• Nenhum resultado encontrado

Neste tópico foi abordada e conceituada a terminologia relacionada às agroindústrias familiares e às características que as definem. Discorre-se também

63 sobre a importância da atividade para o desenvolvimento e a diversificação em pequenas propriedades familiares.

De acordo com Guimarães &Silveira (2007) diversas terminologias e diferentes dimensões são levantadas em relação às agroindústrias familiares rurais, sejam elas referentes à localização do empreendimento (rural), ao processo de produção (artesanal), ao tipo de produto (colonial) e à escala de produção (pequeno porte). Muita confusão e indefinição ainda cercam o conceito. Ocorre, inclusive a utilização do termo indústria, indicando a incompreensão da especificidade de uma atividade que beneficia matérias-primas oriundas da produção agrícola (agroindústria) e vai além, não diferencia a transformação de alimentos de outras atividades, de processamento de matérias-primas agrícolas.

No processo industrial o fundamento é a padronização do produto, a garantia de que determinada marca não apresenta variação nem em qualidade nem nas características do produto. Garantido através dos procedimentos técnicos e operações maquínicas sob rígido controle. Enquanto no artesanal é o império do como fazer, da variável humana, da diferenciação. A criatividade e a inovação permanecem como possibilidade (SILVEIRA & HEINZ, 2005).

Gimarães & Silveira (2007) propõem a diferenciação entre três tipos de situações referentes ao processamento de alimentos no meio rural: (1) a agroindústria caseira (definida com base na inexistência de espaço específico para processamento e sua relação com o consumo familiar), (2) a agroindústria familiar artesanal (já com espaço específico de processamento, caracterizada pelo processo artesanal de produção) e, (3) a agroindústria familiar de pequeno porte (espaço próprio de processamento e procedimentos industriais de produzir, diferenciando-se da grande unidade agroindustrial somente pela escala de produção).

Inúmeras definições e conceitos estão em constante discussão, não cabendo aqui discuti-los, mas sim, evidenciar a heterogeneidade deste tipo de atividade no meio rural, o que dificulta a ação de políticas públicas nos agricultores

64 que estão excluídos deste processo e podendo até mesmo resultar num aumento da desigualdade local, pelo favorecimento de plantas industriais, que exigem aumento da produção em escala, muitas vezes incompatíveis com a produção familiar. E isso resulta num contingente de produção que permanece na informalidade.

Prezotto (2002) propõe uma terminologia ligada à concepção da atividade, a agroindústria rural de pequeno porte – ARPP7. Destaca-a como importante alternativa para promover a participação dos agricultores familiares no processo produtivo. Para este autor, a industrialização dos produtos agropecuários não se constitui em uma novidade, já faz parte da história e da cultura regional, objetivando o consumo da família e, em menor grau, abastecer o mercado local com o excedente. Entende a agroindustrialização, como o beneficiamento dos produtos agropecuários (secagem, classificação, limpeza) e/ou transformação de matérias- primas gerando novos produtos, de origem animal ou vegetal como, leite em queijo, fruta em doces.

Cada termo traz em si uma concepção sobre qual elemento assume posição central para caracterizar uma atividade de processamento de alimentos, a qual, historicamente, está associada à agricultura familiar como forma de conservação e armazenagem, práticas alimentares tradicionais em zonas de imigração europeia e agregação de valor aos produtos “in natura”, mas que também são re-criadas em um processo de revalorização do rural, associado ao natural e artesanal (SILVEIRA et all, 2006).

Segundo Prezotto (2002) e Mior (2005), a industrialização dos produtos agropecuários realizados pelos agricultores familiares não se constitui em uma atividade recente, pois faz parte da própria história e da cultura desses pequenos produtores. No princípio, os produtos processados eram destinados para o consumo

7

Outras denominações usadas para identificar o modelo de agroindustrialização descentralizada e de pequeno porte: pequena agroindústria, agroindústria familiar, pequena unidade industrial, pequeno estabelecimento industrial, estabelecimento industrial de pequena escala, agroindústria de pequena escala, agroindústria caseira, agroindústria artesanal e agroindústria de produtos coloniais.

65 da família e, em menor grau, para as trocas estabelecidas entre os agricultores. Com a reestruturação dos mercados a partir das mudanças nos hábitos de consumo, a agroindustrialização familiar, que estava vinculada com uma economia de subsistência, passa a se encontrar inserida nos mercados locais, nacionais e internacionais, o que permite acumular e reproduzir recursos dentro da agricultura familiar a partir da comercialização de produtos processados (BOUCHER & RIVEROS, 1995). Contudo, não se trata somente de recursos econômicos e produtivos, mas também sociais culturais e humanos.

