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CATÃO, O ANTIGO: MODELO CICERONIANO DE AÇÃO POLÍTICA

3.2 ALGUNS ASPECTOS DA OBRA

3.2.1 Datação

A correspondência com Tito Pompônio Ático, datada de 44 a.C., é anterior à morte de César. O próprio Marco Túlio Cícero a mencionou várias vezes ao curso deste mesmo ano, no primeiro livro de De Officis e no Laelius (LAURAND, 1925, p. 60).

No dia 11 de maio de 44 a.C. Cícero escreveu a Ático: “Devo ler e reler o

Cato Maior que lhe enviei porque a velhice me irrita” (“Caton l’Ancien / De La Vieillesse”,

2002, p. 09). Tal afirmação já podia ser lida numa redação mais antiga de 3 de maio em que cita o exemplo de Nestor, que foi desenvolvido mais longamente no “Catão: O Antigo / A Velhice”.

Além disso, a decepção que Cícero experimentou no início de abril, depois de seu entusiasmo no momento da morte de César, não o impediu de escrever em 26 de abril que os idos de março lhe deixaram uma grande consolação.

peso da velhice e, assim procedendo, lograr a sua própria aceitação da velhice. Um ano antes de morrer, Ático publicou sua valiosíssima correspondência com Cícero. Segundo Paratore com essas cartas descobriu-se “um Cícero que se mostrava dado a todos os expedientes mesquinhos da política de corredor, maldizente, vaidoso e não insensível às comodidades e aos lucros, e isso constituiu para ele uma desilusão amaríssima”(1983, p. 198).

3.2.2 O Destinatário

Cícero teve várias razões para dedicar sua obra a Tito Pompônio Ático. Este não era somente um amigo de sempre, mas compartilhavam um grau de parentesco. Quinto Cícero, único irmão do orador era casado com Pompônia, irmã de Ático. A essa amizade devemos uma coleção de dezesseis livros de cartas. Ático havia composto um Liber Annalis no qual Cícero encontrou a maior parte das indicações históricas e cronológicas acumuladas no “Catão: O Antigo ou A Velhice”.

Se Cícero e Ático comungavam de uma total intimidade, não podemos dizer o mesmo sobre a orientação filosófica de cada um.

Cícero seguia os princípios estóicos e estes ideais podem ser percebidos em tudo que escreveu, enquanto Ático apreciava o epicurismo. Para Paratore (1983), foi seu temperamento que o levou a apreciar e a seguir as máximas da filosofia epicurista. Até na hora da morte, Ático seguiu os conselhos de Epicuro, que admitia o suicídio no caso das dores impedir o gozo do prazer.

Neste sentido, em 32 a.C., aos 77 anos morreu de inanição por não suportar as dores da doença que lhe tomava conta.

A obra “Catão: O Antigo ou A Velhice” se apresenta como um conjunto de reflexões sobre a velhice.

Cícero escreve e dedica esse escrito ao amigo Ático. Eles têm a mesma idade, compartilham da mesma insegurança diante do envelhecimento e procuram orientação nos exemplos deixados por Catão, o Censor. Ao enaltecer Catão, Cícero encontra um caminho para enfrentar a velhice, celebrando, inclusive, seus méritos,

Com efeito, gostaria que fôssemos aliviados, tu e eu, desse fardo que já nos pesa ou - fatalmente - nos pesará. Um fardo que suportas e suportarás, como sabes tudo suportar, com paciência e razão. Mas isso não poderia te impedir de ser o objeto da dedicatória desta obra sobre a velhice que eu tinha vontade de escrever. Ela será útil a nós dois 32 (CÍCERO, “Caton l’Ancien / De La Vieillesse”,I, 2, 2002, p. 83).

Aos 83 anos, Catão não se lamentava. Ao contrário, portava-se como um advogado defensor da velhice, e se colocava como modelo para os auditores de Cícero, Lélio e Cipião.

Atribuí as palavras que ele [o livro] anuncia... a Marco Catão. Para dar mais peso a minha exposição coloquei frente a ele Lélio e Cipião, maravilhados diante de sua capacidade em suportar a velhice. É portanto a eles, que Catão responde33 (CÍCERO, “Caton l’Ancien / De La Vieillesse”,I, 2, 2002, p. 83).

Os questionamentos feitos por Cipião encontram-se no “Preâmbulo” da obra de Cícero. Ele demonstra sua admiração pela sabedoria que está onipresente nas atitudes de Catão, principalmente por jamais caracterizar a velhice como penosa, embora para a maioria, ela fosse mais pesada de suportar do que o Etna! Eis os argumentos de Catão,

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“En effet, de ce fardeau que la viellesse nous impose à tous deux em commun par son attaque ou du moins son approche, je veux que tu sois soulagé ainsi que mi-même. El est vrai que toi, tu le supportes et le suppoteras avec mesure et sagesse, comme toutes les choses, j’em suis sûr”(CÍCERO, “Caton l’Ancien / De La Vieillesse”,I, 2, 2002, p. 83).

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“... le livre que nous t’adressons ici est consacré à la viellesse (...) mas à Caton age, por donner plus de poids aux paroles; prés de lui, nous plaçons Lélius et Scipion, ceux-ci l’admirent de supporte si facilement la vieillesse” (CÍCERO, “Caton l’Ancien / De La Vieillesse”,I, 2, 2002, p. 83).

Por certo, os que não obtém dentro de si os recursos necessários para viver na felicidade acharão penosas todas as idades da vida. Mas todo aquele que sabe tirar de si próprio o essencial não poderia julgar ruins às necessidades da natureza. E a velhice, seguramente, faz parte delas! Todos os homens desejam alcançá-la, mas, ao envelhecerem, se lamentam. Eis aí a inconseqüência da estupidez! Queixam-se de que ela chegue mais furtivamente do que esperavam. Quem os forçou a se enganar assim? E por qual prodígio a velhice sucederia mais depressa à adolescência do que esta última sucede a infância? Enfim, por que a velhice seria menos penosa para quem vive oitocentos anos do que para quem se contenta com oitenta? Vós que costumais admirar minha sabedoria, reparai que somos sábios se seguimos a natureza como um deus, curvando-nos às suas coerções. Ela é o melhor dos guias. (...) Simplesmente era preciso que houvesse um último estágio, onde, que à imagem das bagas e dos frutos, a vida, espontaneamente, chegada a sua hora, murchasse e caísse por terra. A tudo isso o sábio deve suportar com doçura34 (CÍCERO, “Caton l’Ancien / De La Vieillesse”, II, 4, 2002, p. 84-85).

As palavras de Catão resumem o ideal do sábio, já caracterizado no pensamento estóico, compartilhado por Cícero. Relembramos o primeiro mandamento do estoicismo, “viver bem é viver de acordo com a natureza”. A velhice é parte do movimento natural e ao sábio cabe reconhecer tal verdade e aprender com cada estágio de sua vida.