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Algumas características sobre as facções criminosas no Estado de São Paulo

CAPÍTULO 5 OLHARES CONVERGENTES E DIVERGENTES: DISCUSSÃO E

5.10 C ATEGORIA 10: I MPACTO DA EXISTÊNCIA DO CRIME ORGANIZADO NA ATUAÇÃO

5.10.1 Algumas características sobre as facções criminosas no Estado de São Paulo

As facções criminosas formaram-se nos presídios paulistas na década de 1990. Para compreender o contexto em que tais grupos passaram a se organizar é necessário ter em mente a política humanizadora dos presídios adotada nos anos 1980 e sua ruptura, marcada por um período em que foi adotada uma política no sistema penitenciário de cunho autoritário e violadora de direitos fundamentais423.

Existem algumas facções no Estado de São Paulo, mas a maior delas é o Primeiro Comando da Capital – PCC. As demais facções identificadas pela literatura são: Seita Satânica – SS, Comando Democrático da Liberdade – CDL, Terceiro Comando da Capital – TCC e Comando Revolucionário Brasileiro da Criminalidade – CRBC. Esta última é a segunda maior facção do Estado424.

A literatura acadêmica debruçou-se mais sobre o estudo do PCC, provavelmente por ser a facção que comanda atualmente mais de 90% das unidades prisionais do Estado425.

423 Vide SHIMIZU, Bruno. Solidariedade e gregarismo nas facções criminosas: um estudo à luz da Psicologia das massas. São Paulo: IBCCRIM, 2011. (Monografias IBCCRIM n. 60).

BIONDI, Karina. Op. cit. TEIXEIRA, Alessandra. Dispositivos de exceção... Op. cit., p. 175-208. TEIXEIRA, Alessandra. Prisões da exceção: Política penal e penitenciária no Brasil contemporâneo. 1 ed. Curitiba: Juruá Editora, 2009.

424 BIONDI,Karina; MARQUES, Adalton. Memória e historicidade em dois “comandos” prisionais. Revista

Lua Nova, São Paulo, p. 39-70, 2010, p. 46. SALLA, Fernando. De Montoro a Lembo. Op. cit. SALLA, Fernando. As rebeliões nas prisões: novos significados a partir da experiência brasileira. Sociologias, Porto Alegre, UFGRS, ano 8, n. 16, p. 274-307, jul./dez. 2006.

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CAMILA DIAS divide o histórico do PCC em três fases426. A primeira delas,

compreendida entre 1993427 e 2001, foi marcada pela constituição e expansão da facção. Esta fase foi marcada por muita violência e rebeliões, uma vez que ocorreu em um período de “conquista de território”, em que “o sistema carcerário estava passando por um processo de reconfiguração das relações de poder”428.

A segunda fase, de 2001 a 2006, diz respeito à consolidação de uma nova configuração de poder. Com a megarrebelião de 2001429, ocorreu a publicização do PCC e a Administração Penitenciária passou a considerar a existência das facções no sistema penitenciário: o PCC transformou-se no inimigo público número 1, passando a ser o foco principal das políticas de segurança. Neste período ocorre a grande expansão desta facção.

Em 2005, após a morte violenta de sete pessoas em uma unidade prisional, decorrente da disputa por poder entre duas facções, a SAP passou a distribuir os presos pelas diferentes unidades prisionais do Estado conforme a afiliação às facções. LOURENÇO narra esse fato em sua tese de doutorado:

Com a mega-rebelião de fevereiro de 2001, ficou claro aos dirigentes da SAP, apesar das negativas governamentais anteriores, da existência de grupos de prisioneiros organizados em facções criminosas no interior das prisões de São Paulo. Junto com o PCC (Primeiro Comando da Capital), outras organizações criminosas, principalmente o CDL (Comando Democrático da Liberdade) e o CRBC (Comando Revolucionário Brasileiro da Criminalidade) lutavam para obter o controle da instituição prisional e, quiçá, da grande massa carcerária que habitava os presídios paulistas. Depois de um evento ocorrido numa penitenciária localizada em Guarulhos, na Grande São Paulo, em 2005 quando, uma disputa pelo poder entre duas facções rivais, resultou em sete mortes violentas, uma decisão dos dirigentes da Secretaria de Estado recomendava aos órgãos subordinados a distribuição de prisioneiros segundo sua vinculação ou afiliação a uma ou outra facção criminosa, em estabelecimentos diversos. Com essa ação, estabelecimentos prisionais específicos receberam prisioneiros identificados ou associados com uma das organizações criminosas existentes.430

