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Capítulo 2 – ESTUDO DE CASO: Caracterização do Estado de Alagoas e do Município de

2.1 Alagoas: Histórico da Apropriação de seus Recursos Ambientais

O Estado de Alagoas, localizado na Região Nordeste (Figura 2.1) é uma das 27 unidades federativas do Brasil. Lima (1965) discorreu didaticamente sobre a geografia de Alagoas e, baseado em seus registros, foi desenvolvida a breve descrição que se segue. Fisionomicamente, os 27.848 km2 de Alagoas (IBGE, 2016b) são divididos em zona da mata,

agreste e caatinga. Na zona da mata, encontram-se uma faixa litorânea, composta pela planície costeira, um baixo planalto de origem sedimentar, que recebe a denominação popular de “tabuleiros costeiros” e os contrafortes do planalto da Borborema, formação esta

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que se estende pelo vizinho estado de Pernambuco, ao Norte-Noroeste. Esta é a região de domínio do Bioma Mata Atlântica, onde originalmente a floresta tropical dominava, mas onde também ocorriam manchas de cerrado (localmente conhecida como “vegetação de tabuleiro”), matas de restinga (nas regiões arenosas da planície costeira) e, nos estuários, os manguezais. O nome Alagoas deriva do grande número de lagoas costeiras, originadas no último evento de transgressão marinha, que “afogou” diversos estuários da costa alagoana (Lima, 1965).

Figura 2.1 Mapa de localização do Estado de Alagoas e de Maceió

Fonte: SEPLANDE, 2014

A partir do domínio da Mata Atlântica e, na direção da porção Oeste do Estado, estende-se o “pediplano sertanejo”, superfície aplainada, onde há a ocorrência de diversas serras (inselbergs), que resistiram aos processos erosivos que ali ocorreram. Essa é a região do sertão, com baixa pluviosidade e clima semiárido, domínio do Bioma Caatinga e presença, originalmente, de matas secas. Como uma faixa, que corta o centro do Estado, entre o domínio da Mata Atlântica e o domínio da Caatinga, há uma zona de transição, caracterizada por índices pluviométricos intermediários e presença de espécies

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características dessa faixa, bem como espécies dos biomas vizinhos. Esta unidade fisionômica recebe a denominação de “agreste” (Lima, 1965).

Essas três grandes divisões – zona da mata, agreste e caatinga (ou sertão) - acompanham as características climáticas, em especial a precipitação pluviométrica. Os recursos hídricos superficiais são representados por 53 bacias hidrográficas, que drenam o Estado em duas vertentes, uma oceânica, cujos rios desaguam diretamente no Oceano Atlântico e, outra, com drenagem para o Rio São Francisco, que corre de Noroeste para Sudeste, entre os estados de Alagoas e Sergipe (SEMARH, 2016). Os recursos hídricos subterrâneos também são significativos, em especial os diversos aquíferos ocorrentes na Bacia de Alagoas, na qual destacamos na região metropolitana de Maceió, o aquífero Barreiras-Marituba. Para ter uma ideia da importância desses aquíferos, até recentemente, 75% da oferta de água para Maceió, a capital do Estado, era provida por poços de exploração da água subterrânea. Em camadas geológicas mais inferiores há a ocorrência de petróleo, de gás não associado e de sal-gema, os quais são objeto de exploração (ANA, 2011).

É sobre essa base de recursos que se desenvolve a ocupação humana nas Alagoas. Primeiramente e por milénios, protagonizada por indígenas e, a partir de 1.500, pelos colonizadores. Não há clareza sobre quando se dá o início da ocupação humana na América do Sul e divergências persistem, mas, com certeza aconteceu há no mínimo 12 mil anos, podendo datar de 30 mil ou até 50 mil anos atrás:

Ainda que as hipóteses que empurram a entrada do homem na América para trás precisem ser comprovadas, o fato de terem sido encontrados, em escavações no sul da Patagônia, vestígios com idade superior a 11.500 anos sugere que a versão da chegada há cerca de 12.500 anos pelo caminho exclusivo do estreito de Bering é praticamente insustentável

(Arcuri, Santos & França, 2005: 21) O português ao chegar em Alagoas encontrou a presença humana de indígenas, diversificada em várias tribos:

...os Caetés,, antropófagos e mais do que os outros trabalhados pelo contato com os franceses, dominavam as margens do São Francisco e, em aliança com os Abacoatiaras, detentores das ilhas sanfranciscanas, levavam suas incursões sanguinolentas até o Igarassú; os Aconans, os Cariris, os Coropatós, irrequietos e hostilizantes, excursionavam nas proximidades do São Francisco, onde também viviam na mesma brutalidade selvática os Mariquitos; os Chucurus, os Vouvés, os Pipianos ocupavam as extremas ocidentais da terra alagoana. Ramos vários de uma nação, a dos Tupis, contavam-se por dezenas de milhares.

