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CAPÍTULO III - A SÉRIE CÉSIO 137 E O ACIDENTE RADIOTIVO EM GOIÂNIA,

3.2 Alguns aspectos da Série Césio 137

lembranças e feridas traumatizantes, em oposição aos quais não querem que essas permaneçam vivas, que caíam no esquecimento por meio de um silêncio sobre o passado, como os setores negligentes da sociedade que contribuíram, com sua omissão e descompromisso, para que o fato ocorresse, a exemplo os órgãos oficiais do Estado (POLLAK, 1989).

Isso também pode ser considerado quando percebemos no ensino de Arte a preocupação em analisar, refletir e preservar os “lugares de memória”, que podem ser pictóricos ou de tantas outras possibilidades visuais, assim como os monumentos e patrimônios, os quais constituem a identidade social.

Perante o que foi apresentado, a perspectiva desta pesquisa contribui para reflexões e discussões acerca desse diálogo interdisciplinar entre Arte e História, no contexto educacional, e, em específico, no uso das produções artísticas como fontes que contribuem para a construção do conhecimento histórico. Com isso, construímos, ao longo e a partir desta dissertação, um material pedagógico, para ser utilizado no Ensino Médio, numa abordagem interdisciplinar entre História e Arte.

A Série Césio 137, de Siron Franco, é o documento artístico e histórico central deste material, que abordará aspectos de tais representações como, por exemplo, breves históricos acerca do acidente radioativo em Goiânia em 1987, bem como a trajetória do artista e seu posicionamento social-cultural-político por meio da linguagem artística e dos valores simbólicos. Assim, esse material poderá auxiliar em abordagens do fato mencionado a partir da contextualização das imagens, através da leitura e decodificação de seus símbolos, implementando práticas metodológicas e propostas do ensino de Arte, em diálogo com as investigações e as interpretações dos documentos históricos.

cobrar posicionamentos políticos. E, ainda: “Na série Césio, o artista reviu toda a sua abordagem da arte, abordando várias técnicas e preocupações que caracterizavam suas produções anteriores” (BARREIRO; BLANCO, 1998, p.13).

O artista, que procurava em suas produções discutir questões políticas, por meio de desenhos e intervenções urbanas, engajado em questões sociais e ambientais, como mostram suas produções, naquele momento encontrava-se presente e submerso no pânico e no pesadelo que Goiânia vivia. Esse contexto marcou Siron Franco, instigando seu lado ativista. Assim, os caminhos desta pesquisa abrem portas para acessar as produções deste artista que, influenciado pelo contexto do acidente radioativo, produziu um conjunto expressivo de trabalhos, em 1987 e mesmo posteriormente, composto por desenhos em papel Fabriano e tinta guache, pinturas em tela usando terra e tinta automotiva como material pictórico. Desse modo, Siron Franco logo após o acidente criou um conjunto de 147 imagens, intitulado Série Césio 137, composta por 32 pinturas e 115 desenhos, dos quais nem todos foram expostos.

Além de tais imagens, como já mencionado, foram produzidas oito esculturas em concreto e, posteriormente, instalações e objetos com 13 camas de ferro, com colchões de concreto, resinas, chumbo e metais.

Sobre sua relação próxima com o fato e o lugar, o jornal O Popular, no dia 23 de outubro de 1987, divulgou a seguinte entrevista, intitulada “Siron Franco: No rastro do Césio”.

Siron “decidiu expressar sua visão do ocorrido”, preparando uma exposição que acontecerá a partir do próximo dia 3, na Galeria Montessanti, em São Paulo, com o título, Goiânia – Rua 57. - Porque a Rua 57? O que eu quero mostrar? Acontece o seguinte: eu morei ali 22 anos, no Bairro Popular. Eu conheço cada pessoa dali, cada pessoa daquele bairro... conhecia, pelo menos, porque muitos morreram ou mudaram. Não existe uma razão descritiva, existe uma razão emocional. E ao mesmo tempo é um acontecimento contemporâneo mais forte depois de Chernobyl, que aconteceu numa parte da terra [...] A Rua 57 hoje passa a ser um universo, você pode imaginar tudo ali, ela não é mais uma rua, é um ponto do globo terrestre onde houve um acidente. É um símbolo, uma quase amostra grátis do que ainda pode vir acontecer (CHAVES, 1998, p.205-206, grifos do autor).

