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2. TRANSFORMAÇÕES RECENTES NA AGRICULTURA FAMILIAR

2.3. Agricultura Familiar

2.3.1. O conceito

Segundo Schneider (2003), o termo “agricultura familiar” é de uso recente no vocabulário acadêmico, governamental e de políticas públicas em nosso país.

Durante décadas os termos usados para se referir a esta categoria social era pequena produção, agricultura de baixa renda, pequeno agricultor, ou mesmo agricultura de subsistência. Abramovay (1992) e Veiga (1991) foram os primeiros autores a inserir esse conceito nas ciências sociais, diferenciando-o do tradicional conceito de pequeno produtor ou do camponês, que vigorava anteriormente nos debates sobre questão agrária. Na ótica desses autores, a agricultura familiar é aquela na qual a “propriedade, a gestão e a maior parte do trabalho, vêm de pessoas que mantêm entre si vínculos de sangue ou de casamento” (ABRAMOVAY, 1982).

Contudo, esta categoria social vem sendo estudada por pesquisadores ligados a variadas áreas do conhecimento e trabalhada em vários setores de políticas do Governo. Essa conjuntura explica as diferentes concepções que envolvem seu conceito, os desafios e as perspectivas pertinentes.

Conforme Ferraz et al. (2008), o conceito de agricultura familiar é algo que está em discussão, pois é muito amplo e permite fazer várias abordagens e análises. Não obstante, existem algumas generalidades do conceito, que permitem dar atributos comuns, sendo eles: a família como proprietária dos meios de produção, o trabalho na terra, modalidades de produção e manifestações de valores tradições (patrimônio sociocultural) em torno da e para a família (TEDESCO, 2001).

Em 2000, foi firmado um Convênio entre a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação - FAO e o Instituição Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA, em conjunto com o Ministério do Desenvolvimento Agrário - MDA, que resultou no estudo denominado o Novo Retrato da Agricultura Familiar: O Brasil Redescoberto, sendo considerado um dos mais importantes trabalhos sobre a agricultura familiar no país. Segundo a definição da FAO/INCRA, a agricultura familiar está baseada em três características: a gerência da propriedade rural é feita pela família, o trabalho é desempenhado na sua maior parte pela família, e os fatores de produção pertencem à família (exceção, às vezes, a terra).

Somente em 24 de julho de 2006 foi instituída a Lei nº 11.326, que estabelece a Política Nacional da Agricultura Familiar e Empreendimentos Familiares Rurais. A Lei nº 11.326 institui os conceitos, princípios e instrumentos direcionados à agricultura Familiar. A partir de então, do ponto de vista legal, agricultor familiar é aquele que pratica atividades no meio rural, atendendo, simultaneamente, aos requisitos citados no seu art. 3º.

I - não detenha, a qualquer título, área maior do que 4 módulos fiscais;

II - utilize predominantemente mão de obra da própria família nas atividades do seu estabelecimento ou empreendimento;

III - tenha renda familiar predominantemente originada de atividades econômicas vinculadas ao próprio estabelecimento, e

IV - dirija seu estabelecimento com sua família.

O que se observa de comum, em todas estas abordagens, é a relação entre terra, trabalho e família e que é a junção destes três fatores que diferenciam a agricultura familiar das outras formas de agricultura.

2.3.2. A importância e contribuição da agricultura familiar no Brasil

Ao longo da história a agricultura familiar exerceu papel crucial para o desenvolvimento das grandes culturas de exportação, pois assegurava a produção de alimentos para o abastecimento interno (GIRARDI, 2008). Conforme descrito por Prado Jr. (1994, apud GIRARDI, 2008), não havia interesse dos grandes estabelecimentos na produção de excedente de alimentos para a população. A população era abastecida por uma agricultura camponesa de base familiar, alicerçada nas pequenas propriedades. Enquanto, os grandes estabelecimentos rurais se encarregavam da produção de monoculturas voltadas para exportação.

Agricultura familiar no Brasil, foi por muitos anos um setor à margem do cenário e da vida política e econômica do país. No entanto, estudos realizados sobre o tema destacam a relevância dessa categoria em termos econômicos e sociais ao longo dos últimos séculos, sobretudo, ao longo das últimas décadas.

Enquanto categoria social e produtiva, a agricultura familiar assume proporções nada desprezíveis para a formulação de um projeto de desenvolvimento no país, já que cerca de 90,0% de seus 5.807 municípios têm na atividade agrícola a base de sua economia (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - IPEA, 2012).

