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Algumas características históricas dos primeiros povoamentos

4 CARACTERÍSTICAS GERAIS E ANÁLISE TOPONÍMICA

4.1 Características gerais do estado de Mato Grosso

4.1.1 Algumas características históricas dos primeiros povoamentos

O estado de Mato Grosso começou a ser delineado quando “mamelucos paulistas”, os bandeirantes, iniciaram a penetração pelo interior, em direção ao rio Paraná. Eles navegaram pelo rio Tietê, chegaram ao rio Paraná e ao atingirem a margem oposta daquele rio começaram a adentrar no “sertão” em um primeiro momento, em busca de índios para escravizar. Eles também acalentavam o sonho de descobrir, nas novas paragens, cobiçados metais como ouro, diamantes e esmeraldas.

Inicialmente, as terras da região onde hoje localiza-se o estado de Mato Grosso do Sul não lhes despertaram grandes interesses, talvez por não terem observado em suas formações sinais que mostrassem a presença desses raros e ambicionados metais preciosos. Elas caracterizavam, em princípio, apenas grandes distâncias a serem vencidas na busca pela concretização de suas esperanças.

Parte das terras que formam os estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul já havia sido palmilhada por aventureiros espanhóis e, ao que tudo indica, antes

deles apenas os habitantes autóctones conheciam a região. Não se pode esquecer que pelo Tratado de Tordesilhas, oficialmente, toda essa área pertencia à Espanha. No transcorrer do tempo, o destemor dos bandeirantes pelo desconhecido e as suas ambições formaram a alavanca que ao ser impulsionada por suas ações mudou o rumo da história desta região, de sua gente e, acima de tudo, do Brasil.

No início, um ou outro bandeirante acompanhado de seus homens e de índios já “domesticados”, que sabiam caminhar pelas matas e falar o idioma dos povos autóctones da região, embrenharam-se por essas terras, enfrentando todos os tipos de desconforto: fome, doenças, feras, silvícolas chamados de hostis, mas que na realidade lutavam para defender seus territórios, manter a hegemonia do grupo, etc. Apesar de tudo, eles prosseguiram nos seus intentos. Infelizmente, são poucos os registros, pode-se até mesmo dizer que são quase inexistentes os registros escritos da epopéia da conquista dessas áreas.

Sabe-se vagamente que varou, pelo vale do Miranda, até alcançar o domínio dos incas, o misterioso Aleixo Garcia, que não deixou sequer o roteiro de suas audazes peregrinações, efetuadas no primeiro quartel do século XVI. E mais, que Antônio Raposo Tavares lhe ultrapassou as pegadas, para ir surpreender os moradores do Baixo Amazonas, por onde rodou, depois de marinhar por escarpas andinas, ao completar o périplo sobre-humano.

Os seus feitos, porém, e dos que lhe seguiram o exemplo, quando muito contribuíram para apontar as linhas de acesso aos remotos sertões, onde se multiplicavam os viveiros de nativos suscetíveis de escravização.

O exame das peculiaridades locais somente começaria depois da fixação dos andejos bandeirantes em Cuiabá, atraídos pelo ouro de suas lavras. Corrêa Filho (1969, p. 25)

Assim, as incursões bandeirantes penetravam cada vez mais as terras mato- grossenses. No início do século XVIII, o sorocabano Pascoal Moreira Cabral, após receber informações de outro bandeirante, Antônio Pires, sobre uma região propícia para prear índios, adentrou pela região do rio Cuiabá. Antônio Pires e seus homens, um pouco antes, haviam logrado êxito na luta contra os índios coxiponés e estavam de retorno a São Paulo.

De posse dessas informações, Pascoal Moreira dirigiu-se com sua bandeira para o local indicado, com o intuito de efetuar aprisionamento de índios e, de posse

de suas conquistas, também retornar a São Paulo, mas a sua pretensão haveria de sofrer uma grande reviravolta. O grande achado do Bandeirante Paulista não seria integrantes de uma tribo indígena para escravizar, mas sim o ouro, ouro farto a “brotar” das areias que margeiam o rio Coxipó.

