• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO I. CONTEXTO E PROBLEMÁTICAS A ABORDAR

1.2 ENQUADRAMENTO TEÓRICO

1.2.2. ALGUMAS NOÇÕES BÁSICAS

Face ao tema em análise, importa mencionar um conjunto de conceitos que foram desenvolvidos a nível internacional, europeu e nacional.

Em primeiro lugar, há que referir o conceito de discriminação, que se traduz em qualquer distinção, exclusão ou restrição baseada em qualquer fator distintivo (raça, religião, deficiência, origem nacional ou étnica, género, idade, etc.) que tenha o propósito ou o efeito de anular ou prejudicar o reconhecimento, gozo ou exercício em pé de igualdade de qualquer direito ou liberdade nos campos político, económico, social, cultural ou em qualquer outro domínio da vida pública28.

A discriminação pode ser direta ou indireta, tendo a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia muito contribuído para o apuramento dos conceitos em causa, em especial no campo da igualdade de género.

O CT (art. 23º, n.º 1, al. a)) considera existir discriminação direta “sempre que, em razão de um fator de discriminação, uma pessoa seja sujeita a tratamento menos favorável do que aquele que é, tenha sido ou venha a ser dado a outra pessoa em situação comparável”. No caso especifico da discriminação em função do género, a discriminação direta consiste numa desigualdade de tratamento entre homens e mulheres apenas em função do género ou de situações exclusivas do género feminino, como a gravidez ou a maternidade. A situação mais comum de discriminação direta é a desigualdade remuneratória injustificada entre homens e mulheres.

Foi o conceito de discriminação indireta que mais evoluiu, através da jurisprudência do TJUE, acolhida em diretivas europeias posteriormente transpostas para os direitos nacionais.

Existe discriminação indireta (art. 23º, n.º 1, al b)) “sempre que uma disposição, critério ou prática aparentemente neutro seja suscetível de colocar uma pessoa, por motivo de um fator de discriminação, numa posição de desvantagem comparativamente com outras, a não ser que essa

27

A Portaria n.º 426/2006, de 2 de Maio, criou o Programa de Alargamento da Rede de Equipamentos Sociais (PARES), a fim de apoiar o desenvolvimento e consolidar a rede de equipamentos sociais.

O Despacho n.º 12591/2006, de 6 de junho, determinou que os estabelecimentos de educação pré-escolar do 1º ciclo do ensino básico se mantenham obrigatoriamente abertos, pelo menos, até às 17,30h e, no mínimo, por oito horas diárias.

No IV Plano Nacional para a Igualdade - Género, Cidadania e Não Discriminação, 2011-2013, aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 5/2011, de 18 de janeiro, foi consagrado o objetivo de “promover a conciliação entre a vida profissional, familiar e pessoal para mulheres e homens”, responsabilidade a ser desenvolvida de forma tripartida, pelo Estado, Sindicatos e entidades patronais de modo individual, ou através da concertação social.

28

Adaptação da definição constante do art. 1º da Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial de 1966.

27

disposição, critério ou prática seja objetivamente justificado por um fim legítimo e que os meios para o alcançar sejam adequados e necessários”.

Assim, em termos de igualdade de género, a discriminação indireta consiste numa desigualdade de tratamento entre homens e mulheres em situações em que uma disposição, critério ou prática aparentemente neutros, coloque os indivíduos de um determinado género numa situação de desvantagem comparativamente com os indivíduos do outro género. A legislação proíbe tais situações exceto se as mesmas se justificarem por objetivos alheios a toda e qualquer discriminação em razão do género.

Exemplos de situações de discriminação indireta são a noção de chefe de família ou de principal fonte de rendimento, pagamento das horas extraordinárias dos trabalhadores a tempo parcial em valores inferiores aos praticados para os trabalhadores a tempo inteiro, entre outros. O critério mais utilizado para exemplificar situações de discriminação indireta tem sido o TTP que, por ser maioritariamente exercido por mulheres, qualquer disposição, critério ou prática que afete os trabalhadores a tempo parcial é suscetível de afetar um número muito maior de mulheres que homens, podendo assim ser discriminatório, exceto caso se justifique por motivos objetivos, independentes do género.