Nesse contexto, Mior (2005) considera que a origem e a evolução das agroindústrias familiares podem ser vistas como um reflexo da construção social dos mercados, na qual um conjunto de fatores sociais, econômicos e culturais passa a fazer parte dos valores contidos nos produtos finais. Assim, a agroindustrialização, que tem no elo da comercialização a sua realização, acaba sendo fruto de uma nova tendência de consumo, que passa a valorizar produtos de qualidade, amarrados em uma tradição territorial e relacionados com a preservação do meio ambiente, seja pela produção de produtos diferenciados ou pela relação de proximidade com a natureza.

Assim, mesmo com a crescente expressividade das agroindústrias artesanais, muitas unidades apresentam-se ilegais, limitando em muito a expansão dos produtos nos mercados extra-locais.

No Rio Grande do Sul, mais de 80% das agroindústrias familiares eram informais em 2001, enquanto que em Santa Catarina esse percentual era de 70% em 2000. De acordo com Prezotto (1999) esse contexto de clandestinidade se deve, em grande parte, pela manutenção do arcabouço institucional que desconsidera a dinâmica da agricultura familiar, sendo uma legislação não direcionada para a pequena produção e para os processos artesanais de beneficiamento

Por um lado, estão autores que procuram entender as agroindústrias através da sociologia econômica (com o uso de conceitos como embeddedness, construção

66 de mercados, redes sociais), teoria das convenções, da noção de redes verticais e horizontais de desenvolvimento rural, economia de aglomeração (clustering), utilizando elementos como mercados locais, relações sociais de proximidade ou circuitos locais/regionais de comercialização.

Um segundo conjunto de autores tem dado contribuições interessantes, pois procuram explicar as agroindústrias através de ideias como qualidade ampla, pequena e média escala de processamento dos alimentos, processamento artesanal dos produtos, diferentes capacidades instaladas nas agroindústrias e através da noção de validação social da qualidade dos alimentos fabricados.

Tenta-se avançar além destes elementos propostos por estes dois conjuntos de autores para compreender as agroindústrias familiares e suas estratégias de reprodução social. As agroindústrias ainda funcionariam com agregação de valor às próprias matérias-primas produzidas pela família. Esta seria a característica central das agroindústrias, manifestada em três direções principais: agregação de valor econômico ligado às transformações dos alimentos, agregação de valor social ligado à forma familiar de trabalho e baseada na produção de alimentos típicos de um local ou território.

Para Wilkinson (2002) citado por Gazolla (2012), os mercados dos pequenos empreendimentos agroindustriais são construídos com base no prolongamento das relações familiares nas localidades rurais, com os consumidores e com os diversos tipos de canais de comercialização, sendo que a produção dos alimentos evoluiria conforme a demanda destes atores sociais fosse manifestada. A estes mercados, o autor chama de mercados de proximidade. Aspectos como transações frequentes, confiança entre consumidores e agricultores, conhecimento pessoal, parentesco e vizinhança consolidariam estes mercados, mesmo os mais informais, gerando lealdades mútuas entre os empreendimentos agroindustriais e os demais atores.

Para Maluf (2004), o grande sentido das agroindústrias é produzir a sua própria matéria-prima agrícola e lhe agregar valor, processando-a, seja de forma

67 individual ou associativa. Isso é o que possibilita a diferenciação social e econômica destes agricultores.

As agroindústrias rurais de pequeno porte surgiriam como uma alternativa ao modelo atual de desenvolvimento agrícola e visaria à obtenção da sustentabilidade social, econômica e ambiental, indo além de uma abordagem somente agrícola dos processos de desenvolvimento (PREZOTTO, 2002). Para o autor, estes empreendimentos se reproduziriam com base em três princípios: a economia em pequena escala de processamentos dos alimentos; um modelo de agroindustrialização descentralizado, pois estes empreendimentos seriam pulverizados nos diferentes espaços rurais trazendo benefícios; e o desenvolvimento das unidades agroindustriais através de uma qualidade ampla. Esta visão considera outros aspectos além dos normativos e regulamentares formais para definir os padrões de qualidade dos alimentos. Pela noção da qualidade ampla, seriam considerados outros aspectos, tais como ecológicos, sociais, culturais, hábitos alimentares, aparência dos alimentos, sanitários, organolépticos, entre outros (PREZOTTO,2002)