(Costa, 1929: 10) Esta é, com certeza, a narrativa do colonizador (“incursões sanguinolentas”; “hostilizantes”), ao qual o antigo usuário da terra se contrapõe, na defesa de seu território.

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Mais adiante, é relatada a perseguição empreendida aos indígenas, após a antropofagia de D. Pero Fernandes Sardinha, 1º bispo do Brasil e sua comitiva, que naufragaram em costas alagoanas, em 1556, quando se dirigiam de Salvador para Olinda, em Pernambuco:

Jerônimo de Albuquerque assumiu-lhe o comando (de expedição montada). E pelo litoral imenso, de São Francisco ao cabo de Santo Agostinho, levou sua gente sangue-sedenta a todas as tabas. A tudo o fogo consumiu e a bala despovoou. A multidão caeté, batida em todos os seus redutos, exausta e faminta, correu rumo da Paraíba, onde parou o fidalgo vitorioso. Durou cinco anos a perseguição.

(Costa, 1929:13) Infelizmente, os registros das culturas pré-colombianas são escassos, em que pese a existência em Alagoas, ainda hoje, de 11 etnias indígenas (FUNAI, 2013). O fato marcante é a incorporação na construção da matriz cultural brasileira, de caracteres indígenas na língua, toponímia, comportamento, vestuário, música, dança, ritos, mitos, religião e gastronomia, dentre outros aspectos.

A partir de meados do século XVI, outro processo marcante, constituinte da matriz cultural brasileira, tem início, com o começo do tráfico de escravos. Apesar do tráfico ter sido proibido em 1850, somente em 1888 foi assinada a Lei Áurea, estendendo-se a escravidão por mais de três séculos, deixando marcas que se estendem até aos dias de hoje. Marcas negativas, de uma herança de desigualdades e discriminações ainda não resolvidas e também um verdadeiro universo de elementos culturais, que passam a compor a identidade brasileira. Em Alagoas ocorreu um evento marcante, que foi a República de Palmares, onde durante quase cem anos, do início do século XVII (alguns afirmam que seria do final do século XVI) até 1695, negros fugidos da escravatura, índios e brancos refugiados mantiveram uma estrutura de quilombos entre Alagoas e o sul do estado de Pernambuco (Diégues Júnior, 2006; Carvalho, 1982).

Na realidade, naquela época, o estado de Alagoas fazia parte da Capitania de Pernambuco, vindo a ser emancipado politicamente em 16 de setembro de 1817. Segundo Diégues Júnior (2006), os maiores contingentes de negros traficados para Alagoas, foram os bantos, em grande maioria de Angola. O número de escravos em Alagoas oscilava, conforme os censos entre 25 e 44 mil, representando entre 1/5 e 1/3 da população. A sua distribuição era predominantemente rural, vinculada ao cultivo da cana-de-açúcar e à produção de açúcar. Um engenho necessitava para o trabalho da fábrica de 60 escravos, sendo que alguns tinham até duzentos.

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Desde a primeira metade do século houve investidas contra o Quilombo dos Palmares, visando sua destruição. De 1667 a 1694 são realizadas 14 ofensivas luso- brasileiras, sendo finalmente destruído aquele movimento em 20 de novembro de 1694, com a destruição do Quilombo dos Palmares e com a morte de seu líder maior, Zumbi dos Palmares, no início do ano seguinte, na Serra Dois Irmãos, hoje município de Viçosa - Alagoas. Zumbi, hoje, é considerado herói nacional e no dia 20 de novembro é celebrado o Dia Nacional da Consciência Negra. Segundo Costa (1929), aquando da ocasião da extinção da República de Palmares, a população dos quilombos teria cerca de 20.000 habitantes. No período holandês houve duas investidas contra o Quilombo dos Palmares, em 1644 e em 1645. E a ocupação holandesa, que se iniciou por Recife e ocupou toda a zona da mata alagoana, até a cidade de Penedo, às margens do Rio São Francisco, foi mais um fato importante na história de Alagoas e Pernambuco. A ocupação holandesa estendeu-se de 1630 a 1654, quando se dá a conquista de Recife, nove anos de lutas após o início da retomada portuguesa do território (Carvalho, 1982).

Indígenas, na época pré-colonial e índios e quilombolas, além do próprio colonizador, num segundo momento, viveram da exploração direta dos recursos naturais, sobrevivendo da exploração dos recursos florestais, da caça, da coleta, da pesca e de uma agricultura de baixo impacto, quer pela extensão ocupada, quer pela tecnologia utilizada. As florestas eram exploradas e as técnicas indígenas foram sendo apropriadas pelo colonizador, com destaque para o cultivo da mandioca. Fraga (1950) reproduziu um documento datado de 20 de agosto de 1809, assinado pelo Ouvidor José de Mendonça de Matos Moreira e seu Secretário, José Joaquim da Silva Freitas, em que apresentam um relato sobre a “Relação das Matas das Alagoas”, no qual descrevem os trechos de matas que se desenvolvem ao norte do Rio São Francisco até o Rio Formoso, no sul de Pernambuco. José de Mendonça de Matos Moreira fora nomeado em 1798, pela Corte Portuguesa, Juiz Conservador das Matas de Alagoas e, ao tempo em que autorizava a exploração e remessas de madeira à Lisboa, faz referência à capacidade de reposição e à necessidade de controle da retirada:

...representei a benefício do Estado a necessidade que havia de se estabelecer um método que regulasse o corte das madeiras e a conservação das matas, porque, a faltar este, se reduzirão as matas ao mesmo estado a que se tinham reduzido as matas do Pau Brasil [...] apesar de todas estas remessas, nunca se achou falta naquelas matas, onde se construíam continuando a dar a mesma madeira e a darão em todo o tempo...

