperados, agricultores familiares produtores de leite se mostraram insuficientes, por falta de conhecimento, muitas vezes, do agricultor familiar que supunha que

a qualidade do leite era assegurada apenas com investimentos onerosos em tecnologia. Silva e Tsukamoto (2001) acreditam que é viável produzir leite de qualidade superior com tecnologia simples, disponível a um baixo custo.

Nesse sentido, o MAPA, em 2009, criou o programa de Produção Integrada de Sistemas Agropecuários – PISA, em parcerias público-privadas, cujo objetivo principal era promover o desenvolvimento agropecuário sustentável — em unidade básica de planejamento

—, por meio de difusão de tecnologias sustentáveis e transformação do processo produtivo para obtenção de alimentos seguros, com qualidade, incluindo agregação de valor, competitividade, geração de emprego e renda e a permanência do agricultor familiar no meio rural.

A manutenção da agricultura familiar ocorre pelo modo com que ela interage com o capitalismo, e esta interação varia, assumindo formas heterogêneas e muito específicas. De acordo com Schneider (2006), a agricultura familiar tem certa autonomia em relação ao capital e se reproduz nessas condições. Apesar das novas tecnologias, as decisões são adotadas pela família, que leva em conta as condições materiais e do ambiente social e econômico que são determinantes e definidoras das trajetórias e estratégias que viabilizam ou não a sua sobrevivência social, econômica e cultural. A agricultura familiar possui significativos fatores que a limitam, conforme seus obstáculos naturais.

Cabe chamar a atenção para o fato de que a agricultura familiar possui particularidades que a diferenciam das demais atividades econômicas, em especial por suas potencialidades referentes à interdependência dos fatores de produção, propriedade e trabalho e pela sua capacidade de gerar renda no meio rural. Assim, a produção leiteira, especialmente nas pequenas propriedades familiares, significa uma oportunidade de gerar renda e uma forma de utilizar a mão de obra familiar. Conforme Silva e Tsukamoto (2001), o gado representa uma reserva de valor de fácil liquidez, o que acaba por criar condições concretas de permanência do agricultor familiar na atividade agrícola. Além do fato de a comercialização do leite produzir a entrada monetária mensal e o próprio produto e seus derivados servindo para consumo familiar, melhoram as suas condições de vida. Porém, a produção de leite possui características distintas conforme a região em que ela se desenvolve.

A atividade leiteira no Vale do Taquari foi desenvolvida pelos agricultores familiares e alcançou notoriedade econômica a partir da crise da suinocultura nas décadas de 1950/1960, como uma alternativa de trabalho e renda entre as atividades de produção de aves e suínos, que fomentou a agroindústria e, consequentemente, incrementou a atividade comercial.

Conforme o Censo Agropecuário (2006), mais de 70% da produção de leite do Vale do

Taquari provinha de propriedades com, no mínimo, 10 e, no máximo, 49 vacas ordenhadas.

Essa distribuição é similar à média do RS, onde, relativamente ao Brasil, predominavam propriedades leiteiras de menor porte, administradas por agricultores familiares.

Segundo o IBGE (2014), desde o início da abertura comercial e da desregulamentação do setor lácteo, a participação do Vale do Taquari na produção estadual de leite manteve-se oscilando entre 7,4% e 9,4%. Nos 36 municípios que compõem o Vale do Taquari, o número de vacas ordenhadas era superior a 100.000, o que equivalia a 6,9% do rebanho gaúcho. Nesse sentido, a produtividade média nos principais municípios produtores de leite, na região do Vale do Taquari, superava a média estadual (2.900 litros/vaca/ano) e o Vale do Taquari atingia 3.400 litros/vaca/ano.

O setor lácteo, no Vale do Taquari, conforme Feix et al (2015), enfrenta dificuldades, o que repercute nas relações socioeconômicas com os agricultores familiares. Parte dos laticínios envolveu-se na Operação Leite Compensado uma investigação do Ministério Público - que comprovou a alteração (fraude) no leite. Essa investigação do Ministério Público obrigou muitos laticínios a encerrar suas atividades ou arrendar suas plantas industriais, deixando passivos entre seus fornecedores e demitindo funcionários. Mesmo as cooperativas Cosuel, Languiru e outros laticínios que não foram alvo da operação sentiram seus reflexos. As investigações realizadas na Operação Leite Compensado evidenciaram a necessidade de maior fiscalização e transparência no controle de qualidade do leite.

A atividade leiteira, de acordo com Feix et al (2015), no Vale do Taquari, é fornecedora de matéria-prima para a indústria de lácteos: leite UHT, queijos, manteigas, iogurtes, entre outros. E também fornece matéria-prima para indústrias menores de produtos derivados de leite: queijos, sorvetes e outros gelados comestíveis.

