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CAPÍTULO IV: LIBERDADE DE CONSCIÊNCIA

4.5.5. Algumas considerações sobre as críticas gerais à objeção de consciência

É possível notar que nos casos apresentados, as decisões judiciais não tocam no aspecto relativo às violações ao princípio da igualdade, que podem decorrer da aceitação da objeção de consciência a toda e qualquer obrigação jurídica. Acredita-se aqui, que não perceber isso como um problema central da objeção de consciência é um erro, pois a norma interage diretamente com a questão da igualdade formal e da não-discriminação. Isso não quer dizer que a objeção de consciência não deva ser utilizada. O constituinte já ponderou o direito à liberdade de consciência e o direito à igualdade formal, e o resultado dessa ponderação foi o de aceitar que a liberdade de consciência, sob determinadas condições, pode importar na flexibilização de uma lei para algumas pessoas em troca do cumprimento de prestações alternativas.

64 Bem mais complicada, por envolver direito de liberdade reprodutiva e sexual da mulher é a questão da objeção de consciência ao aborto legal. Essa é uma hipótese de objeção de consciência prevista em leis e códigos de ética médica de alguns países que permitem o aborto, como a Argentina. Entendemos neste trabalho que o médico não pode ser obrigado à realização de aborto, contudo, deve indicar, no mínimo, que o paciente procure outro médico para fazê-lo. Isso porque, como defendido aqui, a objeção de consciência, para ser “justa”, deve sempre corresponder a uma obrigação alternativa, bem como não poderia aniquilar o direito da mulher grávida. Embora discorde de maneira mais geral da objeção de consciência, Marcelo Alegre faz algumas ponderações sobre o ponto em: ALEGRE, Marcelo. Opresión a conciencia. La objeción de conciencia em La esfera dela salud sexual y reproductiva in: ALEGRE, Marcelo (ET al). Derecho y sexualidades. Seminario em Latinoamérica de Teoria Constitucional y Política. Buenos Aires: Libraria, 2010.

A flexibilização do princípio da igualdade, contudo, pode apresentar alguns problemas para o Direito, como Dalmo Dallari já havia percebido sob a égide da Constituição de 196765. O primeiro problema é o de sujeitar o cumprimento da lei, que em tese possui aplicabilidade objetiva – a todos – a algo tão subjetivo como a consciência de cada um. Anota-se, porém, que a questão da subjetividade é inerente a todos os direitos morais individuais. A diferença da liberdade de consciência para as outras liberdades é a de que, pelo fato de aquela ser extremamente ampla, fica mais difícil estabelecer um consenso prévio sobre o que pode ser protegido por ela, muito difícil mesmo, sobretudo se a consciência não for religiosa. Daí este trabalho concluir que a objeção de consciência não pode ser analisada através de generalizações, mas tão somente a partir de determinados casos ou no máximo para determinados grupos.

Além disso, a objeção deverá basear-se em um pensamento estruturado, em uma “convicção”. Obviamente, esta convicção pode ser religiosa, filosófica ou política. Uma

Existem pessoas que, submetidas às mesmas obrigações, não sofrem nem um pouco por razões de consciência, que não sofrem de jeito nenhum, outras que sofrem muito. A Constituição prevê esse direito exatamente para proteger aqueles que encontram problemas de consciência e não conseguem suportar ir contra sua consciência, que estão “convictas” de alguma coisa, pessoas que não podem ser prejudicadas pelo fato de que as outras aguentam. Se fosse assim, quase todos os incisos do art. 5º da Constituição passariam a agregar a palavra “coletivo” ou “majoritário” aos direitos individuais, o que seria um contrassenso. E isso seria um retrocesso autoritário imensurável, comparável às decisões ditatoriais baseadas em “bem maior” ou na proteção da “ordem pública”. Estes direitos existem precisamente porque a maioria não pode oprimir a minoria.

O segundo problema, é a questão da prova da sinceridade da objeção. Não há como discordar de Dalmo Dallari de que efetivamente esse é um problema sério a ser enfrentado. No entanto, entendemos que não se trata de um problema exclusivo da objeção de consciência, mas que se encontra igualmente presente em qualquer espécie de dano moral. A verdade é que com certeza existirão casos em que claramente se vê que a consciência individual está sendo violada e, em outros casos, nem tanto. Isso é uma questão que influi mais em aspectos processuais probatórios do que na análise do direito em si.

65 DALLARI, Dalmo de Abreu. A objeção de consciência e a ordem jurídica in: Revista de Ciência Política, 2 (2): 36-55, abr./jun. 1968.

Parece, entretanto, ao nosso modo de ver, razoável concluir que, existindo a possibilidade de cumprimento de prestação alternativa de mesma complexidade, não haveria motivo algum para que alguém requeresse o cumprimento de prestação alternativa. E, além disso, se submetesse a um longo processo administrativo ou judicial por mero capricho. Como se sabe, má-fé não pode ser presumida; deve ser provada.

O terceiro “problema”, que é mais uma pressuposição do que um problema, segundo Dalmo Dallari, seria a inviabilidade do próprio Direito em razão da objeção de consciência. A UFRGS sugere, de maneira semelhante, que a objeção de consciência poderia levar à inviabilidade do curso de biologia. Sobre este problema de matrizes “apocalípticas”, vale ressaltar, primeiramente, que este argumento não pode ser verificado empiricamente, não indo além do plano da retórica.

Como bem ressalta Dworkin, no tocante ao recrutamento militar e à desobediência: a sociedade “não pode manter-se” se tolerar toda e qualquer desobediência; daí não se segue, contudo, que ela irá desmoronar se tolerar alguma desobediência, e nem há provas disso.66

Embora o autor reconheça que tais proposições representem considerações morais sérias, elas

contém um pressuposto oculto que o torna quase totalmente irrelevante para os casos de recrutamento e, de fato, para qualquer caso grave de desobediência civil nos Estados Unidos.67

Além disso, considerações como as de desmoronamento social ou do Direito, pelo mero exercício da objeção de consciência, demonstram inequivocamente, uma posição de aceitação de toda e qualquer lei como válida, o que pode não ser verdade. A este fato, Dworkin chama a atenção para o fato de que

A Constituição torna nossa moral política convencional relevante para a questão da validade. Qualquer lei que pareça comprometer essa

66 DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. São Paulo, SP: Martins Fontes, 2002, p. 316. 67 DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. São Paulo, SP: Martins Fontes, 2002, p. 318.

moral, levanta questões constitucionais, e se esse comprometimento for grave, as dúvidas constitucionais também serão graves.68

Daí a nossa conclusão de que, considerando que a objeção de consciência fosse requerida por tantas pessoas a ponto de inviabilizar o Direito, isso apenas revelaria um problema de legitimidade69 quanto às obrigações instituídas pela lei ou pelas normas jurídicas. A solução, não seria, ao contrário do que parece crer Dalmo Dallari, que as pessoas continuassem a elas obrigadas, mas sim, de reajuste democrático, entre a lei e os entendimentos morais da sociedade, enquanto intérpretes e destinatárias da Constituição.

4.5.6. Convicções protegidas pela objeção de consciência: direitos dos animais, dignidade

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