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Algumas considerações acerca da Medicina Psicossomática

Capítulo 3. Algumas interpretações possíveis da presença corporal de

3.3 A ‘interrelação entre corpo e alma’ e o existir

3.3.1 Algumas considerações acerca da Medicina Psicossomática

Para Franz Alexander (1954), um dos fundadores da Medicina Psicossomática, o estudo da psicogênese das doenças psicossomáticas solucionou a antiga dicotomia da psique versus soma, pois se entende o fenômeno psicológico como o aspecto subjetivo dos processos fisiológicos do cérebro.

Tanto os fenômenos psicológicos quanto os somáticos aparecem no mesmo local, o organismo. Mas são dois aspectos do mesmo processo. O processo psicológico seria possível de ser visualizado por intermédio da palavra, “da expressão da percepção subjetiva dos processos fisiológicos” (ALEXANDER, 1954, p. 35).

Por psicogênese entendem-se os processos psicológicos consistentes em excitação do sistema nervoso, que podem ser estudados através dos métodos psíquicos percebidos subjetivamente nas ideias e nos desejos. Dessa maneira, a investigação psicossomática se relacionaria com processos em que determinados elos da cadeia causal são encontrados mais facilmente para um estudo dos processos psicológicos que fisiológicos, uma vez que naquela época, meados da década de 50, as pesquisas das emoções como processos cerebrais ainda não se encontravam muito avançadas.

Para exemplificar tais processos psicológicos, Alexander (1954) refere-se à ira. Como fator emocional, ela se desenvolveria ou se desdobraria em algum lugar do sistema nervoso central, ao que se pode chamar de ‘elo’. Porém, o elo entre o processo psicológico e fisiológico da ira somente poderia ser descrito teórica ou fisiologicamente. Nunca o processo psicológico poderia ser apreendido, tampouco seu elo no sistema fisiológico, a não ser em termos de suas expressões, sejam elas verbais ou somáticas.

Mas que tipo de ‘doença’ emocional Frederico poderia apresentar para ‘causar’ uma experiência de pele líquida? Seria o desapego glandular uma forma de alteração ao processo fisiológico? Teria ele alguma disfunção fisiológica?

As enfermidades da pele são compreendidas pela Psicossomática como lugar de expressão das emoções. Como superfície do corpo, a pele é o lugar do exibicionismo e o psiquismo nela exerce maior influência que qualquer outro órgão humano. Há indícios de que impulsos narcisistas e exibicionistas estariam na esteira causal de algumas enfermidades dermatológicas. Poderiam ser lesões de pele, de forma geral, ou as psoríases, como também o eczema. Algumas secreções da pele poderiam estar associadas ao choro reprimido. Já a inibição do instinto sexual poderia revelar-se em pruridos, principalmente nas regiões anais e genitais (ALEXANDER, 1954). Porém, nenhuma das doenças dermatológicas listadas por Alexander e colaboradores poderia se encaixar na experiência da pele líquida de Frederico. E ainda resta a questão: o modo de Frederico experienciar a pele líquida seria um fator de causa emocional ou física? Seria um problema psíquico influenciando o físico, ou vice-versa?

Como afirma Alexander, uma doença como a esquizofrenia geraria muitos impasses quanto a sua etiologia. A escola psiquiátrica defende que tal doença seria de origem orgânica, causada por fatores endógenos, ao passo que também os fatores hereditários

parecem ser extremamente importantes para o surgimento da doença. Ainda que seja improvável esta vertente encontrar um local cerebral tangível para o aparecimento da enfermidade, Alexander, em 1948, aposta na probabilidade de esta ciência tentar encontrar, num futuro próximo, não um lugar da doença, mas alterações bioquímicas como a causas para certas enfermidades psiquiátricas. “(...) Há uma crença inabalável entre os seus seguidores (das escolas organicistas e psiquiátricas) que, com métodos mais avançados, algumas alterações bioquímicas serão descobertas como os fatores causais” (ALEXANDER, 1948, p. 25).

Já uma vertente psicológica defende que uma psicopatologia como a esquizofrenia deve ser causada por lesões emocionais crônicas, iniciadas numa infância primeira, em função da dinâmica familiar, como rejeições maternas ou paternas. Tais lesões atrasariam o desenvolvimento pessoal. Mas, para a Psicossomática, as controvérsias das duas escolas são um engano quanto ao entendimento da esquizofrenia e demais doenças.

Na perspectiva da Psicossomática, tanto as mudanças bioquímicas quanto os fatores emocionais seriam importantes para o desenvolvimento das doenças. Em pacientes esquizofrênicos, por exemplo, existiriam importantes alterações do metabolismo do carboidrato. Mas, por outro lado, é sabido que, através de experiências com animais, o funcionamento metabólico pode ser alterado por influências emocionais. Assim, a inter- relação entre mudanças bioquímicas e emocionais seriam um fator fundamental, sem dúvida, para a Psicossomática (ALEXANDER, 1948).

Tensões emocionais atuando no sistema nervoso influenciariam a química corporal, assim como mudanças químicas do corpo também acabariam por influenciar na vida emocional. Com tal reconhecimento dessas influências mútuas, da psique para o soma e do soma para a psique, a divisão entre os fatores orgânicos e emocionais tornam-se passado.

Isso porque, quando se fala sobre as emoções, a Psicossomática se refere aos processos físicos no cérebro, que podem ser estudados, ao mesmo tempo, psicologicamente. Tais processos cerebrais poderiam ser observados subjetivamente e comunicados ao mundo externo por intermédio da linguagem. Mas o corpo continua sendo um organismo para a vertente da Psicossomática?

Para Alexander (1948), o estudo da inter-relação bioquímica e psicológica estava apenas se iniciando, na década de 40, quando escreveu seu artigo sobre as tendências atuais e perspectivas futuras da Medicina Psicossomática. Num futuro próximo, acreditava Alexander, seria inevitável a grande tendência para a pesquisa e a terapia das doenças humanas a combinação das mudanças químico-físicas juntamente com as psicológicas. Como será visto adiante, em algumas linhas de Psicologias mais atuais, como a Neuropsicologia, Alexander visualizou de maneira bastante visionária a nossa época.

Mas seria a experiência corporal de Frederico um problema de inter-relação dos processos psicológicos nos processos fisiológicos? Onde estaria sua falha? Haveria alterações bioquímicas influenciando seu estado emocional? Ou ao contrário, sua melancolia poderia atrapalhar a produção de certas substâncias químicas em seu organismo? Mas ainda assim, de que modo a pele líquida seria possível? Qual componente químico estaria faltando? Ou qual trauma emocional infantil teria lhe ocorrido? Mas como o trauma emocional infantil poderia se reverter em pele líquida? Onde estaria o elo entre o físico e o psíquico? Seria um elo perdido, suposto, somente visualizado em termos teóricos?

Antes de discutir mais profundamente tais questões da Medicina Psicossomática, é importante descrever algumas dessas linhas atuais da Psicologia que se desenvolvem na mesma ideia de separação entre mente e corpo. Acreditando solucionar a dicotomia via

cérebro e mente, as correntes da Psicologia apresentadas a seguir ainda se apropriam do legado histórico de organismo indigente se individualizando por intermédio da mente num corpo animal, tanto no sentido de evolução animal quanto dos processos cerebrais ou físico-químicos. Posterior a essa apresentação, a base da Medicina Psicossomática voltará a ser discutida.