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A compra da Rede Record foi o maior trunfo comercial da Igreja Universal. Embora o canal não tenha se tornado a primeira emissora evangélica do país como havia sido inicialmente planejado por Edir Macedo (NASCIMENTO, 2019), sua aquisição ampliou a relevância social e política da IURD ao colocar a igreja dentro do seleto grupo de grandes empresas midiáticas do Brasil. A Universal passou a ter um grande poder de agendamento midiático e de influência na agenda pública. Influência essa que se tornou moeda de troca para acordos e negociações no meio

e a TV Câmara, emissoras legislativas que transmitem os eventos e debates realizados nas casas legislativas federais do Brasil.

77 político. Entretanto, a ação midiática da igreja foi aprisionada pelos grilhões comerciais. A necessidade de manter o lucro do canal impediu que a emissora fosse transformada num porta-voz direto da igreja (BEHS, 2009). Seu objetivo maior é o lucro, não a busca por visibilidade para as pautas da IURD. Constitui, assim, um veículo de mídia tradicional. Em face disso, a igreja criou a Folha Universal em 1992 com o objetivo de suprir as restrições comunicacionais impostas à Rede Record pelo seu próprio caráter comercial (ROTHBERGH; DIAS, 2012). Jornal impresso e semanário, a Folha Universal é uma continuação da Revista Plenitude, que havia sido descontinuada alguns anos antes. Desde seus primeiros momentos, caracterizou-se por ser um veículo jornalístico setorial com o fim de disseminar as percepções da Universal sobre os principais tópicos da esfera pública. Sua produção sempre foi controlada integralmente pela igreja, que contratou uma equipe de jornalistas profissionais para a elaboração de noticiais. O semanário também é visto pela IURD como um instrumento de proselitismo, por isso apresenta diversas seções cujos focos são temas religiosos, descrições de eventos e projetos organizados pela instituição religiosa; e testemunhos de fiéis que afirmam ter recebidos bençãos após o ingresso na igreja. Sua distribuição é feita nos cultos de domingo de manhã e continua fora dos templos ao longo da semana para não fiéis. Obreiros e funcionários da igreja são encarregados de distribuir exemplares em locais de grande movimentação nos grandes centros urbanos.

De acordo com informações disponíveis no site da própria Igreja Universal, atualmente o semanário possui uma tiragem de 1,8 milhão de exemplares por semana e sua equipe é composta por mais de 20 profissionais diretamente envolvidos (UNIVERSAL, 2020). Ainda segundo o site,

“a Folha Universal é um dos principais instrumentos de evangelização utilizados pela igreja, que desde seu início tem a visão [...] de ter os meios de comunicação como aliados na divulgação do evangelho” (UNIVERSAL, 2020). Apesar de sua função proselitista, a Folha Universal adota a linguagem e a organização das mídias jornalísticas tradicionais. A semelhança estética e o uso dos mesmos padrões comunicacionais da mídia mainstream visam dar ao jornal a credibilidade que esses veículos possuem frente aos leitores que os consomem. Também é essencial apontar que se trata de um jornal sem fins lucrativos e mantido pela própria instituição. A autonomia comercial permite que o semanário não tenha seus conteúdos limitados pela necessidade de conseguir patrocínios ou estabelecer parcerias de publicidade com empresas ou atores externos à igreja. Em face do exposto, é possível concluir que a Folha Universal apresenta todas as características de uma

78 mídia da fonte (SANT’ANNA, 2005; 2008). Sua inauguração permitiu à IURD entrar num meio específico da comunicação social que não poderia ser alcançado através da Rede Record: o jornalismo das fontes. Mais ainda, a fez ingressar em um ramo específico desse jornalismo: o Jornalismo Religioso (SANT’ANNA, 2008); (SILVA, 2016); (FRANCO, 2018). De acordo com Silva, o jornalismo religioso pode ser descrito como um segmento da comunicação social “referente à produção de material noticioso por organizações religiosas em veículos próprios e que tem por objetivo a disseminação de informação e a análise de cunho religioso dos fatos públicos” (SILVA, 2016, p. 34). Eduardo Franco (2018) reforça essa concepção ao afirmar que o jornalismo religioso é a prática de produção de notícias sobre assuntos públicos por parte de instituições religiosas e que sua principal consequência é a elaboração de narrativas que entrelaçam o discurso religioso com o discurso midiático.

