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1.2 OS MOTIVOS DA RUALIZAÇÃO

1.2.2 Alcoolismo e problemas mentais

Sem dúvida, um dos fatores que mais comprometem a integridade física e mental de pessoas em situação de rua é o alcoolismo. O alcoolismo age paralelamente como uma condição e como uma conseqüência para as pessoas que se encontram em situação de rua.

Snow e Anderson (1998, p.81) consideram o álcool como um dos traços definidores centrais da subcultura dos moradores de rua e de forma especial para aqueles que se concentram nas zonas marginais das grandes cidades.

O alcoolismo é uma doença que gera distúrbios de ordem física, emocional e social. As pessoas em situação de rua que se envolvem com o alcoolismo ficam mais propensas a enfermidades, ao abandono; encontram muita dificuldade para arrumar trabalho de qualquer ordem; são mais propensas a acidentes como a serem roubadas e violadas quanto a sua dignidade.

Este envolvimento com a bebida é responsável na maioria dos casos pela aparência andrajosa de grande parte destas pessoas, que em conjunto com enfermidades físicas, emocionais e com a falta de higiene reproduzem de forma ainda mais contundente a repulsa e o preconceito da sociedade.

Geralmente as pessoas em situação de rua, que são alcoólatras, ingressam no vício no período da infância ou adolescência. Mediante o contexto que vivem ou pela própria atitude dos pais, estas pessoas habituam-se com a presença da cachaça como algo inerente em suas vidas, tornando-se ao longo do tempo alienados à educação, ao trabalho e a vida em sociedade.

Cleisa M. Rosa afirma que “entre nove que fazem uso de bebida, oito começaram a beber antes da chegada às ruas” e, além disto, “os que estão há pouco tempo na rua sentem a pressão exercida pela bebida; se não aderem, são tratados como diferentes; é preciso falar a mesma linguagem, caso contrário sofrem represálias” (ROSA apud CAMPOS et AL, 2004, p.8, 11).

Paulo André S. Teixeira (2007, p.2) afirma que aspectos como: “masculinidade, família, trabalho e precarização do mundo laboral e acontecimentos veiculados pela mídia estão intimamente ligados à produção da realidade dos moradores de rua e da sua vivência com o álcool...”.

O envolvimento com o alcoolismo por parte da população de rua pode ocorrer na integração de muitos fatores sociais. Dentre eles pode-se destacar: conflitos familiares (brigas, infidelidade conjugal, etc); desemprego; educação precária (pouca

instrução escolar); ociosidade; problemas de saúde (conflitos afetivos, surtos psicóticos); ausência de valores morais; crises existenciais; etc.

Não é difícil encontrar junto à população em situação de rua pessoas que já foram bem empregadas, de nível universitário, de uma boa estrutura familiar que de um momento para o outro se envolveram com o vicio das drogas e do alcoolismo e passaram a experimentar a vida nas ruas. O que ocorre na realidade de muitos é que o uso da bebida torna-se um analgésico emocional diante das adversidades da vida.

A cachaça é a bebida mais consumida por grande parte das pessoas em situação de rua. Como bebida destilada, possui um teor alcoólico mais elevado, o que traz prejuízos incisivos aos neurônios, como ao comportamento do indivíduo. No contexto da situação de rua, essa escolha não é aleatória: é uma bebida encontrada com facilidade, é a bebida mais barata e traz efeitos de maneira mais ágil. (TEIXEIRA, 2007, p.62)

A embriaguez favorece o surgimento de “parcerias”. Em grupos de mendigos e moradores de rua não é raro ver a conjunção de fatores como: ociosidade, bebida e jogo. Além disto, o uso exagerado da cachaça condiciona estas pessoas a terem atitudes mais ousadas, como pequenos furtos, atentados ao pudor, etc.

Marie-G. Stoffels (1977, p.234) na sua pesquisa com os mendigos de São Paulo afirma que “a embriaguez liberta ao mesmo tempo fantasias que substituem o ego real, por intermédio de um ego falso, mas desejado, um ego utópico altamente realizado que propicia compensações ao eu despojado e à luta pela subsistência”.

Muitos por causa do vício perdem a dignidade pessoal como também a credibilidade por parte das pessoas que os cercam. Diante das várias recaídas ao vício, os laços familiares são rompidos, casamentos são desfeitos, pais e filhos perdem o respeito e a confiança de seus familiares. Além disto, o vício compromete a carreira profissional de muitos, que não conseguem se estabelecer em emprego algum, acumulando percas nas oportunidades de trabalho

As conseqüências do alcoolismo se intensificam principalmente com pessoas que vem de uma situação sócio-econômica menos favorável, que diante da exclusão social sofrem com o estigma da pobreza, do analfabetismo, do desemprego, da falta de moradia e de condições básicas de vida. O envolvimento com o vício cauteriza as consciências e as emoções destas pessoas condicionando-as a vivenciarem a vadiagem, a mendicância e em algumas situações a criminalidade

Muitas entidades públicas e não governamentais tentam fazer a sua parte no sentido de acolherem estas pessoas, mas infelizmente as iniciativas acabam se tornando paliativas, pois os fatores causadores não são remediados. Mattos e Campos (2004) sugerem uma proposta psicossocial que pode intervir de forma pertinente na questão do alcoolismo que envolve a população de rua: tornar abstinente o alcoólatra e domesticada a pessoa em situação de rua. De fato estas propostas são desafiadoras e exigem políticas sociais sérias que as façam viáveis em meio ao sofrimento e alienação da população de rua.

