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Algumas considerações sobre ​Tutameia.

Tutameia foi o último livro publicado em vida por Guimarães Rosa, em 1967. Esse livro, relativamente pouco estudado em relação a outros do autor, possui quarenta contos e quatro prefácios. Os prefácios são: ​Aletria e hermenêutica, Hipotrélico, Nós, os tumulentos e ​Sobre a escova e a dúvida. Os contos, em sua maioria, estão dispostos no livro em ordem alfabética, com exceção de três deles. Discutimos sobre a ordem dos contos, brevemente, mais adiante.

Paulo Rónai, em março de 1968, publicou no jornal ​O Estado de São Paulo um

pequeno ensaio chamado ​Os prefácios de Tutameia . Logo no início, o crítico chama a 35 atenção para o significado de Tutameia: “tuta-e-meia definida por Mestre Aurélio como “ninharia, quase nada, preço vil, pouco dinheiro” (RÓNAI, 2009, p. 15, grifos do autor). O próprio autor, em glossário contido no último prefácio, ​Sobre a escova e a dúvida​,

define tutameia como “nonada, baga, ninha, inânias, ossos-de-borboleta, quiquiriqui, tuta-e-meia, mexinflório, chorumela, nica, quase-nada; ​mea omnia​” (ROSA, 2009, p. 233).

Há um jogo lúdico, no próprio título do livro, em que o escritor mineiro parece dar a entender que o livro poderia ter um menor significado dentro de sua obra, porém Rónai (2009, p. 15) afirma que o próprio escritor

dava a maior importância para este livro, surgido em seu espírito como um todo perfeito não obstante o que os contos necessariamente tivessem de fragmentário. Entre estes havia inter-relações as mais substanciais, as palavras todas eram medidas e pesadas, postas no seu exato lugar, não se podendo suprimir ou alterar mais de duas ou três em todo o livro sem desequilibrar o conjunto.

Dada a importância de compreendermos que os contos compõem um conjunto, conforme Novis (1989) chama a atenção, é importante atentar ao fato de que o livro possui um sumário, em que há uma epígrafe bipartida de Schopenhauer. Na primeira

35​Para este trabalho, estamos utilizando a versão contida na edição de ​Tutameia​, da editora Nova

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parte da epígrafe , o filósofo alemão afirma que devemos ter paciência na primeira36 leitura, tendo a certeza que em uma segunda leitura, poder-se-á compreender o que foi lido de uma outra maneira. Neste sumário, ainda não dá pra saber que ​Aletria e hermenêutica, Hipotrélico, Nós, os tumulentos e ​Sobre a escova e a dúvida ​são

prefácios, pois estão dispostos em ordem alfabética juntamente com os contos. A única diferença é que os títulos, assim como os textos, estão grafados em itálico, enquanto os contos e seus títulos estão grafados em letras redondas. Ao chegar ao final do livro, tendo passado por todos os contos, encontramos um índice de releitura, na qual a epígrafe de Schopenhauer se completa , em que afirma que para uma construção37 orgânica de um conjunto é necessária a releitura. Neste índice, observamos que os quatro prefácios aparecem nomeados como tal e na em sequência, sugerindo que a releitura deve se iniciar por eles, e depois os contos, novamente em ordem alfabética, com exceção de três: ​João Porém, o criador de perus​, seguindo a sequência alfabética após o conto ​Intruge-se​, seguido por ​Grande Gedeão ​e ​Reminisção​. Logos após este

último, a ordem alfabética é retomada com ​Lá nas Campinas​.

Conforme observa Andrade (2003), os três contos em que fogem da ordem alfabética formam a sigla JGR, remetendo-nos ao nome do próprio escritor, João Guimarães Rosa, e as iniciais dos prefácios formam o nome Hans, que seria o equivalente ao prenome do escritor em alemão.

