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Ao elegermos a subjetividade como aspecto primordial em nossa pesquisa, é necessário explicitarmos que ela engloba não só a realidade aparente, mas também aquela que, muitas vezes, não é percebida diretamente no cotidiano de trabalho. Assim, uma ferramenta básica em nossa pesquisa é a palavra, visto que ela é a única via de

acesso a essa realidade que está subjacente. É a partir da palavra, portanto, que pesquisador e participante podem chegar à inteligibilidade do que ainda não estava acessível (Dejours, 1993).

Minayo (2006) também confere uma grande importância à palavra como instrumento de coleta de informações. Ela afirma que a fala possui um caráter revelador de aspectos não apenas do indivíduo (que experimenta e conhece o fato social de forma peculiar), mas de condições estruturais, de sistemas de valores, normas e símbolos subjacentes, ou seja, a fala revela as representações grupais, situadas num contexto sócio-histórico-cultural específico. Rabardel et al. (1998), citados por Silva (2006), concordam com essa visão quando entendem as verbalizações como discursos do operador e, mais amplamente, das outras pessoas presentes na empresa, sobre a situação de trabalho e o seu trabalho.

Logo, ouvir o sujeito (atentando para seus gestos, sua linguagem peculiar, seus silêncios e suas contradições) é imprescindível, visto que ninguém sabe mais do trabalho (em todas as suas dimensões, desafios e possibilidades) do que o próprio trabalhador. Os saberes dos participantes são, desse modo, o alvo do nosso estudo (Falzon, 2007).

Guérin et al. (2001) observam que a verbalização do trabalhador é essencial para que compreendamos o processo de trabalho em profundidade, principalmente porque, por mais que façamos observações ou tenhamos acesso aos manuais de normas e responsabilidades da categoria, muitas outras dimensões e conseqüências do trabalho não estão aparentes (tais como a fadiga, os constrangimentos e as doenças). Em outros termos, só podemos alcançar as vivências práticas se os trabalhadores nos derem acesso às mesmas através de suas palavras.

Outro ponto a ser destacado, que pode constituir um obstáculo na utilização da comunicação como ferramenta de pesquisa, é que as verbalizações dos participantes não são óbvias e a linguagem de cada coletivo de trabalhadores é muito peculiar. Em função disso, o pesquisador precisa se familiarizar com o vocabulário profissional utilizado e fazer sempre questionamentos sobre a atividade dos operadores de modo a conseguir uma expressão mais rica e detalhada por parte dos mesmos.

Além disso, as estratégias defensivas, tanto as coletivas quanto as individuais, promovem a ‘eufemização’ da percepção do sofrimento, o que constitui mais uma barreira para a verbalização (Dejours, 2004a). Mas Guérin et al. (2001) ressalvam que a riqueza das informações que o trabalhador concede depende, evidentemente, das

relações que progressivamente se estabelecem com seu interlocutor e da confiança que deposita no pesquisador.

Nesse sentido, Minayo (2006) ressalta a importância da relação entre pesquisador e atores sociais, na medida em que todos são responsáveis pelo produto de suas relações e pela qualidade da compreensão decorrente da pesquisa, e nenhum dos dois mostra-se neutro no processo.

Nossa pesquisa apóia-se, então, nas interpretações que as pessoas fazem de sua relação com o trabalho, na maneira como elas pensam sua conduta e nas intervenções que elas mesmas podem fazer quando no momento de troca com o pesquisador. Deste modo, precisamos destacar que as palavras são os meios pelos quais se dão alguns dos ajustamentos e reconcepções do trabalho, aspectos que corroboram a idéia de Dejours (1993a) de que o próprio processo de pesquisa já é uma intervenção, principalmente porque, depois da pesquisa, os sujeitos não mais intervirão em seus espaços de trabalho da mesma forma que faziam antes da pesquisa, pois mudaram sua percepção e pensamento a propósito dos mesmos.

Durrive (2007), em Schwartz e Durrive (2007), afirma que quando as pessoas falam sobre sua experiência descobrem relações que não imaginavam antes. Por conta disso, falar sobre o trabalho é muito mais do que simplesmente contar a rotina, a forma como se comporta, “é descobrir, é descobri-la por si mesmo, redescobri-la” (p. 179). Desse modo, as pessoas voltam ao seu posto de trabalho com um posicionamento diferente depois de ter expressado a própria atividade em palavras.

A Ergonomia da Atividade, uma das abordagens que alimentou o nosso quadro teórico, aposta na produção científica como meio de intervenção social. Falzon (2007) afirma que a ergonomia não se contenta apenas em produzir conhecimento, tanto que o princípio fundamental que move essa abordagem é compreender para transformar. Ou seja, é por meio da compreensão da estrutura interna da atividade (as exigências e os constrangimentos da organização do trabalho) que podemos compreender a natureza dos problemas do cotidiano laboral, possibilitando aos trabalhadores momentos de reflexão acerca de seu próprio trabalho.