Para Mior (2007), dois aspectos são centrais na viabilização destes pequenos empreendimentos. Primeiro, as redes sociais horizontais que estes agricultores conseguem construir com organizações sociais, instituições e os diversos atores e consumidores no nível local no qual estão inseridos. E, segundo,que possuem papel fundamental, por carregar consigo o uso do saber fazer incorporado a uma cultura regional. Estes conhecimentos dos agricultores seriam importantes para a elaboração de produtos agroindustriais diferenciados, que teriam junto aos consumidores uma representação de uma qualidade distinta dos produtos convencionais da grande distribuição agroalimentar. Isso seria estratégico para estes alimentos poderem se beneficiar de sua imagem artesanal, colonial e agroecológica frente aos mercados hegemônicos. Para Gazola (2012) a origem das agroindústrias é explicada por quatro conjuntos de fatores: (1) a capacidade de agir

68 proativamente dos agricultores e suas famílias na busca de alternativas às atividades habituais (grãos, commodities e integração agroindustrial); (2) o processo de estreitamento das rendas geradas na agricultura e o aumento dos custos de produção, o que a literatura internacional conceitua como squeeze (PLOEG et al, 2000); (3) a busca de maiores níveis de autonomia pelo fato de a agroindústria lhes oferecer um negócio próprio e (4) os conhecimentos relativos às atividades de transformação dos alimentos serem históricos nas famílias; as ações governamentais de programas de apoio à agroindustrialização também se mostram importantes em uma parcela das agroindústrias, ajudando na sua criação.

A maioria das agroindústrias familiares articula-se firmemente com os espaços locais mobilizando diversas redes de comercialização onde se destacam laços de parentesco, amizade e confiança. Estas funcionam reativando vínculos sociais e construindo mercados. Nestes casos, o tamanho do empreendimento se ajusta às dimensões do mercado e às capacidades de mobilização de matéria prima. Por outro lado, “estudos de mercado, tanto em Santa Catarina quanto no Rio Grande do Sul, mostram a popularidade de produtos da agroindústria artesanal por serem identificados com alimentos mais naturais (sem aditivos) e com a disposição dos consumidores de pagar um prêmio por estas qualidades” (WILKINSON, 2003, p. 19). Destaca-se a importância de se discutir a agroindustrialização pela agricultura familiar, seus gargalos e direcionamentos, trazendo à tona a questão da legislação, pois concordando com Prezotto (2002), o modelo de agroindustrialização descentralizado de pequeno porte, de característica familiar, é visto como uma das alternativas capaz de impulsionar uma distribuição de renda mais equitativa. Ou seja, pode proporcionar uma importante forma de (re) inclusão social para os agricultores, através da renda obtida pelo seu trabalho (e produção), melhorando a sua qualidade de vida e resgatando sua cidadania.

O autor ainda destaca que este modelo de agroindustrialização descentralizado não representa a solução de todos os problemas ou necessidades

69 dos agricultores familiares ou do rural. Ele deve ser entendido e trabalhado como parte de um conjunto de ações e de outras atividades, articuladas entre si, que busquem construir um desenvolvimento local sustentável nos aspectos social, ambiental, cultural e econômico, tendo por base a agricultura familiar (PREZOTTO, 2002, p.139). Ou seja, buscando valorizar a diversidade de estratégias e de meios de vida desenvolvidos localmente.

No Brasil, como pode ser observado através da verticalização da produção, a construção social dos novos mercados para agricultura familiar teve grandes avanços. Contudo, a normatização dos novos padrões de qualidade – associada ao artesanal, ao familiar e a valores ambientais – e à certificação desses valores, ainda se depara com uma série de restrições operacionais, em que a maioria das agroindústrias familiares encontram-se restritas aos mercados de proximidade. (WESZ, 2008)

Para alterar esse contexto, Wilkinson (1999) defende a construção de um quadro institucional favorável à inovação, em que possam ser oferecidas condições mais condizentes com o contexto da agricultura familiar, estimulando assim a criação de confiança por parte dos produtores para assumir os riscos. Para o autor, com o devido apoio institucional, pode-se investir nos mercados de nicho com valoração dos produtos de base agroecológica e/ou orgânica; apoiar sistemas de validação com base em selos de reputação e certificação participativa, fortemente ancorada em redes sociais; readequar as legislações para que garantam salubridade, inocuidade do produto e sustentabilidade sem preconizar padrões técnicos únicos; garantir visibilidade aos produtos naturais, sem-aditivos e com identidade regional.

Documentos relacionados