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Segundo o relato de Fraga (1950), no documento anteriormente referido, Matos Moreira faz referência ao primeiro ciclo extrativista ocorrido no Brasil, exatamente com a madeira que dá nome ao País. As matas de pau-brasil, conforme ele informa, estavam dizimadas àquela época, objeto que foram da exploração de portugueses e de piratas franceses. Hoje, restam apenas resíduos da mata atlântica e várias são as espécies da flora e fauna extintas ou ameaçadas de extinção. Uma delas é o mutum-de-Alagoas(Mitu mitu), ave considerada extinta na natureza e sem registro de observação em ambiente natural, desde 1976, com poucos exemplares criados e mantidos em cativeiro (Nardelli, 1993).

Pode-se, assim, identificar ao longo do tempo, aqueles ciclos económicos mais importantes, como:

 o ciclo do pau-brasil, logo nos primeiros momentos após o descobrimento, declina ao longo de um século, devido à devastação e, conforme Matos Moreira, já no início do século XIX, o pau-brasil está plenamente esgotado (Fraga, 1950);

 o cultivo da cana-de-açúcar, que apresenta vários ciclos até os dias de hoje – os engenhos banguê de meados do século XVI, até a segunda metade do século XIX; as usinas de açúcar com tecnologias que se modernizam, a partir do final do século XIX, até os dias atuais, passando das chamadas “usinas-centrais”, para as atuais usinas de açúcar, com parques industriais sofisticados, parte beneficiadora da cadeia do agronegócio da cana-de-açúcar; responsável como principal fator de destruição da mata atlântica e causa maior do tráfico de escravos para o Nordeste do Brasil (Diégues Júnior, 2006);

 o cultivo do coco, cujas evidências de introdução no Brasil apontam para o ano de 1553 (Fontes, 2006) e que passa a ocupar a quase totalidade da planície costeira alagoana, como se fora sua vegetação original;

 o ciclo do algodão, que na segunda metade do século XIX chega a superar o vigor da cana de açúcar (Diégues Júnior, 2006):

A grande importância, que continua a ter quer em relação comercial, quer em relação industrial, o algodão, o mais importante dos produtos de exportação desta província, e o desenvolvimento de sua cultura, é a origem mais poderosa do crescimento de nossas rendas.

(Diégues Júnior, 2006: 119)

 o breve ciclo desenvolvimentista no alto sertão alagoano, promovido pelo empreendedor Delmiro Gouveia, que exporta peles de caprino, implanta a primeira

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unidade hidrelétrica do Nordeste, no Rio São Francisco, em 1913 e, em 1914, inaugura uma fábrica de linhas para costura (Rocha, 2012);

 o desenvolvimento da cultura do fumo de corda, em meados do século passado, transformando a região do Agreste, no entorno de Arapiraca (Carvalho, 1982);  o desenvolvimento da bacia leiteira, no sertão alagoano, e da pecuária de corte, em

espaços diversos do território alagoano, a partir da segunda metade do século XX (Almeida, 2012);

 a rizicultura (em meados do século passado) e a aquicultura nas várzeas no Baixo São Francisco, além da pequena produção diversificada da agricultura familiar, a partir da década de 1990 (CODEVASF, 2015);

 a exploração de petróleo e gás que se desenvolve no estado, desde a década de 60, porém em patamares relativamente reduzidos e a indústria química, a partir da década de setenta, utilizando o sal-gema e produzindo dicloroetano, monocloreto de vinila e policloreto de vinila, além da implantação de indústrias de terceira geração (Santa Rita, 2009);

 o turismo nacional e internacional é promovido, também a partir da década de 70, focado inicialmente nas belezas naturais, no chamado turismo de sol e praia (da Silva, 2014).

Atualmente, o Estado trabalha para promover a agricultura irrigada, através de um grande projeto de irrigação, ao longo de cerca de 100 quilômetros do sertão alagoano, cujos beneficiários ainda são incertos: se os grandes produtores ou a agricultura familiar, ou investimentos diversificados, que atendam ambos interesses (Lemos, 2013). Por sua vez, o turismo ainda amplia a oferta de leitos, no entanto, reflexos da crise económica internacional gerada pela “bolha” imobiliária americana, de 2008, afetavam a economia brasileira (da Silva, 2014), ainda no decorrer de 2016.

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