4.2. P

ARTICIPANTES

Em nosso estudo, tivemos o interesse em acessar uma determinada realidade por intermédio das vivências de cada trabalhador. Por isso, quando se fala em singularidades, o sujeito é visto como uma forma única e diferenciada de constituição subjetiva. Assim, como defende González Rey (2002), o conhecimento a partir desse ponto de vista qualitativo não se legitima com a quantidade de sujeitos, mas com a qualidade de sua expressão, principalmente porque o objetivo é analisar com a maior profundidade a realidade dos gerentes.

Assim sendo, participaram deste estudo 16 gerentes de cinco organizações bancárias privadas (Pv) e de duas organizações bancárias públicas (Pub). Desse total, sete ocupavam a função de Gerente Geral (GG), três eram Gerentes de Relacionamento de Pessoa Física (GPF), três eram Gerentes de Atendimento (GAT), dois eram Gerentes de Relacionamento de Pessoa Jurídica (GPJ) e um era Gerente Administrativo (GA). A figura 1 permite uma melhor visualização dessa distribuição9.

4.3. I

NSTRUMENTO

Sabemos que um grande desafio no estudo da atividade é que não temos acesso a ela de forma direta, ou seja, a qualidade e a complexidade da informação produzida pelos sujeitos pesquisados só podem ser alcançadas com o emprego de estratégias dinâmicas, que não podem ser pensadas de maneira rígida, pontual ou inflexível, mas

9No anexo II apresentamos uma detalhada tabela de caracterização sócio – econômica dos participantes da

devem ser definidas pelo curso da informação e pelas necessidades que surgem progressivamente.

Conseqüentemente, o uso de instrumentos abertos promove a expressão do sujeito em toda sua complexidade, gerando diálogos formais e informais, entre pesquisador-ator e participante-ator (ambos sujeitos ativos). O nosso trabalho de campo, nesse sentido, buscou favorecer a relação interativa do pesquisador – pesquisado em um contexto relevante, dentro do qual pudéssemos nos aprofundar nas relações que fazem parte da vida cotidiana do sujeito (González Rey, 2002).

Alves-Mazzotti e Gewandszanajder (2002) destacam que, por seu caráter interativo, a entrevista possibilita o acesso a temas complexos, explorando-os em profundidade. Isso porque, na entrevista, o investigador está interessado em compreender o sentido que o sujeito atribui a certos temas relacionados ao objeto de estudo.

González Rey (2002) corrobora essas idéias ao afirmar que a entrevista, na pesquisa qualitativa, tem sempre o propósito de converter-se em um diálogo. Minayo (2006) também dá ênfase ao papel da entrevista como uma conversa a dois, feita por iniciativa do entrevistador, com o intuito de obter informações relevantes ao objeto de pesquisa. Nesse sentido, classifica-a como “uma forma privilegiada de interação social”, na qual o sujeito expõe sua representação da realidade subjetiva (p.262).

Optamos, então, pela entrevista semi-estruturada, porque esta fornece maior amplitude quanto à sua organização, permitindo aos entrevistadores acrescentar algumas questões de esclarecimento ao roteiro prévio, no curso da aplicação, a fim de atender as necessidades do estudo. Sua flexibilidade favorece um contato mais íntimo entre os atores da pesquisa (entrevistador e entrevistado) e, conseqüentemente, uma exploração profunda dos saberes e crenças do entrevistado e uma melhor compreensão da realidade social (Laville & Dionne, 1999).

Guérin et al. (2001) admitem que cada resposta a uma pergunta pode ser uma chance para se aprofundar no tema através da realização de outra pergunta que não esteja no script, o que pode tornar a descrição mais precisa e ajudar o trabalhador a recordar de novos fatos relacionados ao tema.

O roteiro possui algumas perguntas específicas, mas dá margem para o participante responder “em seus próprios termos” (Alves-Mazzotti & Gewandszanajder, 2002, p. 168). Laville e Dionne (1999) enfatizam que o fato de permitir às pessoas que

formulem respostas pessoais faz com que o pesquisador tenha uma real compreensão do que o sujeito realmente pensa.

As questões da entrevista10 foram elaboradas a partir das abordagens que fundamentam o nosso estudo, e versam sobre os seguintes temas: atividade; organização do trabalho; relações com os colegas, clientes e chefias; tensões e contradições vivenciadas; prazer e sofrimento no trabalho; condições de trabalho; formas de conciliação do trabalho com a vida privada; e aspectos da saúde física e mental.