FIGURA 10: COOPERATIVAS E EMPRESAS, QUE ATUAM NA ATIVIDADE DE LATICINIOS, NO VALE DO TAQUARI - 2015

Empresa/

Cooperativa

Município Produtos Marca Informações Adicionais

Bona Vita Progresso Queijos Bona Vita

BRF Teutônia

Inovare-Pavlat

Paverama Creme de leite, leite UHT Pavlat

A Pavlat esteve envolvida na

Promilk Estrela Leite resfriado A empresa paralisou suas

atividades em Estrela no mês de

Queijos Quinta do Vale Não encontradas

Cooperativa

Nota: Alguns dados foram consultados nos sites das indústrias de laticínios, 2016.

A Figura 10 identifica as principais cooperativas e empresas do Vale do Taquari que industrializam e comercializam produtos lácteos. Muitos desses estabelecimentos são de pequeno porte, estão cadastradas como agroindústrias familiares, além de grandes, médias empresas e as cooperativas Cosuel e Languiru, que atuam no segmento de laticínios. A maior parte desses laticínios utiliza o leite como matéria-prima para transformá-lo em produtos derivados com maior valor agregado, não se restringindo ao beneficiamento do leite para consumo humano. As indústrias de laticínios listados no Quadro 4 possuem atuação em diferentes mercados. A Brasil Foods - BRF e Lácteos Brasil - LBR possuem atuação global, que ofertam um amplo mix de produtos derivados do leite. Suas plantas industriais na região

cumprem um papel específico e determinado nas suas divisões de negócios de laticínios, aproveitando-se da disponibilidade de matéria-prima na região.

A Quinta do Vale, em 2011, alegando a escassez de matéria-prima na região do Vale do Taquari, decidiu investir na construção de uma nova planta no município catarinense de Itá, situado próximo à fronteira com o RS. A Tangará Foods, que recentemente adquiriu a planta industrial da Lativale (Estrela/RS) tem origem em Minas Gerais. As demais indústrias de laticínios são de origem local e suas unidades industriais estão voltadas para o desenvolvimento da região. Além das indústrias de laticínios de maior porte, as agroindústrias também atuam no Vale do Taquari e possuem como principal fornecedor de matéria-prima o agricultor familiar. Essas agroindústrias possuem instalações pequenas e ofertam linhas de produtos diversificadas ou especializadas principalmente em queijos e leite pasteurizado tipo C.

FIGURA 11: AGROINDUSTRIAS FAMILIARES DO SETOR DE LATIÍNIOS NO VALE DO TAQUARI – 2013

Agroindústria Município Produtos

Primo Sole Encantado Queijos temperados

Agroindústria Ouro Branco Encantado Queijos

Estrelat Estrela Leite

Hachmann Imigrante Derivados de leite

Rancho Belo Travesseiro Leite e queijos

IMF Nova Bréscia Laticínios

Angelita F. de Oliveira Nova Bréscia Laticínios

Fiori D’Late Pouso Novo Leite

Deoclides José Batisti Progresso Queijos e leite

Agriborba Taquari Leite

Osmar Schneider Teutônia Queijos

Fonte: APL – Arranjo Produtivo Local, 2015.

NA Figura 11, registram-se as diversas agroindústrias atuando no mercado lácteo no Vale do Taquari, dentre as quais quatro são especializadas na produção de queijos, uma, em queijos temperados, seis se especializam na pasteurização do leite e o vendem em domicílio.

As demais agroindústrias, além do leite pasteurizado, industrializam produtos derivados com agregação de valor — doce de leite e bebida láctea, entre outros.

A produção de leite vem se adaptando às exigências do mercado e se consolidando como atividade estratégica para a agricultura familiar no Vale do Taquari. Uma característica marcante da agricultura familiar é a diversificação de culturas, mas necessita de uma atividade dominante que gere excedentes para viabilizar a permanência do agricultor familiar no meio rural. Dessa forma, o leite tornou-se a principal atividade na composição da renda de milhares de agricultores familiares, com grande alcance econômico e social. E, ao mesmo

tempo, o agricultor familiar está se estabilizando, hoje como ator social, busca alcançar o reconhecimento de classe social.

Neste capítulo, discorreu-se sobre a importância socioeconômica da cadeia produtiva do leite e a sua habilidade de constituir relações com outras cadeias produtivas. Constatou-se que a produção leiteira possui reconhecimento econômico e social entre os agricultores familiares como fonte de trabalho e renda regular, além de gerar interação entre os mesmos.

Mas, para ter acesso ao mercado altamente competitivo, o agricultor familiar buscou apoio no cooperativismo, que se apresentou como uma alternativa de organização, agregação de valor e forma de comercializar a produção leiteira. Para dar sequência a este estudo, no próximo capítulo, apresenta-se a pesquisa empírica sobre as relações sociais de produção entre agricultores familiares e as Cooperativas Cosuel e Languiru.

5 AS RELAÇÕES SOCIAIS DE PRODUÇÃO ENTRE AGRICULTORES

No documento Santa Cruz do Sul 2017 (páginas 89-96)