Esses fatos determinaram o marco inicial do nascimento da futura província que com o decorrer dos decênios iria transformar-se no estado de Mato Grosso. Foi como se os acontecimentos ocorressem em cascata: descoberto o ouro era necessário que houvesse o estabelecimento de pessoas para que a posse da área fosse efetivada. Para que houvesse a efetivação da posse fazia-se necessário manter intercâmbio e receber apoio do povoado, neste caso específico, de São Paulo, pois toda a região fazia parte daquela capitania. Para que o intercâmbio ocorresse era necessário estabelecer uma rota de viagem que as pessoas pudessem utilizar. Pode-se ter uma idéia da distância e das dificuldades a serem vencidas:

Como conseqüência imediata da descoberta do ouro cuiabano operou-se a transformação da principal rota sertanista, já quase sesqui-secular da penetração ocidental, para a devassa das terras e preia do índio em via comercial e militar.

Criava-se o episódio das monções, inserto com o maior relevo nos anais do bandeirantismo.

Assumiria ímpar originalidade não só em nossos fastos nacionais como nos do Universo.

É, com efeito: em parte alguma do globo as condições geográficas, demográficas, comerciais, coexistiram e associaram-se, tão originais quanto as que caracterizaram esta via anfíbia de milhares de quilômetros de imensos percursos fluviais e pequena jornada terrestre: a estrada das monções entre Araraitaguaba e Cuiabá, separados por três mil e quinhentos quilômetros da mais áspera navegação com mínima solução de continuidade constituída por alguns quilômetros do varadouro de Camapoã e os do vencimento, pela varação dos saltos e cachoeiras. Taunay (195_, p. 113)

A notícia da descoberta do ouro, a facilidade que tinham em retirá-lo do solo e a abundância com que ele apresentava-se, obteve transmissão veloz e, rápidamente, chegou a São Paulo. A partir desse momento, começou o desvario pelo ouro. As grandes viagens eram organizadas e todos os tipos de pessoas lançavam-se nessas aventuras. Muitos jamais chegaram a concluí-las, há registro desse fato:

Divulgada a noticia pellos povoados foi tal o movimento que cauzou nos ânimos que das minas gerais Rio de Janeiro e de toda a Capitania de Sam Paulo se aballaraõ muitas gentes deixando cazas, fazendas, mulheres e filhos botando-se para estes Sertoens como se fora de promissam ou o Parahyso incoberto em que Deus pos nossos primeiros Paes.

“Anno de mil setecentos e vinte partirão dos povoados bastantes gentes para essas conquistas divididas em diversos comboyos de canoas imbarcando na Aritagoaba descendo o rio Tietê e o grande sobindo o Anhandohy asima da barra do rio pardo atravesando a vacaria descendo pelo Mateteu e desse pello Paragoay asima padecerão grandes destrosos perdiçoens de canoas nas coxoeiras por falta de pilotos praticos que ainda os não havia mortandade de gente por falta de sustento doenças comidos de onsas e outras misérias. Barbosa de Sá (1975, p. 4-5).

Durante três longas décadas todas as decisões administrativas ou políticas, eram repassadas para o Além Paraná e depois, via rio Tietê, chegavam até a São Paulo, seguindo esses duros e longos percursos.

As espantosas jornadas fluviais do Paredão de Araraitaguaba a Cuiabá não encontram similares em outra região do globo”.

(...)

Nada mais evocativo do que o modo pelo qual os primeiros moradores de Cuiabá designavam o Tietê e S. Paulo: rio do Povoado e Povoado.

Retirar-se para o Povoado, no dizer singelo dos documentos setecentistas era expressão sinônima de partir para S. Paulo. Taunay (195_, p. 114)

Essas viagens epopéicas continuaram, mas a partir de 1728 já começava a se evidenciar um declínio na extração do ouro em Cuiabá. A ambição pelo ouro somada à ganância do fisco da coroa portuguesa deram palcos a perseguições cruéis e, muitas vezes, injustas no arraial do Senhor Bom Jesus de Cuiabá.