De acordo com os dados do último Censo Agropecuário de 2006, existem atualmente 5.175.489 estabelecimentos, sendo que 84.4% (4.367.902) são estabelecimentos rurais de agricultura familiar e 15.6% (805.587) não familiar. A área total das unidades familiares era de (24,3%) 80.250.453 hectares e a área total dos estabelecimentos não familiar era de (75,7%) 249.690.940 hectares.

Embora a agricultura não familiar ou patronal tenha utilizado 75,7% da área agricultável, o Valor Bruto Anual da Produção - VPB foi de 62,0% do valor monetário obtido com a produção ou 89 bilhões de reais, enquanto o Valor Bruto Anual da Produção da agricultura familiar foi de 38,0% ou 54 bilhões de reais, utilizando apenas 24,3% da área total ocupada pelos estabelecimentos agropecuários brasileiros, e empregando 74,4% da população economicamente ativa do setor rural ou 12.322.225 pessoas. (IBGE, CENSO AGROPECUÁRIO, 2006). O que evidencia a alta concentração fundiária no país.

Fernandes, Welch e Gonçalves (2012), ressaltam que esta desigualdade fica mais evidente quando se observa que a relação pessoa/hectare, na agricultura não familiar ou patronal é de apenas 02 (duas) pessoas em cada cem hectares, enquanto nos territórios da agricultura familiar a relação é de 15 (quinze) pessoas para cada cem hectares. Esta diferença ajuda a compreender que a maior parte das pessoas que trabalham na agricultura familiar vive no campo e que a maior parte das pessoas que trabalham na agricultura patronal vive na cidade.

Ainda de acordo com o último Censo Agropecuário 2006, cabe destacar a participação da agricultura familiar na produção agropecuária brasileira, no que concerne ao percentual do Valor Bruto Anual da Produção. A Figura 1 destaca a participação da agricultura familiar nas principais culturas e criações.

Figura 1. Percentual de participação da agricultura familiar no VPB.

Fonte: Censo agropecuário 2006

Destaca-se que 74,4% dos agricultores recebem somente 15,0% do crédito agrícola, possuem apenas 24,3% da área agricultável, mas produzem 38,0% do Valor Bruto Anual de Produção. É pouca terra e muita gente que recebe pouco crédito e divide o resto da riqueza produzida. Do outro lado, o agronegócio fica com 85,0% do crédito agrícola, controla 75,7% da área agricultável, produz 62,0% do valor bruto e emprega apenas cerca de 25,60% das pessoas. É muita terra e pouca gente que fica com a maior parte dos recursos empregados na agropecuária (FERNANDES, WELCH e GONÇALVES, 2012, p. 13).

Quanto à participação da agricultura familiar na economia brasileira, Guilhoto et al. (2007) apontam que a produção familiar não é somente um fator de desaceleração do fenômeno do êxodo rural e fonte de recursos e de emprego para famílias de rendas menores, como também possui importante contribuição para a geração de riquezas.

Uma pesquisa realizada pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas - FIPE e contratado pelo Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural - NEAD, revelou que somente em 2003, a agricultura familiar foi responsável por 10,1% do PIB do agronegócio, movimentando R$ 156,6 bilhões. Em 2002, essa participação correspondia a 9,3%. O levantamento mostra ainda que o PIB da agricultura familiar cresceu R$ 13,4 bilhões em 2003, o que representa 9,37% a mais do que no ano anterior. Os dados apontam que a agricultura familiar participou do boom do agronegócio dos anos 2000 e também preservou seu papel de produtora comercial de produtos de alimentação (GUANZIROLI, SABBATO e VIDAL, 2011, p. 47).

Nesse contexto, é indiscutível a importância econômica, social, cultural e ambiental da agricultura familiar para um projeto nacional de desenvolvimento para país (SOUSA, 2009).

Ao longo da última década, o desempenho vivenciado por esse segmento social pode ser atribuído à formulação de políticas públicas voltadas para atender as demandas especificas dessa categoria, dentre elas, a criação do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF), por meio do Decreto Presidencial nº 1.946, datado de junho de 1996, dez anos depois foi promulgada a Lei 11.326/2006, conhecida como a Lei da Agricultura Familiar e Empreendimentos Familiares Rurais, que conferiu legalidade aos agricultores familiares.

O PRONAF não é só um programa de crédito, mas apresenta outros instrumentos complementares de ação de Governo que contribuem para a sustentabilidade dos empreendimentos familiares rurais, considerando a atuação desses instrumentos de forma integrada. As ações desenvolvidas através das políticas públicas assumiram um papel central na transformação da base sócio produtiva da agricultura brasileira.

No capítulo 3 e 4 adiante, serão abordados as políticas públicas para o desenvolvimento da agricultura familiar voltadas para promoção da alimentação e abastecimento, meio ambiente e melhoria das condições de vida da população rural, de modo especial o PRONAF.

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