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Agricultura familiar e desertificação: Perspetivas dos agricultores

VII. ANÁLISE DOS RESULTADOS

7.2 Agricultura familiar e desertificação: Perspetivas dos agricultores

O estado da agricultura na perspetiva dos agricultores é bastante negativo, um setor pouco dinamizador, com uma fraca capacidade de escoamento dos produtos de primeira qualidade, uma agricultura de subsídio, terrenos constituídos por parcelas de pequenas dimensões, todos estes fatores proporcionam o abandono da agricultura. É nesta perspetiva que M. Figueiredo agricultor do concelho de Amares afirma que “a falta de escoamento dos produtos leva a que muitos dos agricultores acabem por desistir de trabalhar nesta atividade (…) a falta de interesse por parte do poder local é outro entrave para que a nossa agricultura seja reconhecida como uma atividade importante para a economia local (…) a ausência de mão- de-obra jovem não ajuda, pelo contrário, não há habitantes novos no concelho, não há investimentos, nem novas ideias para dinamizar a agricultura (…).”63

Por sua vez, R. Silva agricultor do concelho de Trancoso comenta que relativamente aos apoios da Câmara “ (…) sei que existe um gabinete técnico, mas eles não sabem como fazer projetos, são muito demorados, não dão apoio financeiro, somente técnico (…) os projetos ligados à agricultura não têm grande visibilidade por parte da Câmara, se for grandes explorações ou empresas transformadoras, ai sim já ajudam em tudo.”64

Ainda neste contexto M. Pedro argumenta que “ há uma grande falta de incentivo e sensibilização por parte do poder local para quem pretende estabelecer-se por conta própria na agricultura (…) tudo é mal feito para eles, não nos valorizam, e é desmotivante, (…) somos despromovidos, são os governantes locais que temos, a desertificação vai continuar enquanto não houver uma pessoa dinâmica que faça por atrair mais gente.”65

Já para E. Santos agricultor do concelho de Amares, a Câmara Municipal tem tido um papel muito ativo na promoção da agricultura, “tem sido uma grande ajuda para nós agricultores (…) os apoios da Câmara são importantes para a elaboração de candidaturas, tem técnicos bem informados e muito competentes que nos proporcionam uma grande ajuda, temos apoio constante.”66 63 M. Figueiredo, Agricultor 64 R. Silva, Agricultor 65 M. Pedro, Agricultora 66 E. Santos. Agricultor

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Por outro lado, uma população bastante envelhecida, sucessivas políticas agrícolas erradas conduziram a agricultura para o abandono deixando de ser considerada como uma atividade lucrativa, e, ainda instalou-se um estigma relativamente ao agricultor. A inculcação de uma mentalidade retrógrada leva ao abandono da atividade, é neste seguimento de ideia que R. Silva agricultor do concelho de Trancoso comenta “apesar de trabalhar como agricultor e de conseguir viver desta atividade, ainda existe uma mentalidade muito retrógrada, devemos combater esta situação, investindo em formação e tecnologia.”67

Ainda no seguimento da mesma ideia, quer para E. Machado, quer para R. Freitas, “os

agricultores são vistos como aqueles que não servem para nada, quem trabalha na agricultura é ridiculizado, não é uma atividade que desperte interesse por parte dos consumidores, existe um grande estigma em torno da agricultura.”68

Para finalizar, M. Rocha agricultor no concelho de Vieira do Minho comenta que, “existe um estigma em torno da agricultura, muitos jovens não querem trabalhar no campo, preferem emigrar do que contribuir para o desenvolvimento rural.”69

Conscientes da necessidade em investir nas explorações agrícolas os agricultores tentam elaborar candidaturas aos fundos europeus como por exemplo o PRODER. Este programa tem sido uma estratégia para o financiamento de projetos agrícolas. No entanto por causa do parcelário, da idade avançada dos agricultores, da falta de motivação dos mesmos, da pouca informação prestada pelas associações agrícolas, assim como do poder local, nem todos os agricultores têm acesso aos respetivos programas de fundos estruturais. É neste contexto que N. Gonçalves defende que, “tem sido uma política com grande potencial para o desenvolvimento do país, mas não é favorável para o desenvolvimento rural (…) antigamente não havia fiscalização dos projetos financiados, hoje a situação é melhor, (…) poderíamos tirar mais partido das políticas. (…) já recorri ao PRODER, acho um programa que não se adequa à realidade portuguesa, simplesmente porque os nossos terrenos são de pequena dimensão, este tipo de apoio não comtempla o parcelário.”70

Por sua vez, R. Silva, afirma que “duvido muito que os apoios têm ajudado em muito os agricultores, a elaboração é muito demorada, muita burocracia, é só gente a chatear (…) esses projetos não foram feitos para ajudar os pequenos agricultores com pequenas áreas de

67 R. Silva, Agricultor 68 R. Freitas, Agricultor 69 M. Rocha, Agricultor 70 N. Gonçalves, Agricultor

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terreno, somente a partir de uma determinada área de terra, não é um programa de desenvolvimento muito justo.”71