Além das pressões exercidas pelas autoridades daquela época, o medo dos gentios, sobretudo Paiaguá e Guaicuru, as epidemias que algumas vezes varreram a vila do Senhor Bom Jesus e as descobertas de ouro em outras paragens contribuíram de forma efetiva para o gradativo despovoamento de Cuiabá. Narram os cronistas que a partir dessa época tem-se o início do êxodo populacional.

Em princípios de 1728, a tal ponto chegou a situação de desespero entre os cuiabanos que pensaram em abandonar em massa a sua

vila, voltando uns a São Paulo e indo outros para Goiás, de cujas riquezas chegavam constantemente notícias.

(...)

Partiram mais de mil pessoas, das quais morreram muitas pelos pousos e barrancas dos rios nas mãos dos índios. Taunay (195_, p. 62).

As incursões pelo interior da região de Cuiabá eram incessantes. Logo veio a notícia de novas descobertas de ouro em um lugar mais a oeste de Mato Grosso, e também, atendendo ordens de Portugal que queria ampliar e efetivar os seus domínios territoriais, foi criado um povoamento às margens do rio Guaporé. Esses fatos contribuíram para a elevação de Mato Grosso à condição de capitania. E para sediar a capitania foi criada a cidade de Mato Grosso às margens do referido rio Guaporé, com dois objetivos: fiscalizar o ouro e garantir a posse da terra para a coroa portuguesa. Esse episódio está narrado assim: “Em 1744, e à vista do que o informaram sobre as minas do Guaporé, resolveu D. João V elevar Mato Grosso a cabeça de capitania.” Taunay (195_, p. 97).

O fascínio pelo ouro tangia as pessoas, e novamente, enfrentaram mais dificuldades de percurso para chegar às novas lavras. As viagens eram tão difíceis que por diversas vezes os cronistas reportam-se a elas. Transcreve-se uma descrição mais pormenorizada do trajeto desenvolvido pelas monções:

Segundo os cálculos de Lacerda e Almeida as distâncias fluviais sulcadas pelas monções atingia 531 léguas ou seja 3.504,6 km. Assim se distribuíam 152 no Tietê, 29 no Paraná, 75 no Pardo, 17 no Camapoã, 40 no Coxim, 90 no Taquari, 39 no Paraguai, 25 no Porrudos e 64 no Cuiabá.

A esse colossal percurso aquático era preciso adicionar os 14 quilômetros do varadouro de Camapoã e os 155 quilômetros que medeiam de S. Paulo a Araraitaguaba. O total da jornada de S. Paulo às minas cuiabanas vinha a ser, pois, de 3.664 quilômetros.

De Cuiabá às minas guaporeanas mais noventa e três léguas a caminhar! (613,8 km).

Cento e treze saltos, cachoeiras e corredeiras a vencer: 55 no Tietê, 33 no Pardo, 24 no Coxim, uma no Taquari. No Pardo era muito freqüente verificar-se o espedaçamento de canoas. Taunay (195_, p. 47)

A condição de efetivação de Mato Grosso como província, já independente de São Paulo, ocorreu em 1748, com a escolha pela coroa portuguesa do primeiro governador de província, mas a posse só ocorreu quase três anos depois.

Foi esta Província, como a de Goyaz, sujeita ao Governo de S. Paulo, até que, por Patente de 25 de Setembro de 1748 foi despachado primeiro e privativo Governador, o Capitão General dela o Ex. D. Antonio Rolim de Moura, Conde de Azambuja, de boa Memória que tomou posse em Cuyabá em 17 de janeiro de 1751. D’Allincourt (1914, p. 156).

Com a exaustão das lavras cuiabanas no século XIX e apesar do retorno de Cuiabá à condição de capital de Mato Grosso, foram longas décadas de distanciamento das outras regiões e estados brasileiros. As grandes distâncias e as poucas e precárias vias de acesso por terra muito contribuíram para a instalação e continuidade desse fato.