Dada a natureza económica do princípio da igualdade no Tratado de Roma, a remuneração tem sido um conceito indissociável do princípio da igualdade e da não discriminação ao nível da jurisprudência europeia. A igualdade remuneratória foi o tema mais debatido perante o Tribunal de Justiça da União Europeia, o que levou também ao apuramento dos conceitos de trabalho igual (aquele em que as funções desempenhadas ao serviço do mesmo empregador são iguais ou objetivamente semelhantes em natureza, qualidade e quantidade29) e trabalho de valor igual (aquele em que as funções desempenhadas ao serviço do mesmo empregador são equivalentes, atendendo nomeadamente à qualificação ou experiência exigida, às responsabilidades atribuídas, ao esforço físico e psíquico e às condições em que o trabalho é efetuado30). TJUE tem um entendimento lato de remuneração, abarcando todos os pagamentos diretos ou indiretos, presentes ou futuros, pagos pela entidade patronal, em razão da prestação de trabalho.

Um dos meios de combate a práticas discriminatórias são as medidas de ação positiva, que consistem em práticas em si mesmas discriminatórias, mas em modo inverso, isto é, medidas que visam favorecer o grupo normalmente prejudicado pelas práticas discriminatórias. O art. 27º do CT define medida de ação positiva como discriminação” a medida legislativa de duração limitada que beneficia certo grupo, desfavorecido em função de fator de discriminação, com o objetivo de garantir o exercício, em condições de igualdade, dos direitos previstos na lei ou corrigir situação de desigualdade que persista na vida social”, o que não considera como discriminação.

O fenómeno de discriminação fundada no género tem na sua base os estereótipos de género, perceções sociais associadas à pertença a um género e à diferenciação sexual, isto é, as representações generalizadas e socialmente aceites sobre as características e os papéis típicos desempenhados por homens mulheres na sociedade. O homem é ainda visto como o ser humano

29

Art. 23º., al. c) CT)

30

28

padrão, o ser humano universal, desvalorizando-se o seu papel reprodutor, e a mulher como o ser humano específico, decorrente da sua função reprodutora, desvalorizando-se a sua identificação como ser humano universal, sendo-lhe atribuído um valor social “diferente”. (Rêgo, 2010)

As mulheres são vistas como submissas, passivas, domésticas, dependentes, emocionalmente instáveis e fisicamente frágeis, enquanto os homens são vistos como aguerridos, dinâmicos, imaginativos, competitivos, racionais, fisicamente fortes, e estáveis. Destas perceções nascem papéis a desempenhar de acordo com o género, que a sociedade impõe ao “formatar” homens e mulheres desde a tenra infância, perpetuando os estereótipos.

Estas perceções originam uma segregação horizontal, vertical e transversal das mulheres no mercado de trabalho. Verifica-se uma segregação horizontal (ou sectorial) decorrente da concentração dos empregos femininos em determinados sectores de atividade e profissões (saúde e ação social, educação, administração publica e comércio), vistas como mais “femininas”. A segregação vertical, também designada de “teto de vidro”, traduz-se em barreiras invisíveis, decorrentes de preconceitos e regras organizacionais percebidas como neutras, mas que acabam por afetar de forma diferenciada as mulheres, fazendo com que estas, apesar de muitas vezes mais qualificadas do que os homens, ocupem menos posições de chefia que estes e tenham presença minoritária nas hierarquias de topo das diversas organizações onde exercem atividade. A segregação transversal, verifica-se por, independentemente do sector de atividade, as mulheres estarem sobre representadas em geral nas modalidades mais precárias de emprego, as taxas de desemprego feminino serem superiores às do masculino e manter-se uma desigualdade salarial muito significativa. Verifica-se também uma tendência para as mulheres trabalharem, em maior proporção, em empresas de menor dimensão e de rentabilidade mais reduzida.