• Nenhum resultado encontrado

Sidney: Carol, a nossa última etapa aqui. Uma menção honrosa, eu gostaria que você trouxesse para nós a definição, pra que o Pablo possa discorrer, se assim ele desejar, porque diz que tem um transtorno mental que é nomeado, baseado em Alice. Porque a gente tá falando muito de psicodelia, alucinação... de loucura... A gente usou muito o termo louco aqui, e tal. Ludicamente, mas, inclusive, podemos até ter resvalado na psicofobia, claro. E vocês, por favor, nos mandem os seus comentários puxando as nossas orelhas, se assim foi. Mas existe, sim, um transtorno mental que é nomeado a partir da obra de Alice, não é?

Carol: Sim, é a Síndrome de Todd, que também é conhecida como Alice In Wonderland Syndrome. A Síndrome de Alice no País das Maravilhas, que é um distúrbio de orientação neurológica. Ela vai se caracterizar por episódios onde a pessoa tem a distorção da percepção espacial mesmo. Então, a pessoa vai ter a percepção do corpo numa dimensão estranha, de cor, dos movimentos dos objetos e das pessoas também. E também há a perda da noção da persistência das imagens, depois da retirada do campo de visão e também fala-se em dores de cabeça... coisas que diz-se que o próprio Carroll sofria.

Sidney: Interessante. Pablo, você tem alguma coisa a dizer sobre essa síndrome?

Pablo: Então, isso daí, na verdade, é consequência de algum tipo de alteração neurológica, seja por lesão, seja por uma infecção... Tecnicamente, ele não vai se caracterizar enquanto um transtorno mental, porque como você tem uma causa explícita de uma alteração neurológica, você vai classificar, então, como uma questão neurológica mesmo.

Sidney: Ah, entendi. Essa síndrome é causada... É uma causa externa.

Pablo: Sim... Assim, pode ser interno... Pode ser um AVC... Pode ser até uma alteração genética, alguma coisa que vai fazer com que as partes do cérebro responsáveis pela organização espacial... viso-espacial, elas não estejam 100% afinadas, daí você tem

56 justamente essas distorções dessas percepções. Eu não conheço muitos detalhes disso, até porque eu não trabalho muito com essas alterações neurológicas...

Sidney: Até porque é uma condição psiquiátrica...

Pablo: Não. É uma condição neurológica. É diferente.

Sidney: Ah, é diferente? Perdão. Qual é a diferença?

Pablo: Qual é a diferença... Agora, eu vou polemizar. Pra mim, a diferença é que a psiquiatria é uma pseudociência.

Sidney: Ih!

Pablo: E a neurologia é uma ciência. A psiquiatria vai surgir numa época que você tá tentando fazer um cuidado de comportamentos. E daí, você começa a mudar um pouco o olhar de comportamentos desviantes... Assim, eu entendo a psiquiatria dentro da história, no sentido de que comportamentos desviantes eram considerados criminosos. E aí, comportamentos desviantes passaram a ser só considerados doentes. Só que as primeiras doenças, pra você ter uma ideia, eram as doenças da moralidade. O pessoal não sabia muito bem o que era certo e errado e, por isso que ela era meio doente. Como se a moralidade fosse uma coisa que pudesse adoecer. E os primeiros médicos, inclusive, o primeiro psiquiatra, que era um médico falido, um médico que não conseguiu ser médico direito, ele foi trabalhar...

Sidney: Meu deus! Pablo, que rancor.

Pablo: É sério. Ele foi trabalhar num presídio porque era o único lugar que conseguiram contratar ele. Ele começou a ver, nesse presídio, que... O nome dele, inclusive é Philippe Pinel.

Sidney: Pinel! É por causa dele?

57 Pablo: Pinel, é por causa dele, do primeiro psiquiatra. E ele começou a ver que várias pessoas que foram presas por comportamentos criminosos, na verdade, não tinham noção do que eles estavam fazendo lá. Não tinham conhecimento, consciência, compreensão do que estavam fazendo. Ele começou a estudar essas pessoas e viu que, possivelmente, eram pessoas doentes, e não pessoas criminosas. Ele tentou convencer as pessoas para tratar esses doentes de forma diferente. E você começa a ter toda uma forma de tratar comportamentos, que eram considerados desviantes e errados, como sendo doenças...