De acordo com Vera Novis, em seu livro​Tutaméia: Arte e Engenho​, resultado

de sua tese de doutorado, publicado em 1989, essa sequência alfabética “sugere o “estado de dicionário” dos contos à espera do leitor que venha animá-lo”, além de um espírito “enciclopédico, a globalização” (NOVIS, 1989, p. 112). Esta sequência alfabética, que indica uma sequência lógico-temporal e impessoalidade, segundo a pesquisadora, é o máximo contraponto à personalização, que parece existir, como podemos notar nas observações feitas por Andrade (2003).

36 A primeira parte da epígrafe é a seguinte: “Daí, pois, como já se disse, exigir a primeira leitura

paciência, fundada em certeza de que, na segunda, muita coisa, ou tudo, se entenderá sob luz inteiramente outra” (ROSA, 2009, p. 5).

37​A epígrafe continua da seguinte maneira: “Já a construção, orgânica e não emendada, do conjunto, terá

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Para Novis (1989), um dos fatores que explicaria o pouco interesse por estudiosos do autor por esse livro é porque ele é, à primeira vista, “desconcertante” . 38 Segundo ela,

De um modo que o conjunto parece desigual, uma colcha de retalhos sem a preocupação com a harmonia das cores. Além disso, a estranheza de quatro prefácios num só volume, o humor (excessivo para alguns) dominante nesses prefácios, a existência de dois títulos que têm a sua posição invertida no final do livro, de dois índices, de um glossário que arrola palavras não utilizadas no texto, tudo isso desconcerta e confunde o leitor (NOVIS, 1989, p. 22-23).

A pesquisadora afirma que para que seja possível compreendermos a leitura de

Tutameia​, é necessário que sigamos as pistas dadas pelo escritor, como um jogo. As pistas, que estão dadas na epígrafe de Schopenhauer, indicam que é necessário haver a paciência para se ler e reler os contos, para que façam sentido. A partir deste método, afirma a estudiosa, é que foi possível estabelecer a forte relação que as narrativas apresentam, e que esta foi a indicação para que ela levantasse a hipótese de que o livro “poderia ser lido como um conjunto, e os contos, como fragmentos desse conjunto” (NOVIS, 1989, p. 23).

Ainda de acordo com a estudiosa, as narrativas possuem núcleos temáticos: “as estórias de amor, as estórias de ciganos, as estórias do vaqueiro Ladislau, as estórias de cunho metalinguístico, as estórias sobre aprendizagem” (NOVIS, 1989, p. 25). O núcleo temático do vaqueiro Ladislau, que se entrelaça com o núcleo cigano, está presente na sequência dos contos JGR, ​João Porém, o criador de perus​, ​Grande Gedeão ​e Reminisção​. Para a pesquisadora, a personagem Ladislau pode ser considerado como​alter ego ​do autor” devido a alguns dados textuais, presentes nestes contos e alguns39 outros, e alguns depoimentos sobre o autor.

Para encerrar esta breve apresentação do livro ​Tutaméia​, gostaríamos de observar que Novis (1989) afirma que seu estudo é sobre o tema da aprendizagem, que ela acredita ser o tema central do livro. Embora ​Desenredo seja uma narrativa que

consideramos pertencer às estórias de amor, acreditamos, também, que seja um conto importante para tentar entender como a aprendizagem do protagonista Jó Joaquim,

38​Ibid., p. 22 39 Ibid., p. 24

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seguindo a (re)leitura feita pela estudiosa, é importante para a nossa análise na medida em que a aprendizagem está relacionada à “caminhada dos personagens em direção a outra metade, ao outro, à iluminação, ao seu completamento” . Jó Joaquim parece 40 caminhar, no sertão rosiano, nesta narrativa um pouco mais impreciso, com poucas marcas que nos mostram o sistema jagunço, em busca do seu amor, Livíria, Rivília ou Irlívia - e no fim, Vilíria, e a aprendizagem parece acontecer quando ele entende que sem ela, a mulher que ama, não é possível ser feliz. A partir daí, para viver seu amor, ele desenreda os acontecimentos anteriores, criando uma nova narração, uma nova história, que permitirá que ele viva ao lado da amada.

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