Além do alcoolismo, outra questão que envolve a saúde das pessoas em situação de rua, são os problemas mentais. Grande parte das pessoas que vivem nas ruas e albergues das grandes cidades possuem problemas de ordem emocional e psíquica. Num contexto de miséria e pobreza, são muitas as circunstancias que geram traumas nestas pessoas. E onde há pobreza, geralmente, há ausência de recursos básicos como alimentação, educação, moradia e saúde.

Em termos de saúde pública, estas pessoas por causa do preconceito e da discriminação geralmente ficam desassistidas, tornando-se vulneráveis a enfermidades físicas como psíquicas. A falta de higiene, de uma alimentação equilibrada associada a fatores como desemprego, analfabetismo, e conflitos familiares tornam estas pessoas propensas a desenvolverem distúrbios mentais que se intensificam na experiência com as ruas.

Giovanni Marcos Lovisi (2000, p.28) afirma que em muitos estudos feitos no exterior como no próprio Brasil foi confirmado que existe uma maior freqüência de distúrbios mentais em populações pobres. Na maioria dos estudos é constatado que a doença mental antecede à condição de se morar na rua.

Heckert e Silva (2001) ao fazerem algumas pesquisas de campo no diagnóstico de moradores de rua, que possuem conflitos psiquiátricos, fizeram alguns apontamentos importantes quanto ao perfil destas pessoas: são predominantemente solteiros; possuem pouca instrução educacional; pouco contato com a família de origem; valorizam a religiosidade; geralmente não comparecem aos serviços comunitários de ajuda à população de rua; demonstram pouca expectativa em reverter a situação de morador de rua; grande partes deles consideram sua condição de vida como permanente ou não sabem o que farão no futuro.

Na pesquisa, foi constatado por dados demográficos e biográficos que psicóticos esquizofrênicos formam um subgrupo entre os moradores de rua, com

perfil e características próprias. Foi constatado que a vida nas ruas iniciou-se num período remoto de suas vidas, mas com a falta de recursos e com a evolução da doença, muitos tomaram a direção das ruas (HECKERT; SILVA, 2001).

Lovisi (2000, p.32), ao fazer uma avaliação de distúrbios mentais em moradores de albergues no Rio de Janeiro, levantou informações muito importantes para se entender o perfil destas pessoas no que concerne a distúrbios mentais.

Sua pesquisa foi feita de forma aleatória com a participação de 330 albergados. A maioria era de homens (75,8%), solteiros (78,9%), baixo nível educacional (94,7%), desempregados (72,9%) e com média de idade de 48,2 anos. 22,6% preencheram os requisitos para distúrbios mentais maiores por toda a vida; e 19,1% nos últimos 12 meses. Os resultados colhidos revelaram os seguintes números: esquizofrenia (10,7%), depressão maior (12,9%), déficit cognitivo grave (15%) e 44,2% de abuso/dependência de álcool. Deste contingente, 23,9% tinha história de internação psiquiátrica prévia. Do grupo estudado, cerca de 24% afirmou ter passado por internação psiquiátrica (LOVISI, 2000, p. 8; 32)

Dentre os distúrbios mentais mais freqüentes, Lovisi (2000, p.163) destacou o alcoolismo que atingi preferencialmente os homens. O alcoolismo constitui-se num grave distúrbio que produz alterações severas nas funções cognitivas destas pessoas. Associando fatores ambientais e orgânicos, como o acúmulo de outros distúrbios mentais, o vício destas pessoas é agravado. Outros distúrbios mentais predominantes nas pesquisas foram: a esquizofrenia, seguidos por distúrbios de humor: distúrbio bipolar; depressão maior e distimia (LOVISI; 2000, p.129,130)

Lovisi (2000, p.32) constatou que os maiores distúrbios mentais aparecem com maior freqüência entre grupos de moradores de rua solteiros. Geralmente os solteiros possuem um período maior de vivencia nas ruas, o que intensifica a presença da doença física e mental. Ou seja, num contexto de pobreza e exclusão social, estas pessoas se tornam fortes candidatos a viverem na solidão das ruas por não terem na maioria das vezes o amparo familiar, comunitário e do Estado.

Estas pessoas, na maioria das vezes, não recebem ajuda especializada. Além de carregarem o estigma de “loucos da rua”, sofrem com o distanciamento da família, da comunidade e do poder público. É importante ressaltar que, diante da dor e o sofrimento da enfermidade e da discriminação, estas pessoas depositam alguma esperança na religião. Carlos José Hernandes (1986 apud HECKERT; SILVA, 2001)

afirma que de fato a exploração do simbólico, do mundo mítico, tem se revelado esclarecedora e eficaz como caminho até essas pessoas.

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