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4 CAMPANHAS POLÍTICAS E SEGURANÇA PÚBLICA NO CEARÁ

4.3 Segurança pública e a campanha de 2014 no Ceará

4.3.4 Ajuda ou compra de voto?

Aderir a uma candidatura não possui um motivo específico. São inúmeros os enlaces entre as possibilidades do real que podem conjecturar o engajamento de um indivíduo ou um conjunto de indivíduos numa campanha eleitoral. “Seja qual for a motivação em jogo, o voto instaura uma instância de atuação política fundamental: a troca.” (KUSCHNIR, 1996, p. 199) Estas ‘trocas’, contudo, não são alicerçadas apenas num valor financeiro, mesmo que este esteja numa primeira análise inserido no jogo desta relação.

Na verdade, as trocas estão, em sua maioria, alicerçadas num emaranhado de valores e percepções sociais a cerca de determinadas obrigações que são compartilhadas entre o eleitor e o candidato. Acontecimentos que exemplificam a afirmação acima não faltaram neste período eleitoral o qual me propus a analisar. Alguns deste eu pude acompanhar, como os anotados em meu diário de campo agora citados:

Estava no gabinete de um deputado na Assembleia Legislativa do Ceará. Neste local, um correligionário solicitou ao assessor do deputado uma carta de recomendação a uma empresa de supermercados e distribuidora alimentícia para seu irmão. O assessor entrou em contato com o chefe de gabinete, que autorizou prontamente a entrega da carta, na qual a assinatura eletrônica do deputado lá contava. Os dois solicitantes saíram satisfeitos e, além de desejar boa sorte ao candidato, afirmando “nós estamos com ele”, mostraram a foto com várias pessoas, identificando cada um como membro da mesma família. Afirmaram que todos aqueles vinte votos estavam com o candidato que o deputado apoiava, já que este não

podia reeleger-se. O assessor agradeceu, e afirmou que o “serviço” estava garantido, ressaltando que o deputado sempre ajuda a quem precisa.

Outro relato, de similar acontecimento, pode ser visto abaixo:

Acompanhando um candidato em seu dia-a-dia de campanha, encontrei outro candidato saindo de um restaurante e vi uma senhora lhe abordar. Esta senhora mostrou uma receita que prescrevia a indicação de seções semanais de fisioterapia para o seu filho, as quais não conseguia pagar. Ao ser indagada pelo candidato de o porquê de não procurar o Hospital Infantil Albert Sabin (HIAS), informou que já havia feito isso, mas que o hospital só atendia crianças até os três anos de idade com aquelas especificidades; e seu filho já possuía cinco anos. O candidato então retirou a receita da mão da senhora, anotou o número de seu celular junto ao seu nome e disse que resolveria o problema. O candidato então ligou para uma assessora, responsável por uma ONG que ele comandava há mais de dez anos. Pediu para que ela entrasse em contanto com “aquele nosso amigo”, secretário de saúde de uma cidade vizinha a Fortaleza, na qual ele havia trabalhado por longos anos. Após cinco minutos a assessora retornou dizendo que não daria certo utilizar “o amigo da outra cidade”, então o candidato ordenou que fosse utilizado recursos da ONG para “ajudar” a criança e resolver o problema.

Após estas duas cenas, num primeiro momento, é possível afirmar que estes dois candidatos realizaram sem nenhum problema a “compra de voto” em público. Porém, devemos ir além da afirmação de uma “troca espúria”. É necessário compreender o voto como uma estratégia cultural de “negociação”, em que as duas ou mais partes envolvidas estejam inseridas num processo de trocas e valores culturais compartilhados socialmente. Assim, é necessário pensar o voto como uma ação regida “por regras repertoriais, que dão ao sujeito uma certa margem de trânsito, mas que o mantém dentro dos limites de um leque de opções, um campo de possiblidades definido pela própria sociedade” (KUSCHNIR, 1996, p. 198).

Também acompanhei situações mais complexas de serem entendidas, mas que compartilham as mesmas características das duas situações citadas.

Outro candidato, quando recebia ligações ou pedidos que lhe eram solicitados, como: eleitores pedindo dinheiro para o combustível de seu carro para viajar no dia da eleição e votar no candidato; ou outra eleitora que perguntou a um dos assessores quanto eles pagariam para que ela “trabalhasse no dia da eleição pra ele”, conseguindo o maior número de votos possíveis; ou quando outra eleitora solicitou dinheiro para pagar o licenciamento da moto que estava atrasado. Em todos estes pedidos a resposta foi: não trabalhamos assim. Mas quando uma outra pessoa solicitou uma ajuda em dinheiro, explicando que “os documentos da moto estavam atrasados” e ele dependia desse veículo para trabalhar, o candidato solicitou que o assessor “resolvesse o problema”.

Para compreender estes fatos, foi necessário buscar identificar como os candidatos firmavam as suas relações com os eleitores no decorrer da campanha.

Barreira e Barreira (2012) lançam luzes neste processo, quando diferenciam o ponto de vista nativo como a “ajuda”; que se constitui como diferente da compra de voto.

A ajuda aqui funciona como uma estratégia da conquista da adesão do voto que passa por um habitus de caráter “humano”, do “dever de ajudar o outro”; diferente do combustível, por exemplo, que pode se caracterizar como uma simples troca financeira. Estas relações que ressaltam condições morais na construção e na manutenção de um perfil político em análise caracterizam os candidatos a partir dos campos de ajuda que atuam, como pessoas justas, honradas e honestas, que visam sempre “promover o bem” a aqueles que mais precisam.