Desse modo, é possível sintetizar a questão com a constatação de que a criação da Folha Universal permitiu à IURD produzir e disseminar narrativas fundamentadas em um entrelaçamento entre o discurso jornalístico e o discurso religioso. Esse entrelaçamento é evidenciado pela própria organização do semanário. Como já foi abordado, as matérias publicizadas por esse jornal são divididas em dois grandes blocos: um voltado para assuntos da esfera secular e outro destinado às ações proselitistas e projetos da igreja. Essa estrutura permite o entrelaçamento entre as mensagens religiosas e as visões políticas e sociais da instituição (BEHS, 2009). Embora as mídias das fontes também adotem os procedimentos de elaboração da notícia utilizados pelos veículos tradicionais, o fato de elas não visarem o lucro permite que possam adotar uma especialização temática ou uma especialização editorial sem que haja perda de credibilidade e diminuição nos números de consumidores. No caso da Folha Universal, há uma especialização editorial (SANT’ANNA, 2008).

O processo de produção de notícia é inteiramente controlado pela igreja. A IURD é quem estabelece os filtros de gatekeping52 e os processos de enquadramento dos fatos para a construção

52 A decisão de quais fatos devem ou não serem transformados em notícia é feita pelos próprios jornais. Esse processo

de seleção é denominado de gatekeeping. Segundo Axel Bruns (2011), o processo de Gatekeeping surgiu como uma necessidade prática do jornalismo: como as vias de divulgação são limitadas no jornalismo impresso, era necessário selecionar quais notícias ocupariam as páginas dos jornais. O critério de seleção variava entre as empresas de jornalismo, mas estavam sempre alicerçados em fatores como o editorial, interesses econômicos e relevância do tema.

O gatekeeping também envolve seleções dentro do próprio jornal, visto que nem todo trabalho produzido pelos jornalistas são publicados. Cabe ao editor selecionar quais bens comunicacionais produzidos por jornalistas serão lançados no Espaço do Visível em forma de notícia.

79 da notícia. O jornal cumpre a função básica das mídias das fontes: garantir a comunicação sem intermediários entre a instituição e o público. Por meio dele, a Universal dissemina a sua agenda na esfera pública e insere suas pautas nas disputas políticas pelo poder do agendamento. É também através da Folha Universal que a igreja divulga suas interpretações sobre os problemas públicos para que elas possam disputar as posições de legitimidade. Em outras palavras, o semanário é um veículo pelo qual a firma age como patrocinadora de determinados pacotes interpretativos e os torna parte de uma determinada cultura do problema.

Diante disso, a Folha Universal assumiu desde o seu início o papel de principal veículo divulgador das posições políticas da IURD. A junção entre discurso religioso e discurso jornalístico permite que a igreja apresente por meio do jornal tanto suas problematizações religiosas quanto suas problematizações seculares sobre os acontecimentos da esfera pública (FRANCO, 2018). A agenda e os pacotes interpretativos disseminados pelo semanário representam os interesses privados e materiais da igreja assim como suas premissas teológicas. O esforço de disseminação desses posicionamentos é sempre intensificado nos períodos eleitorais. Nesses momentos, além de disseminar as pautas e ser o veículo de divulgação de pacotes interpretativos, a Folha Universal é utilizada para demonstrar o apoio da igreja a um determinado candidato à presidência (ROTHBERG; DIAS, 2012). Como foi discutido, na maioria dos pleitos da Nova República, a Universal declarou abertamente apoio institucional a um determinado candidato. Nas páginas da Folha Universal, esse apoio era convertido em incentivos diretos ao voto nos candidatos apoiados ou em propagandas negativas contra seus principais concorrentes. A segunda estratégia foi historicamente mais frequente. O conceito previamente mencionado de propaganda negativa é definido por Lourenço (2009) como a ação midiática que não tem o objetivo de promover um candidato, mas sim de atacar seu concorrente por meio da exploração de suas vulnerabilidades públicas ou pessoais. Ainda segundo o autor, a principal característica de uma peça de propaganda negativa “é a ênfase em atingir o adversário político em detrimento da valorização das virtudes do candidato emissor ou apoiado por quem a emite” (LOURENÇO, 2009, p. 139). O principal objetivo dessa forma de propaganda é fazer com o político atacado perca votos.