426 No mesmo sentido,SHIMIZU, Bruno. Op. cit., p. 131-144.

427 Existem diversas versões sobre o surgimento do PCC, a mais citada diz que ele se formou em 1993. Vide BIONDI, Karina. Junto e misturado. Op. cit.

428 DIAS, Camila Caldeira Nunes. Da guerra à gestão. Op. cit., p. 80.

429 29 unidades prisionais do Estado de São Paulo se rebelaram simultaneamente. Vide DIAS,Camila Caldeira Nunes. Violência, PCC e prevenção do crime. Op. cit. Vide BIONDI, Karina. Junto e misturado. Op. cit. EM 2001, megarrebelião comandada pelo PCC atingiu 29 penitenciárias. Folha de São Paulo online. 13 maio 2006. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u121415.shtml>. Acesso em: 12 jan. 2013. MILLIKEN, Mary. Cadeias do país continuam fervendo um ano após megarrebelião. UOL. Disponível em: <http://noticias.uol.com.br/inter/reuters/2002/02/14/ult27u19304.jhtm>. Acesso em: 12 jan. 2013.

184 Os eventos de maio de 2006 demonstraram publicamente o poder do PCC. Neste período, 84 unidades prisionais – das quais dez fora do Estado de São Paulo – rebelaram-se simultaneamente e diversos ataques às forças de segurança ocorreram do lado de fora das cadeias: “229 ataques a órgãos públicos, 82 ônibus incendiados, 17 agências bancárias alvejadas a bombas, 42 policiais e agentes de segurança mortos e 38 feridos”431. A reação do aparato policial também foi extremamente violenta: registraram-se aproximadamente 500 mortes durante o curto período do dia 12 até 21 de maio, a maioria com indícios de execução. Esse período ficou conhecido como “semana sangrenta”432.

todas estas ações foram desencadeadas por grupos criminosos de dentro do sistema penitenciário. Pela primeira vez uma crise no sistema penitenciário transbordava os muros das prisões e atingia direta e amplamente o cotidiano da população. A cidade de São Paulo paralisou suas atividades por alguns dias em maio e julho de 2006, e sua população foi tomada pelo pânico.433

A terceira fase começa em 2006 e vai até os dias atuais e corresponde ao momento em que o PCC detém a hegemonia do mundo criminal em SP. Não só dentro das unidades, mas também no controle das atividades ilícitas, estando enraizado nas periferias de São Paulo.

A literatura identifica um período de calmaria nas prisões paulistas, em razão da drástica redução de rebeliões e mortes. De acordo com SHIMIZU,

Desde o fim dos ataques, o PCC não tem, com muita frequência, sido acusado de ações que tenham causado grande repercussão midiática. Acredita-se que as lideranças da facção e as instâncias oficiais tenham chegado a um estável arranjo simbiótico de poder (...). No mesmo sentido, as relações simbióticas de poder tem-se demonstrado extramuros, nos ambientes diversos do cárcere, onde a facção já exerce sua influência de forma notória.434

431 BIONDI, Karina. Junto e misturado. Op. cit., p. 75.

432 CONECTAS DIREITOS HUMANOS E LABORATÓRIO DE ANÁLISE DA VIOLÊNCIA (LAV-UERJ). Análise dos impactos dos ataques do PCC em São Paulo em maio de 2006. São Paulo. Publicado em: 2008. Disponível em: <http://www.conectas.org/documentos/Art1_relatorio_crimesdemaio2006_09.05.11.pdf>. Acesso em: 21 dez. 2012. JUSTIÇA GLOBAL; CLÍNICA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS DA FACULDADE DE DIREITO DE HAVARD. São Paulo sob achaque: corrupção, crime organizado e violência institucional em maio de 2006. São Paulo: Fundação Ford, Fundação Heinrich Boll, Open Society Institute. Publicado em: 2011. Disponível em: <http://global.org.br/wp-content/uploads/2011/05/SaoPaulosobAchaque_JusticaGlobal_2011.pdf>. Acesso em: 2 jan. 2012.

