• Nenhum resultado encontrado

2.2 O RISO DOS LATINOS: a sátira

2.2.1 Alguns autores satíricos

Lucílio é considerado o criador da sátira latina: “El espíritu satírico [...] Lucilio [...] Em sus manos, la sátira se convirtió em un poema de ritmo narrativo [...] nutrido de la personalidad del autor, que realizaba la unión entre la burla mordaz y la lección moral” (BRAYET, 1981, p. 113)12. Dono de um estilo que apontava os principais vícios da sociedade circundante da época: “a venalidade dos homens públicos, a corrupção, a vaidade, o luxo, a gula e até mesmo o esnobismo helenizante daqueles que repudiavam sua própria cultura e língua” (CARDOSO, 2011, p. 91).

Escreveu, principalmente, em hexâmetros dactílicos e alguns em iâmbico. Sua temática abordava o luxo ridículo, comida de glutões, outras tratavam de questões literárias e gramaticais. Brayet explica que Lucílio parte de aspectos comuns da “sabedoria popular”, baixo e provérbios pitorescos.

Horácio, Pérsio e Juvenal também foram excelentes autores de sátiras. Horácio “o mesmo caráter jocoso, resvalando pelo irônico e, por vezes, pelo mordaz, perpassa essas obras nas quais se percebe também, a todo momento, a preocupação filosófica. ” (id. 2011, p. 93). Estudou filosofia e literatura greda em Atenas. Segundo Cardoso, Horácio critica o defeito e não determinada pessoa. Em

12 O espírito satírico [...] Lucílio [...] em suas mãos, a sátira se converteu num poema de ritmo narrativo [...] nutrido da personalidade do autor, que realizava a união entre o escárnio mordaz e a lição moral. (Tradução nossa).

relação Lucílio, tem linguagem mais apurada e cuidada, como se pode verificar neste excerto:

Andava eu, casualmente, pela Via Sacra, como é meu costume, pensando em não sei que coisas, sem importância, mas totalmente mergulhado nelas. Eis que se aproxima, então, de mim, um fulano que eu conhecia só de nome. Agarra-me a mão:

- Como vai você, minha doçura?

- Eu ia bem, até agora, respondi. Querendo o que você quer. Como ele me seguisse, eu perguntei:

- Você quer alguma coisa? Ele respondeu:

- Você deve conhecer-me. Sou um intelectual. E eu:

- Ótimo saber disso. Aborrecido, querendo escapar dele, eu ora andava mais depressa, ora parava e dizia não sei o quê ao ouvido de meu escravo, enquanto o suor começava a escorrer-me até os calcanhares.

- Ó Deus! Que cabeça oca, dizia comigo mesmo, enquanto ele tagarelava, elogiando as ruas e a cidade. Como eu nada lhe respondia, ele falou:

- Que droga! Você está querendo fugir. Eu já percebi há muito tempo que você quer escapar. Mas você não vai fazer isso. Agora eu peguei você e vou acompanhá-lo. Daqui para onde é que você vai?

- Você não precisa ficar dando voltas comigo. Vou visitar uma pessoa que você não conhece e que está de cama, longe daqui, no outro lado do Tibre, perto dos jardins de César.

- Não tenho nada para fazer e não sou preguiçoso. Vou acompanhar você até lá. (HOR. Sat. I, 9, 1-19 apud CARDOSO, 2011, p. 95).

Albrecht considera que, com Horácio, a sátira adquire o mais alto nível de refinamento literário, “tienen carácter narrativo los relatos anecdóticos y las descripciones poéticas de viajes” (1997, p. 247)13, como se pode perceber no diálogo supracitado, que transcorre de maneira clara e bem-humorada, com requinte e sutileza, sem recorrência de palavras ofensivas diretamente.

Além das sátiras de Lucílio e Horácio, a sátira menipeia é constantemente citada. Ela tem esse nome em referência a Menipo de Gadara, dono de uma filosofia considerada cínica, filósofo grego do século IV a.C. “Teria sido discípulo direto de Diógenes de Sinope. [...] autor de várias paródias. [...] Em suas cartas cheias de sarcasmos, onde mistura prosa e verso, satiriza os deuses da religião popular.” (MURACHCO, 2007, p. 50). Menipo transita como personagem nos textos de Luciano de Samósata, em “Diálogos dos mortos”, considerada uma sátira moral e religiosa, trava jocosas conversas, além de Menipo, há deuses e outros filósofos, como os considerados cínicos, Diogenes, Antístenes.

13 “tem um caráter narrativo dos relatos anedóticos e as descrições poéticas de viagens” (tradução nossa).

No texto de Luciano, a descida de Menipo ao mundo subterrâneo é um convite a reflexão moral. No diálogo entre Diógenes e Pólux, aquele indica as razões para que Menipo não se esquive do pedido:

Menipo, Diógenes está te convidando, caso as coisas na terra já estejam suficientemente zombadas por ti, que venhas para cá, para zombar muito mais. Na verdade aí o riso ainda está incerto e frequente o refrão: “Quem sabe com certeza das coisas de além-vida?” Aqui no entanto, não cessarás de rir com segurança, como eu estou fazendo agora. Sobretudo porque tu vês os ricos, os sátrapas, os tiranos, agora tão rebaixados e insignificantes, reconhecidos apenas pela lamentação. (SAMÓSATA, 2007, p. 45).

A ideia desse excerto mostra que, na morte, a igualdade se faz, não há a preocupação com bens e riquezas, os filósofos cínicos eram reconhecidos por pregar contra todo excesso, por vezes, com apelo à zombaria e atrevimento, dando preferência à simplicidade da vida simples e natural.

Introduzida por Varrão, Marcus Terentius Varro ꟷ116-27 a.C., “a expressão sátira menipeia passou a designar uma forma literária mista não somente sob o aspecto formal mas também quanto aos conteúdos e ao tom” (CARDOSO, 2011, p. 91). O que se atribui a esse tipo de sátira é a possibilidade de combinação de variados estilos e formas como diálogo e verso. Há uma predileção pelo diálogo dos principais satiristas romanos, Horácio, Pérsio, Juvenal, conhecidos também como sermones, daí a origem da sátira para o sermão, ou conversa, sermo, sermones, alteração para o aspecto de uma conversa sobre os vícios.

Em Roma a sátira pode ser moral ou menipeia. A sátira menipeia se difere da moralizante, não somente pelo aspecto formal como também ao do conteúdo. Nas sátiras moralizantes havia uma preferência pelo hexâmetro datílico, na menipeia há uma mescla entre prosa e verso, uma saturação de gêneros. Para Bakhtin (2010d) a sátira menipeia é um gênero “carnavalizado e extremamente flexível e mutável”, “capaz de penetrar em outros gêneros”, nela o elemento cômico ganha relevo.

Documentos relacionados