• Nenhum resultado encontrado

2 AGRICULTURA: DOS SISTEMAS ITINERANTES AO MODELO SUSTENTÁVEL

2.3 A AGRICULTURA SUSTENTÁVEL, UMA NOVA PROPOSTA

2.3.1 Agricultura sustentável no Brasil

No início dos anos 1970, quando se discutia a questão dos limites de crescimento por razões ecológicas e desenvolvia-se a idéia do desenvolvimento sustentável, no Brasil, a

problemática ambiental era vista como algo que poderia causar problemas na condução de suas políticas econômicas, conduzidas sob o modelo desenvolvimentista.

A estrutura fundiária e a modernização agrícola que beneficiou apenas os médios e, principalmente, os grandes proprietários, sob a justificativa de que a agricultura moderna eficiente era tecnologicamente incompatível com a pequena produção, devido ao seu elevado grau de mecanização, resultou num processo de transferência de mão-de-obra rural para os centros urbanos industriais.

Este contingente, somado aos milhões de antigos parceiros, rendeiros, meeiros, transformados em sem-terra contribuiu para o crescimento das cidades e o esvaziamento do campo, agravado em conseqüência da crise de superprodução dos anos 1980 e a conseqüente queda nos investimentos no setor agrícola e no corte dos subsídios. Estes fatos levaram os estudiosos do assunto a um certo consenso de que grande parte da população rural abandonaria o campo em conseqüência do processo de modernização da agricultura.

Vivendo ainda sob a égide da ‘revolução verde’12 e do modelo de modernização agrícola americano, embora existam regiões, a exemplo do semi-árido nordestino, onde ainda se pratica formas de agricultura pré-modernizadas, a agricultura sustentável no Brasil, nos moldes apresentados acima, ainda é uma proposta que carece de discussão para sua implementação.

Observa-se ainda, que apesar de décadas de crescimento econômico acelerado, o modelo desenvolvimentista não foi capaz de retirar o país da crise econômica e muito menos resolver o problema da exclusão social, o que reforça a idéia de que o crescimento econômico como condição necessária, não foi suficiente para resolver tais problemas. Desta forma,

12 A expressão ‘revolução verde’ é aplicada ao processo de expansão da agricultura mundial, induzida pela modernização da agricultura, via modelo de modernização americano, cuja ênfase estava no aumento da produtividade através do uso intenso de defensivos agrícola e mecanização dos campos (ROMEIRO, 1998).

convivemos hoje com uma agricultura moderna sob a ótica não conservacionista, mas com os mesmos problemas ambientais dos países desenvolvidos, e com um elevado grau de exclusão social.

A resolução destes graves problemas requer uma mudança no padrão tecnológico, articulado com políticas agrárias e agrícolas que estejam centradas na agricultura familiar e possam cumprir a função histórica do setor agrícola de regulador da oferta de mão-de-obra para o setor urbano-industrial (ROMEIRO, 1998).

Neste sentido, as ações governamentais têm se centrado na capacitação e profissionalização dos agricultores às demandas de mercado, com ênfase no domínio de tecnologias modernas e no gerenciamento da propriedade, visando alcançar níveis de rentabilidade e de produtividade crescentes de modo a torná-los competitivos no mercado.

Estas ações estavam inseridas no que se chamou de Plano de Desenvolvimento Local Integrado e Sustentável, do Governo Fernando Henrique Cardoso, que visava à melhoria da qualidade de vida das populações das pequenas cidades e o surgimento de comunidades sustentáveis.

Este plano previa a descentralização das políticas públicas e projetos de interesse local, o estímulo à exploração dos recursos naturais e culturais locais, e a formação de redes de parcerias entre as agências modernizadoras, ONG’s e a sociedade civil. O caráter inovador destas estratégias de desenvolvimento reside na inserção de atividades não agrícolas como:

turismo, artesanato, lazer, preservação ambiental, dentre outras, como forma de ampliar as oportunidades de renda dos agricultores. Esta somatória de atividades agrícolas e não agrícolas no campo, é o que vem sendo chamado de pluriatividade no novo mundo rural.

Em algumas regiões, devido à crise dos preços dos produtos agrícolas, a pluriatividade passou a se constituir numa condição para a permanência da atividade agrícola, para o

aumento da capacidade de consumo, e até mesmo para a melhoria das condições de sobrevivência de pequenos produtores.