Sidney: E a neurociência?

Pablo: Aí, o que acontece? Nessa época, a gente ainda não entendia direito o que eram os comportamentos. Como é que funcionavam as causas e os efeitos. Mas se conhecia o cérebro, se conhecia um monte de coisa, e foi se afinando. A neurologia vai surgir como o refinamento médico da ciência da fisiologia neurológica, da fisiologia do cérebro. E aí, você vai ter a neurologia, que é toda uma ciência da fisiologia cerebral, de como funcionam os neurônios, as ligações, as sinapses...

Sidney: A parte anatômica e fisiológica...

Pablo: Não só anatômica, mas também funcional. Como é o funcionamento do cérebro.

E você começa a ter, a partir do final do século 19, um paralelo. Vários estudos que mostram alterações no cérebro relacionadas diretamente com alterações do comportamento. E você começa a ter essa aproximação entre psiquiatria e neurologia.

Sidney: Mas, então, hoje em dia, a psiquiatria não é... Eu pensava que ela era um ramo da neurologia...

Pablo: Não. É um ramo da medicina que surge independente. Daí, você começa a ter essa aproximação. Essa aproximação começa a ser mais forte a partir da década de 1950, quando você começa a ter os avanços de uma outra área da ciência, que é muito fundamentada nos estudos neurológicos, que é a neurofarmacologia.

Sidney: Tá.

58 Pablo: Que é o estudo dos remédios e as alterações neurológicas que isso vai fazer. E isso puxa para a psicofarmacologia, que você começa a ver alterações de comportamento, sem necessariamente você ter alterações no cérebro. E você tem essa aproximação cada vez maior entre químicos que fazem alterações no cérebro com essas mesmas alterações que promovem alterações comportamentais. Hoje em dia, se você vai ver o que um neurologista e um psiquiatra podem fazer, as diferenças são muito pequenas, a não ser que o neurologista vá olhar pra uma questão muito mais fisiológica, uma cirurgia neurológica provocada por uma lesão... Um tiro de bala no cérebro, você vai procurar diretamente o neurologista.

Sidney: Entendi.

Pablo: Mas alterações de comportamento que você não sabe direito uma causa ali, daí você vai olhar pra um psiquiatra.

Sidney: O neurologista não tem conversinha, o psiquiatra que tem a conversinha...É isso?

Pablo: Hoje em dia, nem o psiquiatra tem conversinha... ele vai olhar pra você, te dar o remédio e depois você volta...

Sidney: Ai, Pablo, deixa eu ser esperançoso! Meu psiquiatra é tão bom...

Pablo: Né... A questão não é do psiquiatra. A questão é do profissional médico que é bom.

Sidney: Entendi.

Pablo: Porque, se depender da psiquiatria...Não vai te ajudar muito.

Sidney: Eu tô chocado! A minha pergunta foi tão inocente. E resvalou pra essa diferenciação... Mas o que eu queria, na verdade, ressaltar com a pergunta, é que a Síndrome de Alice no País das Maravilhas é tratada com remédios. É isso?

Pablo: Sim.

59 Sidney: É um transtorno tratado farmacologicamente. Não é com sessões de terapia...

Pablo: Não é bem um transtorno... É, de fato, uma alteração neurológica que você vai tentar fazer uma correção do cérebro, porque o cérebro já não tá... tem algum problema fisiológico ali que precisa ser corrigido. Daí, eu não sei diretamente qual é o tratamento.

Se é um tratamento químico. Às vezes, pode ser um tratamento funcional. Pode ser um tratamento mesmo de terapia, de uma reabilitação neuropsicológica mesmo. Pode ser, às vezes, com uma cirurgia. Eu não sei. Eu não sei mesmo qual é o tratamento indicado pra essa condição.

Sidney: Sim. Mas, de toda maneira, envolve um tratamento médico. Não é?

Pablo: Isso, isso. Neurológico.

Sidney: Neurológico. Ok. Olha só, que viagem, não é mesmo? Entramos na toca do coelho aqui com Pablo.

60

Documentos relacionados