Outra técnica utilizada em meio ao roteiro de entrevista foi a de “Instruções ao Sósia”. Esta técnica foi desenvolvida por I. Oddone, com o intuito de ter acesso ao comportamento real dos indivíduos em situação de trabalho, ou seja, seu modelo prático (Oddone & Briante, 1981). Tal técnica veio suprir uma deficiência, porque até então, as técnicas elaboradas nesse sentido só obtinham as descrições de atividades no plano ideal e não no concreto.

A pergunta mobilizadora nessa técnica é a seguinte: Se existisse outra pessoa idêntica, fisicamente, a você mesmo, o que você lhe diria em relação a como se comportar no trabalho, a respeito da sua atividade, de seus companheiros de trabalho, da hierarquia e da organização de trabalho, de modo que ninguém perceba que se trata de outra pessoa?

Podemos perceber que a “instruções ao sósia” é uma técnica que coloca os sujeitos em posição de se expressar acerca do seu próprio trabalho. Assim, a partir desse questionamento, consegue-se a chave de acesso para desvendar o cotidiano de trabalho, visto que dar instruções a um sósia significa representar-se a si mesmo em outra pessoa; reestruturar e ordenar comportamentos singulares e formalizar a experiência informal para torná-la transmissível (Oddone & Briante, 1981).

Um dos aspectos mais interessantes dessa técnica é que quando o sujeito transmite sua experiência particular, ele não está descrevendo meramente a sua atividade, mas toda a atividade e ‘saber fazer’ do coletivo de trabalho do qual participa.

No roteiro de entrevista, ainda acrescentamos a Técnica de Análise da Atividade com base na descrição de um dia normal e de um dia intenso de trabalho, inspirada na Análise Coletiva do Trabalho de Ferreira (1993).

Ao propor seu método de análise da atividade, Ferreira (1993) buscou compreender o trabalho a partir da perspectiva dos trabalhadores, ou seja, solicitava a

um grupo voluntário de trabalhadores que descrevesse detalhadamente sua atividade, fazendo emergir dessa forma todos os aspectos positivos e negativos do trabalho, bem como os sentimentos e emoções inerentes ao mesmo.

Como ressalta Ferreira (1993, p. 10), “uma boa técnica é descrever a atividade cronologicamente, isto é, descrever um dia de trabalho”. Por isso, em nosso roteiro, acrescentamos uma solicitação para que o participante descrevesse detalhadamente seu dia de trabalho, tomando por base um dia normal e um dia intenso.

Adaptamos a técnica original, realizando o questionamento individualmente, e não coletivamente. Isso se deu, principalmente, devido à dificuldade em reunir coletivos de gerentes para que falassem de sua atividade. Assim, procuramos manter a essência do método, que é ouvir os trabalhadores acerca das especificidades de sua atividade, no que se refere às condições de trabalho e ao processo de produção como efetivamente é realizado.

4.4. P

ROCEDIMENTO

A estratégia de definição dos entrevistados foi do tipo “bola de neve”, ou seja, o início do processo de pesquisa iniciou-se com alguns gerentes indicados pelo Sindicato dos Bancários, na cidade de João Pessoa – PB, que, por sua vez, se desdobraram em outras indicações. As entrevistas, realizadas no período de maio a dezembro de 2007, foram encerradas tendo como critério a saturação, que, segundo Minayo (2006), pode ser operacionalmente definida como a suspensão de inclusão de novos participantes quando os dados obtidos passam a apresentar, na avaliação do pesquisador, certa redundância ou repetição.

De posse desses nomes, agendamos as entrevistas individualmente. Algumas foram agendadas por telefone, outras pessoalmente. Das 16 entrevistas realizadas, apenas três foram agendadas dentro do horário em que o banco estava aberto ao público, a pedido dos próprios participantes. As demais aconteceram antes da abertura das agências ou após o fechamento das mesmas. Quanto ao local de realização da entrevista, apenas uma deu-se fora do ambiente de trabalho, em uma sala na Universidade Federal da Paraíba. Todas as outras tiveram como lócus o banco, na própria mesa dos gerentes ou em salas mais reservadas, a critério do entrevistado. A duração média das entrevistas foi de 45 minutos.

Antes do início das entrevistas, reservamos um momento para a explicação dos objetivos do estudo e assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido11. Além

do mais, solicitamos uma autorização verbal para que pudéssemos gravar os depoimentos.

Importante assinalar que mesmo que as entrevistas tenham ocorrido em momentos nos quais o banco estivesse fechado, o nível de interrupção foi bastante alto, envolvendo o toque constante de celular e telefone do banco, solicitações de assinaturas para realização de procedimentos ou pendências para resolver antes e após o expediente oficial.

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