Neste contexto, E. Machado agricultor do concelho de Trancoso refere que “os pequenos agricultores não têm direito a nada, se queremos plantar oliveiras temos de pedir autorização, caso contrário são oliveiras clandestinas e somos obrigados a arrancá-las e ainda por cima levamos com uma multa.”72

Ainda neste âmbito, também P. Frade, agricultor do concelho de Trancoso, reconhece que “o parcelário tem dificultado em muito a elaboração de projetos, simplesmente porque os terrenos não têm a dimensão requerida (…) esta política não está bem enquadrada na nossa região, nunca apostou nas pequenas explorações, mas sim nas de grande dimensão (…) as sucessivas políticas agrícolas erradas contribuíram para o estado da agricultura, para o abandono das terras, para uma desertificação muito acentuada no nosso concelho bem como em todo o distrito da Guarda. ”73

A falta de escoamento dos produtos agrícolas tem sido o principal fator apontado pelos agricultores no que diz respeito o abandono da agricultura. Os agricultores dos concelhos em análise confirmaram que tem sido um problema sem solução, apesar de alguma ajuda por parte do poder local, bem como das associações agrícolas, o problema persiste. É neste sentido que R. Freitas agricultor do concelho de Figueira de Castelo Rodrigo comenta que “ (…) a culpa é a falta de escoamento, não há ninguém, que quer comprar os produtos, tenho dificuldade em vender.”74

Nesta perspetiva, A. Capela agricultor do concelho de Mêda comenta “ a falta de escoamento é o grande problema (…) não consigo vender os meus produtos, (…) ofereceram- me 2.5 € por cada saca de 25 quilos de batatas, ( …) não dá para comprar uma saca à cooperativa, não vendi.”75

Ainda neste contexto, R. Silva salienta que “a falta de escoamento dos produtos leva a que muitos agricultores acabem por desistir de trabalhar nesta atividade (…) como posso competir com os espanhóis quando introduzem a batata espanhola a 0.04 € o quilo.”76

71 R. Silva, agricultor 72 E. Machado, Agricultor 73 P. Frade, Agricultor 74 R. Freitas, Agricultor 75 A. Capela, Agricultor 76 R. Silva, agricultor

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Para J. Frade agricultor do concelho de Vila Verde, o escoamento dos produtos agrícolas é um problema com difícil resolução “aqui o grande problema é a falta de escoamento, vende- se os produtos quase de graça, é complicado viver assim (…).”77

Já para F. Silva agricultor do concelho de Amares, a realidade é outra pela proximidade da cidade de Braga onde consegue escoar os produtos agrícolas, refere que “consigo escoar todos os meus produtos o que me permite viver confortavelmente (…) o facto de viver perto de Braga permite o escoamento dos produtos, temos cidades como Guimarães e o Porto onde se consegue igualmente escoar muita produção.”78

Os agricultores entrevistados defendem que a agricultura familiar não contribui para o combate da desertificação nos territórios em análise, pelo contrário. É neste sentido que A. Cardoso agricultor do concelho de Figueira de Castelo Rodrigo refere que “infelizmente não é a agricultura familiar que nos vai permitir lutar contra a desertificação, pelo contrário, a agricultura leva as pessoas a deixar as aldeias, não temos futuro aqui (…).”79

Para P. Mesquita, a agricultura familiar não tem capacidade para lutar contra a desertificação, para este agricultor do concelho de Figueira de Castelo Rodrigo os agricultores estão a morrer, não há saída, e refere que “cabe ao governo tratar do assunto.”80

No mesmo contexto, N. Gonçalves agricultor do concelho de Mêda refere que “no concelho a maioria dos prédios estão ao abandono, eu entendo os proprietários, não há incentivo para trabalhar.”81

Além disso, e ainda segundo M. Pedro agricultora do concelho de Mêda a agricultura não é um incentivo para uma pessoa sair da cidade e vir instalar-se no campo, não é rentável. Para E. Machado argumenta que “ a falta de emprego leva a uma emigração dos jovens qualificados, não há empenho por parte do poder local a fim de combater este êxodo, continua a sair cada vez mais gente.”82

Ainda no mesmo seguimento de ideia, M. Pires, agricultor do concelho de Vieira do Minho, salienta que “há já uma grande desertificação, sente-se mais nas freguesias limítrofes com Terras de Bouro ou Montalegre, nessas aldeias há pouca gente, com duas ou três crianças,

77 J. Frade, agricultor 78 F. Silva, Agricultor 79 A. Cardoso, agricultor 80 P. Mesquita, agricultor 81 N. Gonçalves, agricultor 82 E. Machado, agricultor

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(…) as únicas saídas profissionais no concelho estão ligadas à agricultura, temos muita área situada na serra da Cabreira, e ai, não se pode fazer nada, é área protegida.”83

Já, M. Figueiredo não se queixa da situação vivida no concelho de Amares, referindo que “a agricultura está a recuperar no concelho de Amares, temos assistido à instalação de novas explorações agrícolas (…) o nosso concelho é bastante turístico, há muito movimento e muita procura dos nossos produtos (…) temos pouca desertificação (…) existem freguesias que sempre tiveram pouca gente mas não estão desertificadas.”84