Entre tantas imagens produzidas por Siron Franco, que constituem a Série Césio 137, a escolha de algumas delas para análise e leitura neste trabalho, como O mapa e Rua 57, podem direcionar para questões e consequências do desastre radioativo para a cidade, uma vez que casas, ruas e árvores atingidas por seus vestígios nucleares foram representados pelo artista possibilitando reflexões acerca dos espaços, da natureza e tudo aquilo ao redor. Da mesma

maneira, seguem Primeira vítima e 2ª vítima, que atendem e abordam diferentes aspectos relacionados ao acidente, como, por exemplo, as representações das pessoas afetadas, que sinalizam para origem do acidente e suas consequências fatais, bem como para a riqueza pictórica relacionada ao tipo de material explorado pelo artista, somados aos elementos formais de tais bens, como as linhas, cores e formas, criando um campo inesgotável de interpretações e discussões.

É importante esclarecer que as reflexões levantadas e abordadas, a partir das imagens escolhidas e analisadas, não têm o objetivo de homogeneizar as possíveis interpretações dessas representações, muito ao contrário, o intuito é aguçar, ainda mais, a curiosidade e o leque de possibilidades do método de interpretação das fontes imagéticas.

A Série Césio 137 é considerada um registro das trilhas próprias seguidas por Siron Franco ao produzir suas representações sem se filiar às escolas e nem a movimentos artísticos coletivos. Ao se observar o material usado pelo artista, percebem-se suas intenções relacionadas ao tema abordado e uma direção rumo às características artísticas que o insere no cenário das artes contemporâneas.

A série Rua 57 é um reconhecido trabalho de Siron que refere-se a um drama da História dos goianos e faz parte da História de Goiás, pois foi realizada na época do acidente com o Césio 137, acidente que impactou todo o Brasil e teve repercussão mundial. O título da série refere-se à rua localizada no Setor Aeroporto, Goiânia, endereço do ferro velho onde a capsula de Césio 137 começou a ser desmontada. Estava num recipiente de chumbo que foi encontrado por catadores numa clínica abandonada e vendido ao dono do referido ferro velho. O brilho azulado da substância radioativa, encontrada na forma de pó fascinou as pessoas que o pegavam e o passavam pelo corpo, consequências fatais. Iniciou-se então um enorme processo de contaminação de pessoas, objetos, enfim tudo na área (COELHO, 2014, p.16).

Ainda, de acordo com Coelho (2014), refletindo sobre Siron Franco e a produção da Série Césio 137,

O artista alude a este brilho nas citadas obras. Dentro de sua prática de reportagem e denúncia social, trouxe o doloroso episódio à arte. Compõe-se esta série de vários desenhos em têmpera vinílica sobre papel Fabriano 360, com representações simbólicas relativas à arquitetura do local, animais, objetos, pessoas, radiação e morte. É composta a série por uma grande pintura. Nesta, fez questão de incorporar matéria oriunda de Goiânia (vestido e terra), diante da discriminação que os turistas goianos sofreram, à época, em todo o Brasil não sendo atendidos quando identificados como provenientes de Goiânia, em restaurantes, lojas e demais estabelecimentos, no temor que estivessem contaminados e pudessem transmitir ou contaminar com radiação (COELHO, 2014, p.17).

As produções artísticas, e em específico a Série Césio 137 - Goiânia Rua 57, não são meros reflexos de uma sociedade e seu tempo; configuram-se como motores impulsionadores do fazer artístico. Siron Franco, na construção das pinturas componentes da Série Césio 137, aqui abordada, recorre a elementos que provocam reflexões voltadas para as questões humanas e sua fragilidade. O artista não apenas pensa e repensa seus materiais que usa, como os escolhe como elemento provocativo ao espectador.

Neste capítulo, por ora, em sua próxima divisão, trazemos para análise seis produções da Série Césio 137, em que foram usadas técnicas mistas, as quais possuem os seguintes títulos: O mapa, Primeira vítima, 2ª vítima e Rua 57, a essas somam-se dois desenhos, em que o artista utiliza guache sobre papel, todos intitulados Rua 57 e Goiânia Rua 57outubro de 1987.