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1 INTRODUÇÃO 25 1.1 Problemática

2.1 Alfabetização financeira

O termo alfabetização financeira, em inglês denominado Financial Literacy, tem sido frequentemente utilizado como sinônimo de educação financeira ou conhecimento financeiro. No entanto, esses dois construtos são conceitualmente diferentes e usá-los como sinônimos pode gerar problemas, uma vez que a alfabetização financeira vai além da mera educação financeira. Huston (2010) argumenta que a alfabetização financeira possui duas dimensões: o entendimento, que representa o conhecimento financeiro pessoal ou a educação financeira, e a sua utilização, ou seja, a aplicação de tais conhecimentos na gestão das finanças pessoais. Hung, Parker e Yoong (2009) e a Jump$tart Coalition (2007) definem a educação financeira como o processo pelo qual as pessoas melhoram sua compreensão em relação a produtos e serviços financeiros, já a alfabetização financeira é definida como a capacidade de usar este conhecimento e as habilidades adquiridas para gerir de forma eficaz os recursos, proporcionando um bem-estar financeiro.

A alfabetização financeira é tratada por Lusardi e Tufano (2009) como a capacidade de tomar decisões simples sobre os contratos de dívida, mais especificadamente, a aplicação dos conhecimentos básicos sobre juros compostos, no contexto cotidiano das escolhas financeiras. Nesta mesma visão, a alfabetização financeira, segundo Schagen (1997) e Mandell (2007) refere-se à capacidade de avaliar os novos e complexos instrumentos financeiros e fazer julgamentos informados, tanto na escolha desses instrumentos, como no seu uso mais adequado. Além de estar pautada na tomada de decisão eficaz em relação ao uso e gestão do

dinheiro (NOCTOR; STONEY; STRADLING, 1992; BEAL; DELPACHITRA, 2003; ANZ, 2008; SERVON; KAESTNER, 2008).

Embora a investigação na área da alfabetização financeira venha aumentando ao longo dos anos, existe ainda pouca consistência na forma como a mesma é definida, uma vez que vários autores abordam o tema de forma diferente, atribuindo-lhe diferentes conotações (HUNG; PARKER; YOONG, 2009). Além disso, vários estudos recentes têm destacado o uso ambíguo da alfabetização financeira. Huston (2010) apresentou um resumo da vasta gama de medidas de alfabetização financeira utilizadas na última década, incluindo as definições da mesma, ao descobrir que os termos de alfabetização financeira, do conhecimento financeiro e da educação financeira são frequentemente usados como sinônimos. Da mesma forma, Remund (2010) forneceu uma análise das diversas maneiras em que a alfabetização financeira foi definida em uma tentativa de fornecer uma definição clara e consistente. Robb et al. (2012) apresenta uma análise das diferentes definições de alfabetização financeira utilizada na literatura, porém enfatiza que a falta de uma medida consistente de alfabetização financeira limita a extensão em que os resultados das pesquisas sobre alfabetização financeira podem ser usados para acompanhar as mudanças na alfabetização financeira da população em geral.

Assim, um dos dilemas na análise da alfabetização financeira é o entendimento das diferenças entre esse construto, o conhecimento financeiro e a educação financeira. Nesse sentido, Robb et al. (2012) faz uma distinção entre os termos, afirmando que a alfabetização financeira envolve a capacidade de compreender a informação financeira e tomar decisões eficazes, utilizando essa informação, enquanto a educação financeira é simplesmente recordar um conjunto de fatos, ou seja, o conhecimento financeiro. Norvilitis e MacLean (2010) e Xiao

et al. (2011) ratificam que o conhecimento financeiro por si só não é suficiente para a gestão

eficaz das finanças, uma vez que a influência do conhecimento financeiro sobre o comportamento é mediada pelas atitudes financeiras do indivíduo. Segundo a visão de Criddle (2006) possuir alfabetização financeira inclui o aprendizado quanto à escolha de inúmeras alternativas para o estabelecimento dos objetivos financeiros. Em suma, a alfabetização financeira vai além da ideia básica de educação financeira (MCCORMECK, 2009; HUSTON, 2010; ROBB et al., 2012).

Neste sentido, o significado de uma pessoa financeiramente alfabetizada está também relacionado com os comportamentos que adota, os quais segundo Mundy (2011) precisam estar pautados em cinco componentes: honrar com as despesas, ter as finanças sob controle, planejar o futuro, fazer escolhas assertivas de produtos financeiros e manter-se atualizado das questões financeiras. Porém, segundo a visão de Holzmann (2010), se um dos componentes

da alfabetização financeira é saber escolher produtos financeiros adequados, a forma como o conceito é mensurado nos países de baixo e médio rendimento necessita ser adaptada à realidade da população, pois grande parte desses indivíduos não possui acesso a serviços financeiros formais.

