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2.1 OS BASTIDORES

2.1.4 Os conceitos

2.1.4.2 Algumas contribuições da Sociologia

Para introduzir esse enfoque as três concepções de identidade apresentadas por Hall (1999, p. 10), guiam-nos nessa exploração. O autor apresenta três possibilidades de se conceber a identidade do ponto de vista sociológico: a do sujeito do iluminismo, do sujeito sociológico e do sujeito pós-moderno.

O sujeito do Iluminismo tinha por centro a pessoa humana. Essa nascia com um núcleo interior que se desenvolvia continuamente, porém mantendo sua essência. Esse núcleo/essência consistia a identidade da pessoa.

Para o sujeito sociológico, esse núcleo não era autônomo nem auto- suficiente, pois era formado na interação entre o eu e a sociedade, ou seja, o eu interior é constantemente modificado pelas relações. Esse sujeito capta e internaliza as identidades e valores culturais e ressignifica-os de forma que se tornam parte de seu eu.

A partir do momento em que a sociedade começa a passar por um processo de mudanças vertiginosas, nas quais as identidades sociais e culturais fragmentam- se e reagrupam-se constantemente, o sujeito sociológico dá origem ao sujeito pós- moderno. Esse, por sua vez, é caracterizado por não possuir uma identidade fixa, assumindo identidades diferentes em momentos e contextos diferentes, ou seja, o

sujeito pós-moderno não possui um centro, um núcleo de identidade que o acompanhará por toda a vida. Sua identidade será definida, historicamente, em função do tempo e dos espaços ocupados.

Essa transformação foi se dando, segundo Hall (1999), ao longo da história moderna, a qual libertou o sujeito das estruturas do passado. Essa mudança teve a contribuição de estudiosos de muitas áreas de conhecimento, entre elas a filosofia de Descartes (1596-1650), separando mente e matéria, sendo que no centro da “mente” colocou o sujeito, a Biologia através da teoria evolucionista de Darwin e a Psicologia com os estudos dos processos mentais. Por fim, a Sociologia que numa concepção dialógica estuda os impactos sociais da internalização do externo e da externalização do interno realizado pelo indivíduo.

Hall (1999, p. 34) sustenta ainda que as identidades modernas estão fragmentadas devido a todo um deslocamento de certezas promovido, segundo ele, por “uma série de rupturas do conhecimento moderno”, entre elas:

- releitura da teoria marxista. Afirmam os novos intérpretes que Marx colocou as relações sociais e não uma noção abstrata de homem no centro de seu sistema teórico (p. 35);

- descoberta do inconsciente por Freud: para ele identidade, sexualidade e desejos são formados por processos psíquicos e simbólicos do inconsciente portanto, descarta a possibilidade de uma identidade fixa e unificada. Lacan, baseado em Freud, propõe que a imagem do eu é aprendida na relação com os outros, sendo a identidade unificada apenas uma fantasia que construímos na fase do espelho (p. 38);

- a linguística estrutural de Saussure: essa teoria vem para afirmar que não somos nós ou autores de nossas afirmações, que a língua, portanto, “é um sistema social e não um sistema individual” (p. 40);

- a quarta ruptura se dá por meio da teoria de Foucault a qual apresenta um novo tipo de poder: “poder disciplinador”, que tem por objetivo regular e vigiar a espécie humana como um todo ao indivíduo e seu corpo especificamente de forma que “quanto mais coletiva e organizadas se tornam as instituições, maior o isolamento, a vigilância e a individualização do sujeito individual” (p. 43);

- o feminismo é apresentado como a quinta ruptura do conhecimento moderno. Esse movimento que, inicialmente, era dirigido para a

discussão da posição social das mulheres, acabou gerando o debate teórico sobre a formação de identidades sexuais e de gênero.

A fragmentação das identidades gera o que chamamos de “crise de identidade”. Parece que não se pode mais responder ao clássico questionamento filosófico: quem eu sou? Isso se deve, em grande parte, ao processo de globalização, segundo Woodward (2000, p. 20), “a globalização envolve uma interação entre fatores econômicos e culturais, causando mudanças nos padrões de produção e consumo, as quais, por sua vez, produzem identidades novas e globalizadas”.

Essas identidades globalizadas são representadas pela homogeneidade, pelo idêntico, igual. Não somos mais seres únicos. O mundo todo veste a mesma griffe, toma o mesmo refrigerante, faz o mesmo corte de cabelo, enfim, formamos uma tribo de iguais. Partindo do pressuposto que a identidade é marcada pela diferença, a percepção dessa homogeneização torna-se a geradora das crises individuais e coletivas de identidade.

A crise, segundo essa autora (p. 21) leva à resistência, o que pode fortalecer algumas identidades nacionais e locais ou ao surgimento de novas posições de identidade.

Por outro lado, Bauman (2005, p. 35), afirma que na sociedade pós-moderna o indivíduo que se caracteriza por “estar fixo – ser identificado de modo inflexível e sem alternativa, é cada vez mais malvisto”. Para ele, identificar-se com significa dar abrigo a um destino desconhecido que não se pode influenciar, muito menos controlar. Ele compara as identidades atuais como mantos que podem ser despidos a qualquer momento (p. 37).

Bauman também responsabiliza a globalização pela crise de identidade. Segundo ele a globalização, transforma os indivíduos ao mesmo tempo em clientes e mercadoria. Vivemos num mundo de ansiedade consumindo, sendo consumidos e descartados freneticamente, de forma que muitos (os que não conseguem participar dessa relação de consumo) sejam transformados no chamado “lixo humano”, ou seja, “aqueles que têm negado o direito de reivindicar uma identidade distinta” (2005, p.66). São eles, os mendigos, os drogados, os sem-teto e tantos outros.

Esse autor diz ainda que (p. 35) “as identidades ganharam livre curso, e agora cabe a cada indivíduo, homem ou mulher, capturá-las em pleno voo, usando

os seus próprios recursos e ferramentas”. Ele compara a construção da identidade ao processo de montar um quebra-cabeça, só que diferente dos quebra-cabeças comuns, não temos o desenho do todo para guiarmos. Segundo o autor, (p. 54-55):

Você precisa começar de uma série de peças que já tem para fazer escolhas e encaixes variados. Seu problema é que você não chegará a um ponto estabelecido. A questão é quantos pontos você alcançará com o que possui e quais deles merecem esforços para serem alcançados.