A viabilização de planos como este, requer, segundo autores como Silva (2000) algumas ações como planejamento local, revisão dos instrumentos de atuação do poder público, e gestão participativa do território. Neste sentido, Silva (2000) argumenta que, o eixo central deve ser a eliminação da pobreza, evitando ênfases rurais e setoriais e as abordagens parciais e geralmente agrícolas dos problemas. Além disso, devem ser evitadas as políticas assistencialistas de curto prazo.

Estes objetivos seriam alcançados com o investimento em infra-estrutura básica, o incentivo à autoconstrução rural, e os programas de garantia de renda mínima. Neste sentido, os instrumentos de apoio específico ao desenvolvimento rural deveriam ser: 1) a educação básica para a cidadania; 2) a implantação ou aperfeiçoamento dos sistemas de pesquisa e extensão rural voltados para o desenvolvimento local, e 3) o apoio às iniciativas de associativismo e cooperativismo.

No tocante à gestão participativa do território, Silva (2000) salienta que a mesma deve estar calcada no acesso à educação, como elemento primordial de participação, e na co-responsabilidade, mediante a participação nos processos de tomada de decisões.

Neste aspecto, a gestão participativa tem conseguido romper algumas barreiras estabelecidas nas ações de planejamento tradicionais. Uma delas é a substituição dos limites geográficos municipais por variáveis que incorporem aspectos ambientais no processo de desenvolvimento local sustentável. Neste sentido têm se formado os consórcios municipais estaduais e regionais, visando a busca de soluções compartilhadas e o aumento do poder de pressão dos envolvidos nos processos de negociação com as instâncias superiores (SILVA, 2000).

O exemplo mais importante de gestão participativa, no âmbito do tema desta dissertação, é o que diz respeito à prática da agricultura sustentável, tomando-se a bacia hidrográfica como unidade básica de conservação do solo, da água e do planejamento. Pois se fundamenta nas delimitações impostas pelos fluxos de água em direção a um manancial ou com base nos chamados divisores de água, o que de certa forma diminui a influência dos limites geográficos municipais no planejamento (SILVA, 2000).

A gestão descentralizada e participativa das bacias hidrográficas foi garantida pela promulgação da Lei n.º 9.433/97, que adotou a bacia hidrográfica como unidade de planejamento, e estabelecendo três instâncias nesse processo de gestão: 1) os comitês de bacias hidrográficas, formado pelos três níveis de governo, a sociedade civil organizada e os usuários, que se constituíram em fóruns de decisões no âmbito das bacias; 2) as agências de águas, instâncias operacionais e técnicas dos comitês, cujos objetivos são gerir os recursos oriundos da cobrança pelo uso da água e realizar as obras de engenharia necessárias, e 3) as organizações civis de recursos hídricos atuantes na bacia.

Existem no Brasil realidades distintas em relação à dinâmica e os padrões agrícolas e aos aspectos da gestão participativa, inclusive no que se refere à gestão de recursos hídricos.

Pois, enquanto no sul, no sudeste e nas regiões de expansão da fronteira agrícola, como o centro oeste e o oeste da Bahia predominam os padrões de modernização da agricultura, principalmente relacionados à agricultura de grãos, no norte e no nordeste observa-se a existência de padrões agrícolas atrasados.

Neste sentido, faz-se necessário abordar-se-á com mais profundidade a evolução destes padrões no nordeste do Brasil, região onde está inserida a RAID Juazeiro/Petrolina13 que é objeto de estudo desta dissertação. É o que será visto no capítulo seguinte.

13 A RAID Juazeiro/Petrolina é uma região, criada pela Lei Complementar n.º 113 de 19/09/2001 e regulamentada pelo Decreto n. º 4.366 de 09/09/2002, para efeitos da articulação da ação administrativa da União, dos Estados de Pernambuco e da Bahia, conforme previsto nos Artigos 21, inciso IX, 43 e 48, inciso IV, da Constituição Federal. Esta Região é constituída pelos Municípios de Lagoa Grande, Orocó, Petrolina, Santa Maria da Boa Vista, no Estado de Pernambuco, e pelos Municípios de Casa Nova, Curaçá, Juazeiro e Sobradinho, no Estado da Bahia.

3 AGRICULTURA NO NORDESTE BRASILEIRO: DA MONOCULTURA DA