80 A Universal mobilizou essa estratégia à fundo por meio da Folha Universal em diversos momentos eleitorais. Como foi debatido, as propagandas negativas feitas pela igreja adotavam tanto um caráter político quanto um caráter religioso. As primeiras eram críticas às propostas e aos posicionamentos políticos de seus opositores. Tinham como fundamento problematizações seculares em relação à visão política do candidato atacado e representavam uma demonstração evidente dos interesses materiais da igreja. Esses ataques, contudo, foram menos frequentes ao longo dos anos. As principais propagandas negativas disseminadas pelo semanário foram de caráter religioso e eram baseadas em uma estratégia historicamente adotada pelas instituições cristãs: a da diabolização do inimigo. A estratégia de diabolização, ou satanização, do inimigo consiste em associá-lo à figura do diabo. Como aponta Pagels (1996), a figura do demônio nunca possuiu um caráter fixo (PAGELS, 1996). Por mais que no imaginário atual a figura de Satanás seja diretamente associada à imagem de um ser grotesco de rabo e chifres (SOUZA; ABUMANSUR, 2019), existiram várias representações distintas do demônio ao longo da história. Essas representações estiveram ligadas ao modo como determinadas sociedades e culturas enxergaram o

“outro”, isto é, o diferente e o inimigo. A figura do diabo é extremamente maleável e pode assumir diferentes formas que variam de acordo as condições sociais do mundo imanente (PAGELS, 1996).

Essa variabilidade cria o que Elaine Pagels define como história social do diabo, que engloba todas as representações culturais da figura de Satanás. A Folha Universal foi o principal meio pelo qual a IURD disseminou as propagandas negativas de caráter religioso que diabolizaram seus principais desafetos políticos. Essa estratégia colocava os políticos em questão como inimigos que precisavam ser combatidos com todas as forças pelo povo de deus. Seus projetos e propostas eram igualmente descritos como desejos de Satanás que resultariam na destruição moral do país. O caso mais emblemático de diabolização nos discursos da Universal foi o modo como a igreja retratou Lula ao longo das campanhas eleitorais das duas primeiras eleições da Nova República. De modo geral, projetos de caráter progressista como a descriminalização do aborto, o casamento entre homossexuais e a legalização do uso de drogas eram os mais associados à ideia do diabo.

Recentemente, os projetos envolvendo questões de gênero também foram incluídos nesse grupo.

A igreja também mobilizava acusações de perseguição ao redor desses candidatos. As propagandas negativas afirmavam que a proximidade dos políticos com o demônio os faria perseguir cristãos e fechar as igrejas evangélicas.

81 Entretanto, segundo Rothberg e Dias (2012), a estratégia de propaganda negativa deixou de ser utilizada na Folha Universal. Por meio de uma análise das edições do jornal publicadas ao longo da última década, os autores concluíram que o semanário deixou de fazer propaganda direta para candidatos a cargos públicos após 2010, sejam elas positivas ou negativas (ROTHBERG; DIAS, 2012). Nos últimos anos, as referências diretas às candidaturas passaram a ser feitas por meio de uma outra mídia da fonte da IURD: o seu site oficial. Além de publicar as matérias da Folha Universal em formato online, o site publica quase que diariamente artigos curtos e textos sobre diversos assuntos. Essas publicações são compartilhadas nas páginas oficias da igreja nas mídias sociais e também são divididas entre textos de caráter proselitista e textos sobre temas da esfera pública. Em face disso, cumpre ressaltar que a escolha pela análise da Folha Universal e do site oficial da IURD na presente dissertação se justifica pelo fato de os dois veículos serem mídias das fontes cuja produção está sob total poder da igreja e que permitem a disseminação da agenda e das interpretações políticas e sociais da instituição. Essa justificativa é reforçada pela constatação de que a Folha Universal é o principal meio de disseminação dos posicionamentos da igreja desde sua criação e pelos usos recentes do site oficial das lideranças da Universal para a disseminação de visões políticas.

82 Capítulo 3