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VI- O ALGEBRA PROJECT – DE COMO O ENSINO DA

6.3 Alguns princípios que norteiam o BAP

O Baltimore Algebra Project se pauta pela ‘premissa básica da votação democrática sobre tudo’, ou seja, qualquer ação política a ser desenvolvida, qualquer alteração na estrutura organizacional é votada. Nesse sistema, portanto, vence a posição que a maioria deseja em detrimento daquela(s) preferida(s) pelos demais (a minoria). Essa opção de funcionamento contraria, em parte, as origens/inspirações nas quais seu mentor – Bob Moses – formou-se e, em parte, parece às vezes incomodar alguns de seus ativistas. Como observou o presidente do BAP, em 2009:

Eu apenas penso que ninguém deveria ser.. ahmm... limitado naquilo que quer, tendo seus direitos ‘tomados’ em qualquer situação, mesmo que você concorde em ser [parte de] uma organização. Eu preferiria muito mais o consenso em qualquer questão... mas isso levaria muito tempo... você sabe.... para se obter... eu tento obter o consenso o mais que posso, quando estou facilitando qualquer votação.(...) Basicamente o que a gente faz é votar na maioria das questões (...) eu acho que é uma forma bastante eficiente de fazer as coisas rapidamente, já se esta é a melhor forma de fazer isso, é diferente (...) Nós temos que encontrar uma forma de conseguir consenso e conseguir isso rapidamente...sem excluir ninguém, fazendo todo mundo sentir-se confortável (depoimento de Bryant).

Pode-se imaginar que a experiência no Student Nonviolent Coordinating

Committee (SNCC) pode ter levado Bob Moses a refletir que, mesmo não tendo sido

adepto de tal concepção naquele momento, a busca pelo consenso seria algo complicado e, às vezes, ineficiente. Essa percepção pode ter se refletido na elaboração do programa, reforçada pelo fato de que o Algebra Project tem finalidades múltiplas, envolvendo essencialmente a eficiência do sistema de tutoria em matemática. ‘Não deixa de ser

business’, como observa o presidente do BAP, pautado por critérios de produtividade.

Por outro lado, outro ativista aponta a existência de espaços nos quais ocorrem eventuais conflitos entre a estrutura do AP e a experiência cotidiana constituída pelo movimento, mostrando às vezes certa ambiguidade e tensão no que toca a questões como o processo decisório empregado no grupo:

É como uma constituição viva... políticas (polices) vivas... é como um barco... você pode sempre trazê-lo de volta... algumas vezes é chato, mas, nós... permitimos esse espaço para... você sabe, nós realmente nos importamos com o que as pessoas pensam sobre como as coisas estão indo [no BAP]... ou sobre as ações e as regras... tanto que no (treino de) verão, em grande parte fazemos isso: nós voltamos àquelas questões... como podemos mudar o que está no manual [do programa]... como podemos mudar o que é pago [aos ‘bolsistas’ do AP] como... isso é uma organização conduzida por jovens, então os jovens têm que tomar as decisões (Depoimento de Chris).

Já para o presidente do BAP:

No momento em que você tem uma situação que será tratada como democracia... haverá pessoas que sentirão que suas vozes não são ouvidas... Eles têm que consentir em fazer alguma coisa que não querem, (...) eu, pessoalmente... minha visão política... não me permite, você sabe, forçar

alguém a fazer aquilo... mas, pelo bem da organização e da estrutura, do que a gente faz, eu tenho que lidar com isso. De qualquer forma, eu penso que a gente funciona bem como organização.

A questão da liderança, por outro lado, constitui-se em um ponto essencial do

Algebra Project. Do ponto de vista de seus integrantes, todos na organização devem ser

líderes. Para Bryant, “é apenas uma questão de você escolher exercer o poder que você merece.”

Mas trabalhar em um sistema estruturado hierarquicamente que está em constante processo de renovação – já que seus ativistas, quando concluem a escola secundária, também se afastam do programa – faz com que, como ainda observa outro ativista, seja preciso estar constantemente criando novos líderes. Para atender a essa finalidade, o BAP sempre dispôs de vários treinamentos de lideranças:

Você sabe, a tutoria, é [pelo sistema] peer to peer: gente jovem ensinando outras pessoas jovens, tentando passar isso de um para o outro, (...) assim como da mesma forma que fazemos com a liderança, treinos de liderança, treinamento de facilitação, a importância do consenso, da votação e coisas assim... Assim, para essa organização continuar a crescer, nós precisamos ter mais pessoas jovens e lideranças, mais jovens do que eu, você sabe, surgindo... E é nossa responsabilidade construir essas relações com os estudantes na organização e ensiná-los as coisas que eu sei. Por que esse é o motivo pelo qual estamos aqui hoje, é porque fomos orientados e cuidados. Vários de nós foram colocados em posição de liderança. Assim nós nos viramos e aprendemos. Agora temos que passar isso para outros, mais jovens, de forma que possam, você sabe, tocar a organização (depoimento do Chris).

Entretanto, não deixava de ser uma limitação o fato de que o ativista/organizer tivesse que se desligar do programa no momento em que estava tornando-se mais maduro. Assim, como uma evolução de sua estrutura de trabalho, bem como por um reconhecimento das conquistas obtidas, o programa conseguiu, nos últimos três anos, financiamentos que permitem continuar a contar com organizadores que se mantêm ligados ao programa mesmo quando já se tornaram universitários. Essa nova situação tem a vantagem de manter a experiência acumulada pelos jovens, dando continuidade às ações empreendidas pelo programa, mas apresenta como desvantagem a criação de mais uma instância hierárquica, gerando uma intimidação por parte dos mais inexperientes em relação aos ativistas mais antigos. Esse seria um dos dilemas que o BAP enfrenta atualmente:

Nós sempre encorajamos novas lideranças, mas agora a dinâmica meio que mudou. Você sabe, você tá falando de jovens de 14 a 21, 22 anos... assim, exatamente agora, nós estamos trabalhando em como realmente construir, você sabe, mais lideranças jovens e como não tê-las intimidadas por pessoas como eu e B[ryant] (Chris).

Quanto à relação que o BAP tem com a estrutura partidária estadunidense, esta é marcada por uma autonomia em relação aos partidos, com o intuito de atrair o maior número possível de aliados para a causa da educação:

não posso dizer que somos formalmente afiliados a qualquer partido político. Há alguns políticos que nos apóiam, pelo que estamos fazendo, independentemente de sua afiliação política. (...) nós não dizemos que somos necessariamente democratas ou republicanos. Primeiro, porque não podemos entrar nesse jogo já que somos uma ONG/ entidade sem fins lucrativos; segundo, você perde apoio desta forma, se você se auto-etiqueta e etiquetar qualquer coisa com um nome é criar um divisão. Assim, não podemos dizer que somos comunistas, anarquistas ou capitalistas, não é esse o tipo de coisa em que estamos... (depoimento de Bryant).

Por esse depoimento, é possível perceber uma preocupação em não se vincular a uma perspectiva política/ideológica específica, uma vez que o objetivo da organização é lutar por uma causa definida para a qual qualquer apoio efetivo é bem-vindo. Essa configuração, portanto, está mais próxima da luta por demandas específicas e conduzidas por movimentos baseados em questões culturais/identitárias.

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