Outro dilema da alfabetização financeira é a carência existente de modelos que apresentem as diferentes dimensões envolvidas neste construto. Em uma revisão abrangente da literatura acerca da alfabetização financeira, Huston (2010) constatou que dos setenta e um estudos avaliados, mais de cinquenta deles não conseguiu definir o conceito de alfabetização financeira. Nos vinte estudos que forneceram uma definição, Huston (2010) observou oito significados distintos atribuídos ao termo, sendo dois focados principalmente na capacidade e três no conhecimento apenas. Hung, Parker e Yoong (2009) também encontraram uma grande variedade de dimensões entre os estudos da alfabetização financeira.

Alguns pesquisadores dimensionam a alfabetização financeira exclusivamente através do conhecimento geral dos temas financeiros (HILGERT; HOGARTH; BEVERLY, 2003), enquanto outros salientam a natureza multifacetada da alfabetização financeira, abrangendo não só conhecimento, mas também as dimensões relacionadas às experiências financeiras dos indivíduos (MOORE, 2003), a autoconfiança na tomada de decisões financeiras (HUSTON, 2010) e a tomada de decisões financeiras informadas (REMUND, 2010). Alguns estudos incluem o capital humano, medido por meio da educação ou da experiência formal (CALEM; MESTER, 1995; CROOK, 2002; KERR; DUNN, 2002; KIM; DUNN; MUMY, 2005), enquanto outros incluem o capital humano mais específico, medido através de questões de conhecimentos financeiros (COURCHANE; ZORN, 2005; LUSARDI; TUFANO, 2009; ROBB; SHARPE, 2009). Além disso, estudos em diversos países têm mensurado a alfabetização financeira através de um conjunto de perguntas que medem conceitos financeiros básicos, tais como capitalização de juros, inflação e diversificação de risco (LUSARDI; MITCHELL, 2013).

Embora existam várias definições e dimensões utilizadas para a alfabetização financeira, a maioria sugere a capacidade dos indivíduos de obter, compreender e avaliar as informações financeiras, os quais são necessários para a tomada de decisão eficaz, visando à garantia do futuro financeiro do indivíduo. Com isso, uma definição que abrange de forma eficiente esta ideia é a da OECD, a qual mensura a alfabetização financeira como uma combinação de consciência, conhecimento, habilidade, atitude e comportamento necessários para tomar decisões financeiras sólidas e, finalmente, alcançar o bem-estar financeiro individual (ATKINSON; MESSY, 2012). Recentemente aprimorada essa definição, refere-se

a alfabetização financeira como sendo o conhecimento e a compreensão de conceitos e riscos financeiros; as habilidades, a motivação e a confiança para aplicar esse conhecimento; e a compreensão, a fim de tomar decisões eficazes em uma variedade de contextos financeiros, para com isso, melhorar o bem-estar financeiro dos indivíduos e da sociedade, a fim de permitir a participação na vida econômica (OECD, 2013a). Assim, a OECD define a alfabetização financeira em três dimensões: o conhecimento financeiro, o comportamento financeiro e a atitude financeira.

A dimensão do conhecimento financeiro é um tipo particular de capital humano que se adquire ao longo do ciclo de vida, por meio da aprendizagem de assuntos que afetam a capacidade para gerir receitas, despesas e poupança de forma eficaz (DELAVANDE; ROHWEDDER; WILLIS, 2008). O conhecimento foi proposto por Grable e Joo (2006) como um elemento de bem-estar financeiro pessoal em um quadro conceitual que inclui a satisfação financeira, o comportamento financeiro e as atitudes financeiras. Sendo desenvolvido através das interações ao transmitir e ao receber informações em grupo (DANES; HABERMAN, 2007). Já para a OECD, o conhecimento financeiro é essencial para determinar se o indivíduo é financeiramente alfabetizado, englobando questões em relação a conceitos como juros simples e compostos, risco e retorno, e inflação (ATKINSON; MESSY, 2012).

O comportamento financeiro é um elemento essencial da alfabetização financeira, e sem dúvida o mais importante (OECD, 2013a). Segundo Atkinson e Messy (2012), os resultados positivos de ser financeiramente alfabetizado são movidos pelo comportamento, tais como o planejamento de despesas e a construção da segurança financeira, por outro lado, certos comportamentos, tais como o uso excessivo de crédito, podem reduzir o bem-estar financeiro. Neste contexto, estudos recentes têm relatado o comportamento financeiro como um determinante da alfabetização financeira (LUSARDI; MITCHELL, 2013). Corroborando com isso, os resultados encontrados por Klapper, Lusardi e Panos (2013) sugerem que a alfabetização financeira é significativamente relacionada com o comportamento dos indivíduos, sendo relacionada positivamente com uma maior participação nos mercados financeiros formais e negativamente com o uso de fontes informais de empréstimos. Além disso, os indivíduos com maiores níveis de alfabetização financeira são mais propensos a relatar maiores níveis de poupança.