433 SALLA, Fernando. De Montoro a Lembo. Op. Cit. p. 73. 434 SHIMIZU, Bruno. Op.cit., p. 143-144.

185 Contudo, em 2012 houve um novo momento de ruptura, que provavelmente marcará o início de uma nova fase da história do PCC, mas ainda não há distanciamento seguro para ensaiar sua análise. Pode-se pressupor que houve uma ruptura nos acordos estabelecidos em 2006. No segundo semestre de 2012, diversos ataques às forças de segurança ocorreram e ao menos 100 policiais foram mortos435-436.

O PCC reduziu de modo substancial a violência física dentro das unidades prisionais, ao mesmo tempo em que despojou os indivíduos de solucionarem seus conflitos a seu próprio modo, de maneira individual, ao criar e impor regras de convivência437. De acordo com BIONDI,

a criação do PCC é vista por muitos presos como o fim de um tempo no qual imperava uma guerra de todos contra todos, onde a ordem vigente era “cada um por si” e “o mais forte vence”. Até então, as agressões físicas [entre os presos] eram bastante comuns, “qualquer banalidade era motivo para ir para a decisão na faca”.438

Atualmente, a organização do PCC é altamente capilarizada e baseada no princípio da igualdade entre os membros da facção. Existem os “disciplinas”, que são responsáveis pela manutenção da ordem em determinado setor da unidade prisional. Há o responsável pela cobrança de dívidas – em geral de drogas. Há os “sintonias”, que são responsáveis pelo fluxo de informação e circulação de informação na cadeia. Há os responsáveis por cada raio da unidade e o “piloto geral”, posto mais alto na penitenciária. Além disso, os integrantes do PCC – chamado de “irmãos” – são distribuídos de forma a ficar pelo menos um em cada cela439.

As formas de decisão dos impasses e conflitos se dá com a formação de uma espécie de “tribunal” em que são travados debates entre todos os irmãos e só após este debate a decisão é tomada. Esta forma de resolução dos conflitos se estabelece no sentido de democratizar o PCC e fazer com que todos se sintam parte importante da facção. O peso

435 BENITES, Afonso. Pelo quarto mês seguido, violência aumenta em SP. Folha de São Paulo, Cotidiano, 22 dez. 2012.

436 Vale ressaltar que as entrevistas desta pesquisa foram realizas ao longo do ano de 2012, porém a última entrevista foi realizada antes da deflagração deste período de violência mais intensa.

437 DIAS, Camila Caldeira Nunes. Da guerra à gestão. Op. cit., p. 93. 438 BIONDI, Karina. Junto e misturado. Op. cit., p. 71.

186 dado aos argumentos apresentados varia em função do cargo exercido, porém todos são igualmente ouvidos.440

De acordo com DIAS,

Nas duas últimas décadas assistimos a um agravamento das condições físicas das prisões que decorre, em grande medida, do aumento vertiginoso da população carcerária sem a correspondente melhora na infra-estrutura e na formação de funcionários, cujo número também não acompanha o ritmo frenético de crescimento de presos. Neste cenário, a corrupção e o arbítrio tornam-se a tônica dominante no relacionamento entre funcionários e presos e a violência se constitui como base deste sistema social. Na esteira deste processo de agravamento das condições materiais e morais das prisões, vimos a emergência – em São Paulo, onde estes processos ocorreram de forma mais contundente – de uma organização de presos, o Primeiro Comando da Capital (PCC) que, ao longo deste período alcançou uma capacidade de estruturação e de articulação jamais vista antes.441

Feita esta breve explanação sobre as facções criminosas, o próximo item dedicar- se-á à discussão e interpretação dos dados.

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