Atitudes financeiras são estabelecidas através de crenças econômicas e não econômicas realizadas por um tomador de decisão sobre o resultado de um determinado comportamento e são, portanto, um fator-chave no processo de tomada de decisão pessoal (AJZEN, 1991). Já para o QFinance (2013) as atitudes financeiras consistem em um

sentimento, emoção ou opinião, podendo ser momentâneo ou evoluir para uma posição habitual que influencia a longo prazo o comportamento de alguém. De forma similar, Shockey (2002) define atitude como sendo a combinação de conceitos, informações e emoções sobre a aprendizagem que resulta em uma predisposição a reagir favoravelmente. Com isso, o desenvolvimento de atitudes pode ser o resultado da experiência direta de um indivíduo, devido à mera exposição ou condicionamento ao conteúdo (DE HOUWER; THOMAS; BAEYENS, 2001; FAZIO; EISER; SHOOK, 2004; WINKIELMAN et al., 2006). Entretanto, pesquisas demonstram que o desenvolvimento da atitude (formação ou mudança) pode estar sujeito a estímulos contextuais (DASGUPTA; GREENWALD, 2001; WITTENBRINK; JUDD; PARK, 2001). Como tal, são também formadas atitudes através da experiência indireta obtida a partir do grupo de um indivíduo (FAZIO; EISER; SHOOK, 2004). Para a OECD, as atitudes são consideradas um elemento importante da alfabetização financeira (ATKINSON; MESSY, 2012).

A Figura 1 apresenta uma síntese dos principais conceitos e dimensões que envolvem a alfabetização financeira.

(continua)

Conceitos de Alfabetização Financeira Dimensões Autores

O conhecimento financeiro e a aplicação desse conhecimento, com autoconfiança na tomada de decisões financeiras.

Conhecimento financeiro e

aplicação do conhecimento Huston (2010) A capacidade de usar o conhecimento e as

habilidades adquiridas para uma melhor gestão.

Conhecimento financeiro e habilidades

Jump$tart Coalition (2007); Hung, Parker e Yoong (2009) A capacidade de tomar decisões simples no

contexto cotidiano das escolhas financeiras. Decisões cotidianas Lusardi e Tufano (2009) A capacidade de avaliar as opções financeiras e

fazer julgamentos informados. Avaliação e julgamento

Schagen (1997); Mandell (2007) A capacidade de compreender a informação

financeira e tomar decisões eficazes, utilizando essa informação.

Compreensão e decisão

Noctor, Stoney e Stradling (1992); Beal e Delpachitra (2003); ANZ (2008); Servon e Kaestner (2008); Robb et al. (2012)

Vai além da ideia básica da educação financeira, onde a influência do conhecimento financeiro sobre o comportamento é mediada pelas atitudes financeiras do indivíduo.

Conhecimento,

comportamento e atitudes

Norvilitis e MacLean (2010); Xiao et al. (2011)

A escolha de inúmeras alternativas para o

(conclusão)

Conceitos de Alfabetização Financeira Dimensões Autores

Envolve apenas o conhecimento financeiro. Conhecimento financeiro Hilgert, Hogarth e Beverly (2003)

Engloba as experiências financeiras dos

indivíduos. Experiências financeiras Moore (2003) A tomada de decisões financeiras informadas. Decisões financeiras Remund (2010) O capital humano, medido por meio da educação

ou da experiência formal. Educação financeira

Calem e Mester (1995); Crook (2002); Kerr e Dunn (2002); Kim, Dunn e Mumy (2005) O capital humano mais específico, medido através

de questões de conhecimentos financeiros. Conhecimento financeiro

Courchane e Zorn (2005); Lusardi e Tufano (2009); Robb e Sharpe (2009)

Mensurada através de um conjunto de perguntas que medem conceitos financeiros básicos, tais como capitalização de juros, inflação e diversificação de risco.

Conhecimento financeiro Lusardi e Mitchell (2013) Engloba a alfabetização financeira em três

dimensões: o conhecimento financeiro, o comportamento financeiro e a atitude financeira.

Conhecimento financeiro, comportamento financeiro e atitude financeira

Atkinson e Messy (2012); OECD (2013a); OECD (2013b)

Figura 1 – Principais conceitos e dimensões que envolvem a alfabetização financeira.

Fonte: Elaborada pela autora, 2014.

Em síntese, percebe-se que diversos autores conceituam a alfabetização financeira como sinônima de conhecimento financeiro, pois a mensuram apenas com esse construto. Com isso, a maioria das definições norteia conceitos de conhecimento e alguns de forma mais abrangente, mensurando também a aplicação desse conhecimento como conceito de alfabetização financeira. No entanto, nota-se que alguns pesquisadores a conceituam de forma ampla, a mensurando em outros aspectos como o comportamento financeiro, a atitude financeira, as experiências financeiras, entre outros.